Da morte da Rainha das Fadas e da ascensão do novo Senhor da Terra das Fadas
Um jovem entrou com muita pressa na sala real. A Rainha das Fadas estava sentada em seu trono. O coração da Terra das Fadas estava ali sob a forma de uma esplendida e bela mulher majestosa. Ela era a fonte de vida do reino, tudo se originava dela e para ela retornava, era a um só tempo a criadora, mantenedora e destruidora.
O jovem postou-se em frente da rainha e fez-lhe sua reverência. Parecia estar muito perturbado. Suas mãos tremiam e seu rosto estava pálido. Mas mesmo assim, dava para perceber, olhando-o com um pouco mais de atenção, que ele porta em sua essência um temperamento ao mesmo tempo zombeteiro e nobre. De espírito leve e livre de ambições, seus prazeres são aventurar-se pelas infindáveis regiões da Terra das Fadas.
Ele sempre se comportava de um jeito brincalhão e raras foram as situações que o deixaram sério e atormentado. Parece que uma grande aflição tomou conta dele, e por dentro, agora, estava inseguro e com muito medo.
Pálida saiu sua voz ao falar com a Rainha:
-Saudações minha nobre senhora! Gostaria de pedir sua permissão para falar-lhe.
Com sua voz, sempre serena e cristalina, ela disse:
-Meu nobre Gilfred! A que devo a honra de sua visita?
Depois de uma pequena pausa e de respirar fundo, a voz dele parecia tremer menos, e por fim respondeu:
-Oh! Poderosa Senhora! Tive um pressentimento hoje. Estou com a sensação de que algo muito estranho e forte está por vir, mas, o que sinto é algo assombroso, e parece-me que tudo vai mudar.
Repentinamente um grande tremor teve início e, em seguida, vieram intensas explosões e trovoadas. Como Gilfred sentira, algo estranho ocorreu. Ele foi correndo para a janela ver o que estava acontecendo lá fora e ficou como que paralisado.
Numa fração de segundos tudo mudou. O horizonte estava negro e do céu caia poderosos raios que dilaceravam a terra. Uma enorme fenda se abrira no solo, não muito longe do castelo da Rainha e começava a sugar tudo o que aparecia pela frente.
A Rainha levantou do trono e disse num tom tranqüilo e seguro:
-Nobre Gilfred! É chegado o grande momento.
Transtornado e ainda se recuperando do susto Gilfred disse:
-Como assim, Nobre Rainha, o que está acontecendo afinal?
Com sua voz majestosa ela disse:
-Minha hora chegou Gilfred. O meu tempo aqui está acabando.
E em seguida ela acrescentou:
-Isso que você pressentiu eu já havia sentido durante um longo tempo. Por isso que tudo está sendo destruído, pois uma nova era esta começando e minha última missão é evitar que a Terra das Fadas seja completamente destruída.
Essas palavras soaram como um golpe mortal de espada para Gilfred, que cambaleando e com a voz profundamente trêmula disse:
-Mas como isso? Você é a Rainha, a fonte de tudo o que existe aqui. A sua vontade é lei...Não! Não pode ser possível. Seu poder é imenso e pode acabar com esse cataclismo numa fração de segundos.
Ela olhou profundamente nos olhos de Gilfred e depois de alguns segundos disse:
-Sim! Claro que posso acabar com isso tudo bem rápido, só que para isso, preciso dar minha vida em troca. Não há como barganhar contra o tempo. Não sou imortal, mesmo regendo esta terra. Poderia ter a vida eterna se eu quisesse, mas seria desastroso demais para mim. Nossa terra agora está pedindo por mudanças e devo fazer um último esforço para evitar o pior. Tenho que deixar alguma coisa para meu sucessor.
A Rainha das Fadas depois de pronunciar estas palavras vestiu sua armadura e seu elmo, que são talhados de esmeralda e que refletem um belo brilho, além de emitir um suave som sibilino quando ela se movimenta.
Em seguida pegou sua espada que, no momento, emitia um sinistro brilho negro, sinal que sua vida estava próxima do fim, e seu resistente escudo feito de diamantes e que traz no emblema a figura de um leão.
Gilfred novamente tomou a palavra e surpreso disse:
-Mas este mundo não vai agüentar sem você, e, não há sinal de um novo rei ou rainha que te sucederá.
A Rainha das Fadas transmitiu suas últimas palavras na Terra das Fadas:
-Há um sucessor sim. Quando minha vida se esgotar este mundo o conhecerá. E agora, adeus meu nobre amigo.
Em seguida, ela deu um forte assovio e um poderoso leão apareceu.
A última visão que Gilfred teve da poderosa senhora foi vê-la montar no poderoso animal que começou a correr velozmente em direção ao imenso abismo aberto.
O nobre cavaleiro não se conteve e pôs-se a correr freneticamente na direção da imensa fenda, mas quando chegou já era tarde. A mais bela e poderosa dama da Terra das Fadas já havia sido tragada.
