Além do Oriente

E num dia como outro qualquer eu simplesmente vendi tudo o que tinha e fui para uma cidade litorânea. Comprei um navio, um pequeno navio; equipei-o com homens e provisões para rumar ao oriente e além. Qualquer um poderia dizer que o oriente acaba aonde começa o ocidente, qualquer um diria que a terra é redonda. e são justamente essas pessoas presas em um pequeno ciclo vicioso que tornadas ao oriente navegariam sempre em círculos. Não, eu sei que além do oriente conhecido existe mais, existe o caminho que leva à morada do Sol, no verdadeiro fim do mundo no Oriente, e é para la que vou.

O começo da minha viagem foi fácil, estava trilhando o caminho conhecido, o caminho obvio e já mapeado. Segui tranquilamente até o extremo oriente conhecido e me vi diante a linha internacional da data. Uma pessoa qualquer simplesmente cruzaria essa linha e retrocederia à estaca zero; ricochetearia nessa barreira invisível e se veria um dia atrás no extremo ocidente do mundo. Mas não eu! Eu tinha algo capaz de quebrar essa barreira, que era a minha convicção.

Ao atravessar essa linha, entrei em um mundo não mapeado, um mundo desconhecido. O céu azul foi coberto por nuvens cinzas e cruéis e uma terrível tormenta caiu sobre nós, a primeira de várias. Após a tormenta, a calmaria. Uma horrível onda de calor, a ausência total de vento, a estaticidade e a monotonia. Tormentas e calmarias se revezavam, e não havia um único bom. No décimo dia após cruzar o oriente, não me parecia ter avançado uma milha sequer. Meus homens desertaram, pegaram o bote maior e abandonaram o navio. Não era justo arrasta-los nessa viagem insana, eles não tinham o mesmo fogo que eu e eu não os arrastaria para a morte certa.

E continuei sozinho em minha viagem rumo ao extremo oriente, rumo à Morada do Sol. As calmarias eram mais terríveis que nunca, e as tempestades mais cruéis ainda, minha ração de água e comida acabou completamente em torno do dia 40 após cruzar a linha do oriente, não sei dizer a data com exatidão. Estava com fome e com sede, beirando a morte. Eu sentia os abutres voando em círculos, cada vez mais próximos, mas sempre que olhava para cima não havia nada, apenas a vastidão desoladora do azul infinito do mar que se misturava com a vastidão azul infinita do céu, em uma linha indefinida do horizonte.

Estava em um estado letárgico de semi consciência quando ouvi uma voz grave e profunda me dizendo para içar as velas. Estava sem forças em meio a uma calmaria e um calor de mais de 50 graus, era o inferno em alto mar. Se içasse as velas agora, não teria forças para recolhe-las na próxima tormenta, eu naufragaria e isso seria o fim de tudo. Mas eu lembrei de muito tempo atrás, de ter ouvido que para ir além do bojador é preciso ir além da dor. Senti uma brisa suave no rosto, uma brisa que vinha do ocidente e que era fraca demais para empurrar o navio, mas foi o sopro vital que me deu forças para içar as velas. Após içar as velas eu senti o vento ficar mais forte e me empurrar para o oriente. E desmaiei.

Sonhei com cores sem forma, pelo que me pareceu ter durado um milênio, mas não posso dizer o quanto eu dormi. Acordei com um solavanco e vi que meu navio estava encalhado. O mar estava raso, do azul mais intenso que já havia visto e embaixo havia uma areia fina e quase cristalina. Entrei no bote menor e abandonei o navio. Não foi preciso remar, porque uma correnteza me empurrava para o oriente e de alguma maneira eu sabia que era a minha mente que fazia a corrente marítima naquele lugar e a minha mente estava completamente no oriente.

Aquela água era doce e pura, não passaria mais sede lá e três vezes ao dia gigantes albatrozes me traziam frutos desconhecidos em seus bicos. O sol era enorme, os dias eram longos e as noites eram curtas, mas cheias de vida, com estrelas brilhantes e uma lua prateada. Através da areia quase transparente eu via sombras e ouvia ecos de uma gloriosa civilização. Seus cantos não eram para serem entendidos, e sim sentidos. Junto ao eco de seus cantos eu ouvia a voz, cada vez mais forte, de todos aqueles que eu amo e que se foram, falando para eu continuar para o Oriente, que logo eu os encontraria e isso aumentava a chama de mim.

E então cheguei em uma ilha e me senti tentado a descer. Era uma ilha pequena, quase deserta, exceto por uma pequena cabana no meio dela. Fui tomado por uma paz de espírito que nunca havia sentido antes e fui à cabana. Havia um homem na porta da cabana, com longos cabelos e barbas brancas, e uma túnica igualmente branca. Foi só olhar para ele para perceber que ele era tão antigo quanto o próprio tempo, e sua aura era a tradução literal da serenidade. Não falei uma palavra, após tanto tempo em silêncio, nem sei mais se ainda saberia falar, foi ele quem falou.

-Não, não sou deus como você deve estar pensando. Eu beiro a onipotência, mas não o sou porque a onipotência não tem como existir, e também não sou perfeito, sou falho e a minha falha é a minha ira. Eu sou o Sol, e todo dia dou minha luz e meu calor a todos, mas eu vejo tudo e me encolerizo. A humanidade está perdendo a sua humanidade e estou prestes a explodir, para que nunca mais exista mais nada na terra de onde você veio. Apenas alguém com uma alma ardente e com a força da imaginação chegaria aqui, e essa não é a minha morada definitiva, ainda que você esteja o mais próximo dela do que poderia sonhar, onde você esteja seguro de minha ira. Mas se fores, não haverá como avisar a todos do fim que se aproxima deles, do fim que as próprias pessoas estão buscando. Se fores, poderá avisar a todos de que ainda há esperança, mas jamais regressará ao Verdadeiro Oriente. E mais: a viagem de volta é sempre mais difícil, se sofres-te para vir, sofrerá dez mil vezes mais para retornar, pois aqui o mar leva as pessoas aonde elas desejam ir acima de tudo. Terás que ter muita força para ir ao ocidente quando seu coração estiver no oriente...

Hanttu Monkeymann
Enviado por Hanttu Monkeymann em 16/01/2013
Código do texto: T4088850
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