O Menino Azul
Como de costume, Dona Lindalva abriu as cortinas do quarto e chamou por Bee, mas ele não levantava. Curiosa e preocupada ao mesmo tempo, puxou os lençóis da cama e ele ainda continuou a dormir. Foi então que teve a brilhante ideia de fazer cocegas no menino, este que não estava dormindo, estava a fingir... Acabou-se rindo.
-Hora da escola, menino preguiçoso! Vamos! Levante-se ou vai chegar atrasado. Já fiz seu café da manhã - Falou Lindalva.
-A senhora que manda – respondeu o menino com muita animação.
Depois que a mãe saiu do quarto, Bee abriu sua caixinha mágica e fez sua viagem ao mundo mágico: Passarelongavos. Esqueceu seus materiais escolares lá. Não se demorou nem cinco minutos, não queria chegar atrasado à escola. Para sair do mundo mágico, bastava fechar a caixinha que estara aberta e ele voltava para o mundo real.
Tomou o café da manhã com muita pressa e saiu correndo. Pretendia ir ao colégio com Aurora, sua melhor amiga, talvez única, pois sabia que nela ele podia confiar. Era a única pessoa que sabia de Passarelongavos. Quando chegou na casa de Aurora, ela já estava a sua espera, pois era muito pontual.
A escola do bairro era muito requisitada. A diretoria do colégio era a melhor da redondeza. O ensino lá era tão bom que tinham alunos até do centro da cidade, que era bem longe do bairro Pessoa, uma homenagem ao poeta Fernando Pessoa. Bee tinha muito orgulho de morar ali, sentia-se privilegiado. Já na frente de sua sala, respirou fundo e entrou com Aurora. A professora já estava fazendo a chamada, ao ver Bee lhe comunica:
-Bom Bee, tenho uma notícia a lhe dá. Pode ser boa ou ruim para você, mas é uma grande oportunidade. Pense bem antes de me responder. Você ganhou uma bolsa de estudos em Harvard, uma bolsa intensiva para o curso que você quiser. Você é bem jovem, tem apenas treze anos e pode ter um grande futuro.
O garoto estava meio apreensivo com a notícia. Não estava nem alegre nem triste, apenas temia e nem sabia ao certo o porquê. Então respondeu a sua professora aquilo que lhe veio cabeça:
-Eu aceito! Quero ser um grande inventor e não vejo uma oportunidade melhor, mas eu tenho uma dúvida...
-Conte qual! Falou a professora.
-Posso levar Aurora comigo, prof.ª Ângela? Por favor!
Ela teve vontade rir com o pedido do menino, mas explicou-lhe:
-Não, Bee, não pode! Você foi escolhido porque suas notas são exemplares, as melhores da escola. Seus trabalhos apresentados ao publico ganharam fama e chegaram a Harvard, que investigou a sua vida escolar e agora está apostando em você. Se você for, não poderá levar Aurora...
Ele olhou para sua amiga com o coração apertado e, apesar de saber que não a veria sempre, aceitou.
Ao contar a notícia aos seus pais, eles vibraram de emoção e orgulho do filho. Agenor, o pai de Bee, saiu contando a toda vizinhança, enquanto D. Lindalva arrumava as malas de seu filho com o coração na mão e lágrimas nos olhos. Ela sabia o risco que estava correndo ao deixar ele ir sozinho, mas não podia prendê-lo pra sempre.
A despedida foi muito triste. Aurora não conseguia esconder suas lágrimas. Tinha medo por Bee. Só ela sabia como ele se sentia quando começavam a apelidá-lo e a ignorá-lo. Já eram comuns as piadinhas, que vinham na época do jardim de infância, mas muitas vezes ofendiam seu amigo. Como ficaria sem ela? – imaginava.
Antes de ir, Bee deu um presente a ela e a fez prometer que só abriria quando ele já estivesse longe. Ela aceitou. Ele se despediu de seus queridos pais e foi.
