O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 18
O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 18
Rangel Alves da Costa*
Enquanto a estrela-de-fogo se virava para resolver o conflito entre o amor e o dever, entre a paixão e a profissão, entrecortada por mil preceitos éticos e milhões de motivos do coração, os pais da menina Lucinha procuravam resolver o problema da tristeza instalada na filha, sem esperar por soluções vindas do jardim. Até mesmo porque não sabiam praticamente de nada do que ocorria por lá.
Lucinha continuava triste, muito triste. Fizeram de tudo para que aceitasse ir fazer compras no local que escolhesse e não teve jeito; convidaram para ir passear num maravilhoso parque de diversões e ela fez que nem ouviu; perguntaram se desejava que pintasse o seu quarto com umas cores bem alegres e ela continuou cabisbaixa. Nada, mas nada mesmo parecia agradar a menina.
De repente a casa se encheu de crianças, primos e outros amiguinhos, todos convidados para bagunçar à vontade, comer pipoca e algodão doce, soltar balões e fazer bolhinhas de sabão, cantar desafinado e cirandar como quisessem. Contrataram palhaço e malabarista, contadora de história e um teatrinho de bonecos.
Logicamente que tudo isso foi premeditado para ver se a menina se alegrava, mas ela estava calada e calada ficou. Brincavam com ela, a colocavam nos braços, e surgia no rosto aquela feição de quem está prestes a explodir de raiva. O único instante que abriu a boca e gritou bem alto foi quando percebeu que duas priminhas estavam caminhando em direção ao jardim: "No meu jardim não, voltem agora mesmo!".
Os pais, coitados, desesperados sem encontrar qualquer solução, um pouco mais tarde daquele mesmo dia telefonaram para um psiquiatra infantil, amigo da família, contaram sinteticamente o que estava ocorrendo e pediram que viesse examinar a menina ali mesmo em casa, porém sem que ela percebesse que estava na presença de um médico.
Ao cair da noite o jovem doutor já estava sentado na sala perguntando á menina do que ela gostava de brincar, quem eram seus amiguinhos, do que gostava de fazer e um monte de outras coisas, mas tudo num clima descontraído e levado ao divertimento. Mas Lucinha respondia apenas que não, nada, não sei, não gosto...
Está mais complicado do eu esperava, disse o rapaz a si mesmo. Até que desistiu de se comportar como médico disfarçado e procurou entrar no mundo da menina pela porta da frente, pelo seu coração. E disse de uma forma bem espontânea e amigável:
"A coisa que eu mais gosto na vida é de ver um jardim bonito, florido, com muitas plantas, uma cachoeirinha com pedra escorrendo água, passarinhos ao redor e muita coisa bonita lá dentro. Se eu tivesse um lá em casa só vivia por lá passeando, conversando com as plantas, as flores e os passarinhos. Mas ainda não tenho não. Você sabe onde tem um jardim assim Lucinha?".
E o rosto do rapaz se iluminou de alegria quando a menina apontou com o dedo e disse: "Eu tenho um bem ali, quer ver? Acenda todas as luzes mamãe".
O rapaz fez um gesto para que os pais não os seguissem, deixando-os sozinhos e ela mais à vontade, para que pudesse expressar e falar o que quisesse. Certamente ela falaria alguma coisa na apresentação daquele jardim que demonstrava tanto gosto em tê-lo e preservá-lo.
Não foi diferente assim que chegaram ao local. Mesmo com o rosto fechado, sem sorrir em instante algum, Lucinha começou a mostrar ao rapaz tudo que existia ali, levando-o para um lado e para o outro, citando os nomes de plantas e flores, mostrando onde ficava a cachoeirinha e contando alguns segredos que somente ela sabia.
Se fosse ele que estivesse com algum problema, ao menos ali se sentiria curado, pois o rapaz estava verdadeiramente encantado com o jardim e com o prazer que a menina tinha em estar no lugar, mesmo que ainda continuasse um prazer tristonho. Todo sorridente, o médico se aproximou de uma planta e disse:
"Essa aqui eu conheço. É uma estrela-de-fogo, que dá uma das mais belas flores que já vi. Conheci algumas iguais a esta numa de minhas viagens. É isto mesmo, é uma estrela-de-fogo".
E foi quando Lucinha falou em seguida: "É novata aqui, chegou recentemente. Mas essa aqui está chorando, eu conheço. Está chorando e está muito triste. Devo ser com saudade de outras plantas".
Quando ouviu Lucinha falar foi que a estrela-de-fogo chorou ainda mais copiosamente. E tão intenso pranto não tinha outro motivo: o amor e a realidade dolorida na prímula!
O que fazer, meu Deus? A estrela-de-fogo se perguntava e chorava de se acabar.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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