Inspirado pelos contos de Tolkien, pelos filmes "Schereck" e "O Feitiço de Áquila" escrevi essa história, planejo que seja longa e dividida em muitas partes. Seja bem vindo a terra de Aranar!
A Dama da Torre
Além do passado, do presente e do futuro existe também aquele tempo onde as coisas “poderiam ter sido”. Uma época mágica onde tudo que não aconteceu uma vez existiu, onde moram as fantasias e as lendas, mais antiga que o mundo e povoada pelos frutos de nossa imaginação. É um lugar de muitos reinos, infinitos como as estrelas do céu, cheio de magia e encantamento e onde se desenrolam belas e dramáticas histórias, histórias que as vezes são captadas por nós em nossos sonhos, como lembranças de uma vida distante.
Foi neste contexto que me chegou essa estória, acontecida na terra de Aranar, o país das florestas gigantes e das pradarias verdejantes, dividido em oito diferentes reinos dos homens. Dizem que na mais alta das montanhas a oeste de Aranar existe uma fortaleza com várias torres, e na mais alta das torres uma donzela é mantida cativa, vigiada por um poderoso dragão. Dizem que esta donzela está a espera de seu salvador e os dois terão nas mãos o destino de toda Aranar, senão de toda Terra.
Não se sabe por que a donzela é mantida prisioneira, mas ao longo das eras muitos nobres empenharam-se em salva-la, mas todas as tentativas foram fracassadas, pois o que movia os homens não era somente o amor, mas a ganância gerada pelo tesouro do dragão. Agora suas façanhas eram consideradas apenas mitos pertencentes a um período esquecido, os oito reinos estavam envolvidos em preocupações maiores, guerras. Mal sabiam que o interesse pela cativa do dragão retornaria com força e logo descobririam ser ela a chave do domínio final.
Bem, mas para entender todos estes acontecimentos precisamos conhecer primeiro um jovem de origem humilde que até então nunca pensou que seu destino fosse glorioso.
O pequeno Ellion, de apenas onze anos, ajudava os pais e os irmãos a juntarem o feno para os animais em sua propriedade no leste de Palma Longa, um dos oito reinos de Aranar. Sua curta vida sempre foi dedicada ao trabalho em família, naquele dia ele mais se divertia e seus pais riam quando ele tentava levantar montes de feno como os irmãos mais velhos faziam.
- Ellion! – falou Astor, seu pai – um dia ainda será forte como seus irmãos meu filho, mas por enquanto se concentre nos montes menores.
Todos riram, e aquele riso teria durado a manhã toda se Elida, a mulher de Astor não tivesse dado o alarme.
- Astor – disse ela apontando para o horizonte – veja, há fumaça subindo, parece vir da aldeia.
Todos olharam e viram rolos de fumaça negra manchar rapidamente o azul do céu. Enquanto olhavam escutaram um tropel de cavalos e viram alguns de seus vizinhos, fazendeiros como eles, marcharam em direção a aldeia.
- Astor! – um dos homens gritou – reuná seus filhos, um dragão atacou a aldeia e vem para nossas terras!
O pequeno Ellion ouviu a palavra “dragão” e dentro de si não sentiu medo, sentiu apenas fascínio. Finalmente conheceria o grande monstro de que tanto ouvira falar!
- Vejam! – gritou um dos fazendeiros – ele vem vindo! Se protejam, salvem suas vidas!
Todos olharam para o céu, um ser com grandes asas de morcego crescia em tamanho a medida que se aproximava, rápido como o vento, belo como um pássaro e terrível como o fogo. Quando chegou mais perto os fazendeiros dispararam com seus cavalos, Astor e Elida chamaram seus filhos para fugirem com eles, mas Ellion permaneceu onde estava, queria ver o dragão de perto.
A fera desceu cuspindo fogo pelos campos, casas, cercas e plantações eram queimadas em segundos. Ela agora avançava até a carroça da família de Ellion e quando chegou bem próxima abriu suas asas e parou no ar.
- Ellion! – gritou desesperada Elida enquanto Astor corria até o menino.
O pequeno menino permanecia perto da carroça e olhou o grande monstro de perto. A criatura pousou seu corpo majestoso próximo a carroça, esticou seu longo pescoço pronto a incendiá-la. Foi neste momento que Ellion correu até ela e, movido pela inocência e curiosidade infantil que muitas vezes superam o medo, esticou seu pequeno braço e tocou sua pele áspera. O dragão estacou, sentiu o pequeno toque e voltou-se para o menino. Ellion olhou para dentro dos olhos verdes do dragão e pensou ter visto um brilho diferente ali dentro, os dois permaneceram enfeitiçados um pelo outro por alguns instantes, mas o menino não pode continuar a olhar, seu pai chegara até ele e o arrastou saindo de perto do monstro.
