O poço

Estava eu sentado na cadeira da cozinha, usando minhas velhas luvas, chovia muito, e esfriava a cada hora passada. Estava um tédio. Só eu em casa. A chuva não cessava ninguém ligava pra avisar se iam ou não demorar, quando de repente, tudo escureceu. Eu fiquei com medo, que ficou maior, quando eu ouvi vozes abafadas, que tentavam dizer-me algo, mas eu não compreendia, pareciam falar em outro idioma. Eu suava frio, e comecei a respirar mais fundo, a fim de encontrar algum nexo no que diziam, mas o medo vencia-me. Reparei que uma luz vermelha, fraca, quase rosa, aparecia por baixo da porta que dava para o quintal. Nesse instante percebi que não estava mais só. As vozes continuavam soando, eram grossas, finas, baixas, medianas... Elas tentavam me chamar para o quintal, mas eu não conseguia entender nada. Cheguei mais perto, hesitando a cada passo que dava, eu não queria, mas a curiosidade de descobrir era maior. Então o idioma mudou, e não falavam mais grego pra mim. Era latim, eu entendia boa parte do que diziam, e pra minha surpresa, não era nenhum plano de dominar o mundo, nem nada do tipo. Parecia mais um pedido, uma prece. Eles rezavam. De relance vi uma sombra aparecer do outro lado, chegando mais perto, hesitando, igual a mim. Quando toquei na maçaneta, a sombra afastou-se. "Ele está com medo", pensei. Então, devagar, abri a porta. Nada. A chuva continuava forte, e o vento era intenso, e tinha uma rosa ao pé do poço, estava caída, quase morrendo. Quando levantei o olhar, vi a tal luz vermelha, agora mais intensa, mais brilhante. Caminhei pra mais perto, e vi que lá dentro do poço, as vozes pareciam suplicar por ajuda, embaralhando-se em gritos agoniados e sofridos. Eu não sabia o que fazer. Minha cabeça não conseguia processar aquilo, o que elas diziam, eu entendia, mas não via nexo algum. Mas então, tudo ficou claro aos meus olhos, e mente, quando eu vi em um canto escondido, uma inscrição: "Laus Deo" Eu sabia que já tinha a visto em algum lugar, e lembrei de primeira: "Louvado seja Deus". E então a luz avermelhada deu caminho a uma luz branca e brilhante, a chuva parou, e eu vi uma porção de sombras esvaírem-se, dando lugar a luzes brancas, que ofuscaram-me os olhos, em formas conhecidas por mim. Agora, as tais luzes eram vistas como espíritos, que entoavam um canto angelical: "A tempestade de lume acabou, a escuridade se foi, agora só a luz nos interesa". Era galego, e eu entendi o que disseram. No mesmo instante, a luz em casa voltou, e chuva parou. Agora só a luz interessa, a escuridão se foi. A tempestade teve seu fim.