Quando Aurora viu o presente, ficou deslumbrada: era a caixinha mágica! Abriu e foi a Passarelongavos, encontrou todos os amigos desse reino encantado. Não demorou muito para sentir a falta do amigo, era a primeira que vez que ia lá sozinha. Logo a arvore Aroeira lhe entregou um bilhete de Bee, ele estivera ali na noite anterior. No bilhete estava escrito que ele encontraria outra maneira de ir para Passarelongávos e reencontraria com ela mais breve possível. Seria sua invenção em Harvard.
No inicio foi muito difícil para Bee. As pessoas comuns olhavam para ele de modo estranho. Ninguém falava nada, mas o ignoravam. Já estava acostumado com essa situação. Então fingia que não estava acontecendo nada. Mas, em um determinado dia, no refeitório, ao se sentar do lado de um garoto, não deu pra fingir. O garoto se recusou a sentar com ele e começou a gritar:
-Olhe bem azulão, vê se não encosta em mim. Vai que essa doença é contagiosa!
Todos começaram a rir e Bee não conteve suas lágrimas. Sabia que ali não tinha com quem contar e seu coração ficou apertado. Lembrou-se de sua mãe. Ela dizia que ele era muito especial, por isso Deus o fez azul, para que todos vissem que ele era diferente. Se fosse amarelo, como todo mundo, passaria despercebido como a maioria das pessoas. Falou também a ele que o que importa não era a cor, mas a pessoa que somos por dentro. Lembrou-se também de Aurora. Ela dizia que era amarela, mas era só por fora: por dentro ela era azul, igualzinha a ele. Ria muito quando ela falara isso e hoje era tão confortante relembrar.
Os anos passavam e Bee não conseguia encontrar outro caminho para Passarelongavos. Mas enquanto estava em Harvard, criou muitas coisas, como a comunicação entre pensamentos e tele transporte. Essas descobertas fizeram com que Bee fosse reconhecido naquele lugar e que levantasse também alguns olhares invejosos. Mas o principal ele conseguira: ser aceito como uma pessoa comum, isto graças ao seu coração puro, que não deixou que aquelas ofensas na infância prejudicassem o seu futuro.
Preocupava-se sempre com seus pais. Há muito tempo não mantinha contato. Apesar de ter criado uma forma de comunicação através dos pensamentos, não podia revelar a ninguém. Havia muitos segredos em Harvard, muitas descobertas e ninguém ousava falar nada para quem não estudava lá. Essa era a lei.
Quando, enfim, após muitos anos, Bee conseguiu uma forma de entrar em Passarelongavos, ele foi embora e não contou a ninguém daquele lugar sobre sua descoberta. A única pessoa que deveria saber era Aurora. Ela devia estar adulta, mas com os mesmos sonhos, igualzinha a Bee.
Logo ao chegar em casa, quase não reconheceu sua velha e surda mãe, nem seu velho e saudoso pai. D. Lindalva já estava com medo de morrer sem ver seu filho. Ele contou tudo aos seus pais, suas descobertas, suas criações e os segredos de Harvard. Só não contou como foi difícil ser azul, fato inaceitável para algumas pessoas. Seus pais concordaram com Harvard: já pensou as pessoas com todo esse poder? Indagaram.
Havia uma coisa que Bee não conseguia tirar da cabeça: sua velha amiga! Como ela estaria? Morando ainda naquela cidade? Esperando pela vinda dele? Tantas perguntas mereciam respostas. D. Lindalva meio tremula, talvez pela idade, contou ao filho toda a verdade:
-Logo depois que você foi embora, Bee, Aurora andava muito triste, até meio adoentada... E de repente sumiu. Todos procuraram por ela, e por muito tempo, mas não a encontram. Algumas pessoas dizem que ela foi atrás de você. Outras dizem que fugiu. Outras, ainda, que foi raptada. Era uma menina tão ingênua.
Ao saber da noticia, Bee por meio de sua criação (uma nova caixinha mágica e muito parecida com a velha), foi a Passarelongavos. Tinha certeza que encontraria sua amiga lá, mas não encontrou. Ficou muito triste, pois temia nunca mais vê-la. Aquela menina amarela por fora, mas que por dentro era azul igualzinha a ele.
Por amor a sua verdadeira e eterna amiga, Aurora, Bee resolveu nunca contar a ninguém sobre Passarelongavos. Seria um segredo deles.