A criatura saiu de seu transe e levantou voo novamente, não sem antes cuspir fogo e incendiar a carroça e os campos. Ele subiu entre as nuvens e desapareceu tão rápido quanto havia chegado.
- Ellion meu filho, você está maluco? – disseram os pais do menino enquanto o abraçavam.
Ellion permaneceu calado, enquanto todos sentiam medo e pavor ele tinha dentro de si uma satisfação imensa e desde então decidirá que iria rever o dragão um dia.
Depois da passagem do monstro tudo era desolação, ninguém morrera ou se ferira, mas as fazendas e a vila estavam arruinadas, tudo destruído pelo dragão.
Nos anos que viriam o monstro não mais atacaria, mas uma fera pior e mais maligna, alimentada pelo ódio dos homens, iria espalhar sua destruição em Palma Longa. A guerra estava próxima e, ao contrário do dragão, ela não pouparia vidas humanas.
Doze anos se passaram desde o encontro com o dragão. Ellion ia montado em seu cavalo, seguia com o restante da tropa para mais uma batalha. A cavalaria seguia lentamente, agrupada em linhas de três cavaleiros ela formava uma fila gigantesca que se perdia nas curvas da estrada. Ellion contemplava a paisagem ao longo do caminho, pastos verdes e campos ondulados salpicados de fazendas abandonadas lembravam muito Palma Longa, o distante reino onde viveu sua infância.
Foi uma época feliz, repleta de histórias contadas pelos pais e brincadeiras com os irmãos, mas tudo acabou quando a guerra chegou. Ellion foi separado da família, hoje ele nem sabia se estavam vivos, e obrigado a se juntar ao exército do Rei na tentativa de deter o avanço de um terrível mal que vinha do leste. Ellion, cujo destino talvez fosse virar um camponês como seu pai, agora era um guerreiro e, apesar de jovem, já havia lutado muitas batalhas, porém não impediu que o terror tomasse conta de seu reino e agora vagava com os sobreviventes para formar uma resistência no reino livre de Jamelad, um dos últimos dos oito reinos ainda independentes, umas das últimas esperanças da Segunda Aliança dos Oito Reinos, como era chamada a resistência. Ellion continuou a olhar os campos, mas de repente seu olhar foi desviado por uma sombra distante no céu, seu coração bateu forte por um segundo, mas logo ele constatou que era apenas um falcão a voar ao longe.
- O que foi Ellion? – disse Olipe, o soldado que ia a sua esquerda – vendo coisas?
- Vai ver é um dragão – disse Alba, o soldado a sua direita, e depois desse comentário os dois riram, Ellion já havia contado a eles mil vezes sua história.
- Riam seus palhaços – esbravejou Ellion – mas juro a vocês que vi um dragão, um dragão imenso...
- ... cuspidor de fogo e de grandes olhos verdes. – completou Olipe – Pelos deuses Ellion, todos sabem de sua história, pena o dragão não ter feito churrasco de você aquele dia.
- Vai ver Ellion mataria o dragão de indigestão e a fera percebeu isso – disse Alba rindo.
O próprio Ellion riu também, Olipe e Alba eram chatos, mas eram seus amigos, eram seus novos irmãos agora e a camaradagem de um pelo outro já havia salvo suas vidas várias vezes.
- Homens de Palma Longa. – uma voz falou atrás deles, era de um soldado do reino de Tavaros, também conquistado. – não caçoem de seu amigo, dragões realmente existem, sou mais velho que vocês e também já vi essa fera.
Ellion olhou para trás e viu um homem já com barba e cabelos grisalhos, com cicatrizes a cobrir o rosto, provavelmente frutos de muitas batalhas.
- E quem é você, alguns caçador de dragões? – perguntou Alba despertando o riso de Olipe.
- Sou Jentall, antigo general das forças de defesa de Tavaros.
Olipe e Alba pararam de rir imediatamente, estavam diante de um oficial.
- Desculpe-nos senhor – falou Alba constrangido.
- Não se preocupem – falou Jentall – agora sou um soldado como vocês, somos iguais em importância, além do mais eu já fui jovem e tolo como vocês.
Desta vez foi Ellion quem riu com a cara que fizeram seus amigos.
- Mas diga-me nobre Jentall – disse ele – como encontrou o dragão?
- Foi há muito tempo, eu ainda era um simples escudeiro e meu senhor partiu com o príncipe de nosso reino em busca de um tesouro lendário nas montanhas do oeste. Naquele tempo eu não sabia, mas a guerra aproximava-se e o rei precisava de recursos para armar seus exércitos.
