O Riacho Morto

A velha saracura deixa seu ninho na erosão do barranco e se encaminha para a beira do riacho onde os lambaris são fartos e o perigo é imenso. O poço fundo também é morada do velho jacaré-açu, um ser malvado que a persegue desde que era apenas um pintainho aprendendo a pescar no riacho morto. Quantos irmãos, quantos filhotes seus o malvadão já devorou sem que ela nada pudesse fazer... sua vida aqui nunca foi fácil, cada vez que deixa seu ninho precisa olhar atentamente. O jacarezão é um bicho sagaz e perverso e quanto menos se espera, ele sai das águas barrentas do riacho e ataca com seus horríveis dentões.

Quando de manhã faz muito sol, o malvadão se deita na areia e dorme feito um tronco. Uma vez, em sua juventude, chegou bem perto do bichão e ficou aterrorizada com o cheiro que emanava das fuças do monstrão. Um bicho desses, que devora até as ferozes piranhas, pode destruí-la com apenas uma bocada, nunca mais se aproximou da besta.

O jacarezão não é o único perigo do riacho. Na época em que os dias são muito quentes e as águas do riacho diminuem a sucuri grande deixa o brejo e vem se refrescar no riacho, um dia, há muitas luas atrás, a sucuri grande e o jacarezão malvado se enfrentaram e, por pouco, o malvadão não foi devorado pela cobrona. Tentou se aproximar da sucuri, mas, esta quase a devorou, desde ai, nunca mais confiou em ninguém... Até as traíras a atacam se ela se distrai. Bichas traiçoeiras! Suas escamas amarelas se confundem com as águas barrentas do riacho e é difícil enxergá-las quando se aproximam. Suas mordidas doem muito e demoram a sarar.

No poço fundo também vive o surubim, um peixe imenso que aparece de vez em quando na margem e parece estar sempre meditando com suas imensas barbelas. Passa a maior parte do tempo na parte mais profunda, escura e fria do poço e sai apenas para comer peixes menores.

É de tarde, de cima do ingazeiro ribeirinho, a velha saracura olha o riacho Morto e cisma. Invade-lhe a nostalgia, tudo muda sobre a terra. Lembra-se do tempo em que o riacho Morto era um riacho farto de água e peixes, suas águas corriam afoitas e suas margens eram impenetráveis, repletas de tabocais. Hoje, o riacho Morto parece envelhecido. Em certas épocas só o poço fundo não seca, o riacho parece um rego.

Cisma a velha saracura...

Lembra-se, ainda, do tempo em que chegaram àqueles estranhos seres ás margens do riacho. Derrubaram as matas e os tabocais. Queimaram tudo. Pescaram os peixes do riacho e até ela tentaram pegar, ela que não faz mal a ninguém e que leva a sua vida a catar ás margens do riacho. Tentaram mais de uma vez.

Nada ali lhe pertence, nada ali é seu. Esta não é mais aquela terra em que nasceu. O riacho não é mais o mesmo, ela não se sente mais a mesma. Ela não entende como as coisas podem se acabar assim. O sol nasce e morre como se nada tivesse acontecendo sobre a terra e ela vê tudo que um dia foi seu se perder a cada dia, sem nada poder fazer. Tudo muda. Tudo envelhece. Tudo está morrendo sobre terra... E cisma a velha saracura... E as malditas penas não lhe param de doer...

Geraldo Rodrix

Geraldo Rodrix
Enviado por Geraldo Rodrix em 04/04/2011
Reeditado em 09/08/2023
Código do texto: T2889487
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