Francisca e o sininho quase japonês

Francisca e o sino quase japonês

Era um sino pequeno e meio atrapalhado. Quando você tentava pendurá-lo, se emaranhava todo, tabém, tabém, pessoas nu Basil num tem muita paciença nom, pensava o sininho quase japonês enfiado num canto de uma loja no bairro da Liberdade. Até que era bonitinho,esse sino; cor de rosa que é a cor do amor perene, dizem, aquele amor que deixa a vida respirar. E, nos seus cordões, flores miúdas subiam até seu topo coberto de fitas azuis e rosa. Alguns comentaram que não era de muito bom gosto, até meio cafona e assim, o senhor Li houve por bem escondê-lo que não estava ali para ouvir comentários desairosos sobre seus sinos, tinha mais o que fazer, sino era sino, nem tinha tanta serventia assim, como a tigela de arroz da sobrevivência. Mas aí, Francisca, que era uma menina pequena, foi com sua mãe passear no bairro da Liberdade e se encantou com os biscoitos da sorte, as bonecas japonesas com seus pés tão pequenos, as lanternas meio mágicas, pessoas que passavam sorrindo. E, ao entrarem na loja do senhor Li, ela escarafunchou, escarafunchou, acabou achando e se maravilhando com o tal sininho enfiado num canto; tanto pediu, que sua mãe resolveu comprá-lo. Dito sininho foi colocado num outro canto do jardim, era sina do sino (meio esquisita essa concordância) ficar sempre num canto de algum lugar, mas a vida junta coisas esquisitas sem perguntar, sina e o sino acima, por exemplo; sua mãe achou impróprio que ele ficasse em outro local mais à mostra, muito breguinha esse sininho Francisca, nem parece sino de japonês e eis que o sino não entendeu muito bem o que era bega, mas ficou bem contentinho naquele canto que lhe arranjaram. E, na manhã seguinte, uma aragem fresca que passava por ali, avisou o vento que havia um sininho quase japonês naquelas paragens. E o vento, senhor do pedaço, se dispôs a conhecê-lo, pois que, estava de bom humor. E eis que o sininho, ao sentir cócegas nas costas, começou a balançar sem querer, plin, plin, plin, danadinho esse sininho hein, comentou o vento meio que sorrindo, o sino continuou a balançar na manhã tão fresquinha e, era tão doce seu canto, que o anjo de gesso da fonte da casa ao lado piscou o olhinho, a borboleta meio aérea pousou no muro de hera para ouvir, um colibri que passava agitado resolveu parar para vê-lo e logo, logo, outros passarinhos estavam ali em volta do sininho quase japonês, ouvindo seu plin plin tão delicado. Passam-se os dias e, sempre nas manhãs ensaboadas, quando Deus abre seu olho com bondade eterna, ou nas tardes que vão se sentando devagar nos bancos da noite, o tal sino tocava embalado pelo vento que se acostumou a passar por lá para conversarem um pouco. E o canto do jardim, antes tão triste e escondido, era agora motivo de grande algazarra e alegria. Também Francisca vinha todas as manhãs e tardes, sentava-se no banco e olhava um livro de gravuras bem coloridas e os passarinhos e abelhas comentavam nossa Fran, como esse livro é tão bonito e cheio de cores, como a história é interessante, todos sentados em volta dela; a menininha se divertia muito ali, eis que as crianças pequenas conseguem falar com animais e sinos com maior facilidade, coisas bem simples que fazem a vida pular corda. E assim foi, por longo tempo. Muitas vezes o sininho contava coisas sobre o país distante onde havia nascido, como ninguém estava ali para julgar ninguém, existem mentiras piedosas e o importante mesmo eram as almas juntas, nunca se questionou sua origem de enfeite de carro alegórico da segunda divisão no carnaval, suas histórias não tão japonesas, nem seu sotaque esquisito, influência do senhor Li; assim, ele narrava com entusiasmo fatos que ouvira do japonês da loja, enquanto este descansava da lida e comia sushi; sobre o país do sol nascente, no, no, num sei dizê puque esse nome, soó nascente, sobre dragões que cuspiam fogo e que voavam pelos céus muito zangados, samurais que eram tão valentes, com seus cavalos alados, misturava um pouco com o bumba-meu-boi que vira nos desfiles de carnaval, exaltava as cerejeiras em flor, e soava aflito quando falava sobre uma bomba que caiu numa cidade do Japão onde ninguém sobreviveu, nessa parte da narrativa todos ficavam muito tristes, inclusive Francisca que já intuía algo sobre essa tal morte e sobre a estupidez humana. E essa bobagem mental de querer arrumar coisas que estão indo muito bem, obrigada, fez, num dia meio chuvoso, a mãe de Francisca tirar o sininho daquele canto de jardim, tá muito velho esse sino, sempre achei que ele era brega, agora que vem um paisagista reformar as plantas, nem vai ter lugar pra ele. Francisca esperneou e chorou muito, passarinhos, borboletas e abelhas e até o sapo que vivia embaixo de uma pedra castanha no jardim ficaram realmente consternados, o vento bem que tentou dar uma susto na mãe de Francisca derrubando as roupas do varal, mas, o sininho quase japonês foi jogado no sótão empoeirado e sujo. Bem que o paisagista tentou elaborar um belo jardim – só que - quando se chegava naquele canto, as plantas não cresciam, os passarinhos não cantavam, as abelhas não zuniam, o sapo estava seriamente pensando em mudar de casa, só não tinha procurado outro lugar pra se estabelecer, por que estava com problema de artrite. Nem uma brisa ligeira passava por lá, dava a volta no quarteirão só de pirraça e o anjinho de gesso, que vivia na fonte na casa ao lado, começou a trincar sem motivo. E assim, as plantas daquele jardim do paisagista, impressionadas com tão triste história, houveram por bem não mais crescer. Também Francisca ficou tão triste que nada a interessava - nem o livro de figuras tão coloridas, os lápis de cera pra se fazer desenhos pra mãe, raspar a panela do doce de brigadeiro, mexer na água. Foi ficando magrinha, magrinha, não pedia mais alguns brinquedos ou doce, ou fita pro cabelo, ou um vestido novo no dia do aniversário, eu só queria de volta meu sininho quase japonês no canto do jardim, mãe e repetia isso com a voz fraca, até que sua mãe, preocupada com a saúde da menina, entendeu que não era birra e trouxe o sino quase japonês de volta para o canto do jardim. E foi tão grande a alegria dos passarinhos e abelhas e borboletas, do velho sapo que até esqueceu a artrite, das manhãs fresquinhas e tardes macias, do anjinho de gesso que vivia na fonte da casa ao lado, do pessoal que passava por ali para o trabalho ou voltando à noitinha, da velhinha que ia buscar pão quentinho, da roda gigante que começou a rodar e a se iluminar sozinha, das minhocas que saíram de suas casas pra saracotear que, Jesus e Bhuda, que estavam conversando sobre as ilusões dos homens, ouviram a algazarra, vieram espiar o tal canto do jardim e acabaram também por acharem muita graça; por tudo isso que foi contado, dizem ser, o canto do jardim, um lugar meio encantado. Tem gente procurando o lugar, eu, inclusive.

Vosmecê
Enviado por Vosmecê em 12/09/2012
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