- Você fala do tesouro do dragão da Montanha Branca? – perguntou Olipe – Não é apenas lenda?
- Não meus filhos, o tesouro existe sim, mas quem o busca colhe apenas amargura. Ainda me lembro, andamos meses atravessando os oito reinos até as montanhas e vários outros meses para atingi-las. Mas ao final da jornada chegamos a Montanha Branca e divisamos lá em cima a fortaleza de Eldos.
- A fortaleza de Eldos! – falou Ellion – lembro-me de meu pai contar sobre ela, a fortaleza de muita torres construída pelos antigos magos do oeste.
- Sim – continuou Jentall – dizem que os magos foram traídos por um dos seus, um feiticeiro perverso de nome Eduin, ele roubou os pergaminhos e livros sagrados de sua ordem, caçou e matou todos os seus ex-amigos e criou um exército de dragões que pilharam toda terra de Aranar levando seus tesouros para a fortaleza. Eduin era ganancioso e queria submeter todos os homens a sua vontade, mas os antigos reis criaram uma aliança, a Primeira Aliança dos Oito Reinos, e marcharam para o oeste. Foi um guerra longa, travada entre homens e dragões, mas enfim Eduin se rendeu e todas as suas feras foram aniquiladas.
- Se é assim, como explica o dragão de Ellion? – quis saber Olipe.
- Tenha paciência jovem amigo, chegarei lá. Acontece que Eduin foi condenado a prisão no antigo Reino que entramos agora, Jamelad, mas com sua astúcia conseguiu convencer o rei daquela época a solta-lo em troca de magia. Eduin na verdade enfeitiçou o rei e conseguiu fugir, mas antes raptou sua filha, a princesa Hélien, e a levou cativa até a fortaleza de Eldos. Quando saiu do transe o rei muito chorou e liderou seus exércitos até a fortaleza, mas mais uma vez um dragão surgiu, um poderoso dragão de olhos verdes, mais poderoso que todos os outros e dizimou o rei e seu exército. Desde então muitos tentam subir a montanha, mas poucos retornam.
- Mas você pelo visto conseguiu voltar. Conte-nos como foi isso Jentall – Ellion estava ansioso.
- Como disse avistamos a fortaleza, mas nem sinal do dragão. Montamos acampamento aos pés da montanha e permanecemos ali por dias, finalmente nosso príncipe consentiu em subir, meu senhor foi com ele, mas eu, alguns soldados e os outros escudeiros permanecemos no acampamento. Depois de dois dias eles desceram a montanha, estavam repletos de tesouros e contavam as maravilhas que haviam visto. Mas havia um tesouro ainda maior, o príncipe trazia nos braços uma bela jovem, estava inconsciente, mas era bela, a mulher mais linda que já havia visto, era a princesa Hélien.
- Espere, mas a princesa Hélien não havia sido capturada pelo mago? – Ellion estava adorando a história.
- Sim – continuou Jentall – e isso significava que ela já contava com mais de trezentos anos, só era mantida jovem pela magia de Eduin, mas em compensação vivia um sono profundo e eterno. Estava sobre encantamento. Decidiram leva-la para Tavaros, talvez nossos sacerdotes pudessem cura-la, mas ela nunca chegou. No terceiro dia da viagem de volta a criatura chegou e nos atacou, muitos homens pereceram, grande parte dos tesouros foi perdida e no calor da batalha nem temos conta da princesa que desapareceu novamente. Juntamos o que restou do tesouro, era pouco, mas era maior que as reservas de Tavaros, e retornamos para nosso Reino. Depois disso nunca mais ouvi falar da princesa novamente, quanto ao dragão, dizem que de anos em anos ele desperta somente para provocar temor nos homens e impedir que subam a montanha.
- Eu sabia! – gritou Ellion – O dragão realmente existe e um dia ainda voltarei a vê-lo.
- Não ouviu o homem Ellion? – disse Alba – Poucos sobrevivem ao encontro com o dragão, mas eu só acredito nessa história se ver com meus próprios olhos. Um dragão? Uma princesa enfeitiçada? Ora, isso é apenas um conto de fadas.
- Não duvide das coisas jovem, olhe para o oeste – falou mais uma vez Jentall apontando para o ocidente – veja as montanhas de Aranar, brancas como as nuvens, lá, na mais alta delas repousa um dragão, tão real quando a ameaça que vem do leste.
Todos olharam as montanhas, aquela distância apenas uma faixa branca no horizonte, depois voltaram-se e olharam para o leste e viram sombras negras cobrirem o céu, então lembraram-se do mal que espalhava-se sobre a Terra, um mal mais ameaçador que mil dragões e que, se não fosse detido, arrasaria com toda Aranar e transformaria todos em escravos.
CONTINUA...