Libido (ou Cheiro de Pizza)
A internet tem dessas coisas: provocar minha libido, instigar minha imaginação e meu sexo, como quem brinca com o desejo do outro deitado num divã do analista... Depois, sufoco-me em um espasmo de gozo conseguido sozinha no quarto, enquanto todos dormem e as lembranças do ciberespaço tomam corpo. Mas, agora, o sol ainda não se foi e as portas na casa de família permanecem abertas. A moralidade perdida nos pensamentos disfarçados pelo rosto que cedo aprendeu a fingir deve ser respeitada... E os dedos ágeis, mas frustrados, perdem-se nas teclas do computador enquanto a noite não chega.
Há uma moça. Morena clara, sobrancelhas grossas, sorriso de menina. Ela fala de suas fantasias com a inocência maliciosa das ninfetas. Desperta meu desejo, mas me comporto. Quero mantê-la por perto e temo assustá-la com minha vontade de possuí-la. Ela come pizza com guaraná, “mussarela sem tomate”... Fala da pizza, saboreia se lambuza e me acende. Penso em sua boca, seus seios, seu sexo. A pizza vira um convite na minha imaginação. Mas, ela nada sabe e eu apenas sorrio com o canto da boca, pensando, sonhando, guardando para noite as lembranças dessa conversa pelo computador.
As mulheres despertam meu desejo quando dentro da tela virtual. No dia-a-dia, passam desapercebidas como fantoches representando seus papéis nesse mundo de robôs. Eu na minha personagem também sigo reservada. A prudência e o medo de me revelar diante do preconceito social são meus vigias carrascos. Por isso fujo para dentro da tela, vou ao encontro do meu desejo como quem busca por água quando a sede aperta. E são tantos os braços, as pernas, seios, barrigas, bocas e olhos desfilando pela tela; sem pele, sem cheiro, sem gosto... Mesmo assim, a libido desperta.
A tarde continua seu curso e a idéia fixa na moça da pizza faz surgirem essas linhas que não esgotam o desejo. Pelo contrário, torna-o mais intenso. E o rosto é traído por uma língua que molha os lábios... Ninguém percebe. A família ao lado não imagina o que se passa e a moça ao computador continua segura em seu mundo de fantasias. Mesmo assim, não quer arriscar. Ela respira fundo e levanta. A escrita já não controla seu desejo, mas o sol teima em não ir embora... Toma uma atitude e ao telefone pede pizza com guaraná, “uma mussarela sem tomate”.
... E o mais intrigante disso tudo é que foi um rapaz e seu diário na internet que despertou minha coragem para revelar essa face do meu desejo...
(Conto publicado na antologia "As Delícias de um Amor Proibido", Litteris Editora/RJ, 2006)