Missa do Galo
MISSA DO GALO
Plena noite de Natal. Estou aqui, sentada em minha cadeira de balanço, sozinha... Não há mais ninguém. Todos já se foram!
Pensamentos vêm à mente. Lembrei de algo que aconteceu comigo.
Certa vez, pelos idos de 1962, conheci um belo e jovem rapaz, despontando para a vida, com apenas 15 anos. Vindo da capital, chegou para se hospedar em nossa casa. Era amigo do nosso filho Rafael e se chamava José Paulo.
Cheio da curiosidade peculiar da adolescência, queria se inteirar de como era a festa natalina no interior.
Avistei-o da varanda. Eu, debruçada sobre ela, em meio às verbenas vermelhas, sentindo o ar fresco daquele sol postinho. Ele veio vindo com o meu filho. Subiu as escadas e pôs-se diante de mim, com um sorriso tímido, porém belo.
Rafael chegou-se, pediu-me a bênção, abraçou-me e me apresentou ao amigo.
- Mãe, este é José Paulo. Ele mora em Recife e veio passar o Natal conosco. Ele quer ver de perto como é a comemoração natalina por aqui.
- Muito prazer, senhora...? – interrogou ele, apertando minha mão, cheio de cerimônias.
- Margarida. Chamo-me Margarida. Muito prazer, José Paulo. Seja bem-vindo!
Ele agradeceu e convidei-os a entrar. Rafael logo o encaminhou ao quarto de visitas para que pudesse guardar suas bagagens e descansar um pouco.
Fui à cozinha, ver como andavam os preparativos para a ceia.
O espião do tempo avisou a hora do Ângelus. Meu marido, até aquele momento, ainda não havia dado notícias.
- Mãe, cadê o pai? – indagou Rafael.
- Não sei, meu filho. Até agora ainda não chegou. Acho que ainda está resolvendo as coisas do trabalho lá na cidade.
Eu sabia que não era nada daquilo. Estava ansiosa e temerosa que ele chegasse outra vez naquele estado. Estragaria a nossa ceia.
Já estava ficando tarde. Aguardávamos a chegada dele para a ceia.Mas ele não chegava. Resolvemos então, cear. Sentamos À mesa. Meu filho à minha esquerda e José Paulo à minha direita.
Conversamos um pouco antes de nos servir. O rapazote demonstrava curiosidade acerca da festa. Contamos pra ele da Missa do Galo e da festa na comunidade, que acontecia logo após a missa. Tudo era novidade...
Enquanto conversávamos, passei a observá-lo. Era um lindo rapaz! Apesar da pouca idade, já tinha corpo de homem. Moreno, cabelos encaracolados, lábios um pouco grossos, olhos verdes...
Os dois acertaram para ir à missa e depois à festa na comunidade. Eu só iria se ele chegasse sóbrio.
Rafael foi descansar um pouco em seu quarto após a ceia. José Paulo também, e eu fui retirar a mesa e organizar a cozinha, já que a empregada havia ido embora.
A lua estava alta no céu. Fui para a varanda tomar fresca. De lá avistava o mato verde que exalava um cheiro há muito conhecido. Os lírios brancos, ao pé da varanda, me inebriavam com seu cheiro forte. Os cheiros sempre mexeram muito comigo.
Comecei a meditar o que havia feito de minha vida. Casei logo cedo com meu primeiro namorado. Logo engravidei de Rafael. Parei de estudar. Pronto! Minha vida resumiu-se a cuidar da casa, do filho e do marido. Aos poucos, ele foi se revelando. Passou a chegar tarde, a arrumar namoradas... E agora, achando pouco, começou a beber.
Entristeci. De repente, um calafrio me envolve o corpo. A impressão de um olhar me incomodava. Dei meia volta. Dei meia-volta e me deparei com José Paulo. A meia-luz da lua lhe iluminava a silhueta. Músculos fortes, rígidos... Peito moreno mostrando-se discretamente pela abertura dos botões da camisa branca, alva como aquele luar.
Algo muito forte mexeu comigo. Aquela imagem... o cheiro... o cheiro dele se confundia ao dos lírios brancos.
Nunca mais esqueci daquele cheiro, nem daquela noite...
(Maria José de Barros)