Solitário

Não sou um velho introspectivo, mas depois de tudo o que vivi em minha vida eu decidi que essa era a melhor maneira de vencer à minha maneira. E foi assim que tudo começou... lembro-me da infância e de minha adolescência, sempre fui um garoto comum, destes que quando cagam, não fedem e nem cheiram. “Esta é a primeira página de meu diário, e espero que ninguém o leia. Escrevo pra mim mesmo, apenas como registro de tudo o que eu fiz.” Estas foram minhas palavras do meu antigo caderno de viagens, um deles é claro, o primeiro. Estou hoje com os meus quase setenta anos e leio isso como se estivesse com dezoito, que foi quando eu decidi seguir a minha vida por mim mesmo. O meu objetivo foi cumprido. Tudo o que eu escrevi está sendo relido por mim mesmo e reavaliado com meu olhar de agora. Tenho a grande oportunidade de deixar registrado as impressões de minhas impressões. E estes registros devem ser lidos por alguém que eu não sei exatamente quem será, mas... um velho nunca perde as esperanças, cá estava eu, agora, pensando novamente em ter alguém com quem compartilhar um momento. Ouvi muita coisa contrária a isso, mas foi o que eu fiz de melhor, e sem a ajuda de ninguém. O dia que decidi estar por mim somente foi o dia mais certo de minha vida. Mas chega de conversa, deixe-me apressar o meu relato para chegar no primeiro dia do meu diário. O dia que mudou a minha vida para todo o sempre, o dia que me levou para lugares em que eu jamais sonhei estar, lugares que nem sequer existiram e que nem nunca imaginei existir, lugares que só eu fui...

Eu estava em casa, tinha acabado de voltar do colégio, do cursinho pra ser exato, estava lendo um livro, um antigo do Monteiro Lobato, quando comecei a imaginar um monte de coisas que eu poderia estar fazendo, do que somente lendo as aventuras das outras pessoas. Eu gostava de ler, aquele livro era uma releitura, lia pra ter minhas impressões atuais de um livro que eu tinha lido quando criança. Tinha colocado na cabeça que eu iria ler a obra completa do Monteiro e depois todos os outros autores que eu gostava na minha infância.

Uma das coisas que me afastavam da minha introspecção era a quantidade e facilidade que eu fazia amigos. O que eu fui percebendo com o tempo era que eu não tinha o apoio deles em quase que absolutamente nada. Se eu dependesse de algum deles para algum empreendimento eu estaria provavelmente frito. Pois bem, naqueles tempos eu achava que se eu fosse viver uma aventura muito louca eu deveria compartilhá-la com os meus amigos. Foi o que eu fiz, larguei o livro na cama e fui para o telefone, disquei o número de meu melhor amigo na época e quando ele atendeu, eu disse: “vamos sair numa viagem e anotar tudo o que a gente fez de mais bacana?” o telefone ficou mudo por um tempo e eu o ouvi dizer: “hein?”, repeti a pergunta e ele me perguntou se eu estava doido. Argumentei sobre todos os escritores que eu lia, que viviam suas aventuras e enchiam seus livros de coisas vividas. Disse milhares de argumentos muito válidos mas nenhum foi o suficiente... a conversa pelo telefone terminou quando ele disse que ia almoçar e que a gente se falava depois. Nunca mais vi meu amigo...

Lembro-me bem, era uma sexta-feira, e meus planos ferviam em minha cabeça. Minha decepção ao telefone não foi o bastante para me deter. Minha mãe já tinha me chamado para o almoço e eu estava era contando o dinheiro que eu tinha para poder ver até onde eu podia ir. Não dava pra ir muito longe, mas mesmo assim eu me empolguei. Almocei correndo e voltei para o meu quarto para arrumar uma mochila de viagem. Separei algumas roupas, poucas, e peguei alguma coisa de higiene pessoal. Peguei um caderno em branco de capa dura e duas canetas. Meus primeiros registros seriam anotados ali. Não preparei mais do que a minha mochila de aula. Ia viajar só com um calçado e mais nada. Antes do meio da tarde eu já estava pronto, pensei só no básico, nada de preocupação de mais. Eu tinha dezoito anos e nada me tirava da cabeça o que eu queria fazer. Sair pelo mundo. Não sabia nem pra onde eu iria, naquela época não havia Internet pra pesquisar uma viagem assim, tão de repente.

Sem mais considerações, despedi-me do pessoal de casa, sem dar a intenção de que eu iria fazer, disse pra minha mãe apenas que eu estava indo pra casa do meu amigo, e que talvez dormiria lá. Esta foi a última vez que eu vi os meus parentes. Sabe, escrevendo agora, mesmo depois de tudo o que eu vivi, ainda consigo sentir muita saudades deles. O dia estava quente e eu saí, assim minha nova vida começou.

Cheguei suado na rodoviária e fui para o guichê comprar uma passagem para uma cidade histórica vizinha de minha cidade. Eu planejava até então ficar lá no final de semana e voltar no domingo pra casa. Mas o que aconteceria lá, me impediria pra sempre de voltar. Novamente afirmo, se soubesse onde eu iria parar, jamais teria saído de casa daquele jeito. Mas por outro lado, o que eu vi e vivi... quando me lembro de todos os lugares que eu estive e de todas as coisas que eu fiz... não dá pra descrever exatamente a minha experiência em palavras, mas juro que eu tentarei. A emoção é tão forte que cada palavra escrita aqui será como reviver toda a minha incrível aventura. E foi assim que tudo se iniciou, comigo entrando naquele ônibus que me levaria até a cidade que seria o primeiro de todos os milhares de lugares onde estive. Meus dias de aventureiro começaram imediatamente à saída do ônibus da rodoviária. Uma linda moça sentou-se ao meu lado, na poltrona vinte e sete, me lembro de cada detalhe dela. Linda não era somente a sua fisionomia, era também o seu nome, e ela foi a primeira coisa boa que me aconteceu...

Continua.

Pedro HD Delavia
Enviado por Pedro HD Delavia em 09/08/2010
Código do texto: T2428671
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