Instantaneamente os tremores e as trovoadas cessaram. Do imenso abismo Gilfred viu a imagem do rosto da Rainha das Fadas, que transmitia um sorriso sereno e feliz, se juntar aos últimos brilhos de sol do crepúsculo e instantaneamente dissipar-se no ar.
Na havia mais o que fazer. A Rainha das Fadas estava morta. Tudo estava acabado.
Gilfred já não tinha mais lágrimas para chorar a perda dela. A única coisa que restava dentro dele era uma imensa sensação de vazio.
Ele ficou ali, imóvel, observando o local da tragédia. Seus olhos, que momentos atrás expressavam medo, agora observavam fixamente, ora aquele grande buraco no chão, e ora contemplavam os primeiros sinais da noite, para onde a rainha havia partido.
Nesse momento ele finalmente compreendeu as últimas palavras dela. Não havia como lutar contra a vontade da Terra das Fadas. Ele sentiu em seu íntimo todo o dinamismo desse mundo que agora proclamava outro ser para compartilhar das graças da criação.
Era preciso outro regente e Gilfred sabia disso, e em seu íntimo ele já sabia quem era o novo representante desse mundo.
Ele observou o horizonte e viu a imensa paisagem que se desdobrava euforicamente a sua frente, e como aquilo tudo era imenso. Conseguia, agora, sentir com toda a intensidade o calor do país do verão e o frio mortal das longínquas montanhas gélidas do norte, um dos lugares mais perigosos do país do inverno.
Agora Gilfred conseguia sentir a vida da Terra das Fadas, e, sentia-a com uma intensidade indescritível. Seria como se ele se transformasse no próprio mundo, mas ainda fosse Gilfred.
Milhares de seres contemplavam essa bela imagem da Rainha, mas estavam confusos e atordoados. Não sabiam o que iria acontecer dali pra frente. Só tinham uma certeza, a de que a grande senhora não estava mais lá, e, uma grande confusão teve início. Alguns se proclamaram senhores daquele reino e começaram a duelar entre si pelo poder. Teve início uma grande confusão.
Para todos os lados ouvia-se o som de espadas tinindo e gritos de guerra, até que uma pessoa apareceu no meio deles, e por um instante todos pararam de lutar e observaram a figura que se aproximava.
Era jovem, alto, de longos cabelos dourados e orelhas pontudas surgiu próximo à multidão. Ele trajava um casaco preto, uma camisa vermelha, calças e botas pretas, além de uma cartola também preta. Na sua mão direita trazia um cetro, cujas pedras preciosas incrustadas nele refletiam um belo brilho multicolorido.
-Saudações meus amigos! Disse ele. Chamo-me Gilfred e sou o sucessor da Rainha das Fadas. Ela me deixou todo este belo reino e a missão de comandá-lo. Tudo, agora, é extensão de mim. Eu crio, harmonizo e destruo. A minha vida é a terra das Fadas e a Terra das Fadas é a minha vida e um não sobrevive sem o outro.
Um ser aproximou-se de Gilfred. Era um elfo de cabelos negros e empunhava uma espada em sua mão. Chamava-se Viker e era um dos seres mais poderosos do reino, que no passado fora um grande inimigo de Gilfred. Ele era um ser arrogante e impetuoso e há algum tempo atrás planejava um meio de destronar a rainha e ser o senhor de todo o reino encantado. Aquela era a sua chance, ele seria o novo rei, ninguém era mais poderoso do que ele e todos o temiam. Com muito despreso, e desdenhando o que Gilfred disse, ele se pronunciou:
-Não me faça rir! Como você pode ser o novo senhor desta terra. Olha para você, parece mais um aventureiro do que um rei.
Tranqüilamente Gilfred falou:
-Não posso negar, meu amigo, que eu não seja um apreciador de aventuras. Já participei de muitas, e, se você quiser, numa próxima ocasião pode me fazer uma visita. Tomamos um delicioso chá e poderei contar como foram as jornadas das quais participei. E, devo mesmo concordar contigo, não tenho mesmo cara de rei, e, como pode perceber também não uso coroa. Prefiro esta cartola que é muito mais confortável, e manto é algo muito comprido e não seria muito bom para mim, poderia tropeçar nele. É, concordo, não sou rei.
O elfo ficou furioso com as palavras de Gilfred e tentou atacá-lo.
-Não acredito nisso! Disse o elfo furioso.
-Não acredita em que meu amigo? Disse Gilfred.
-Eu te ataquei, mas a minha mão recusou-se a golpeá-lo.-Disse o elfo ainda não acreditando no que via e sentia.
-Hum! Meio estranho isso.-Disse Gilfred. Tente com isso!
Ele jogou seu cetro para o elfo.
-O que é isso? Disse o elfo.
-Este é meu cetro. –Falou o novo soberano. Pode usa-lo à vontade contra mim.
-Como?-Disse o elfo. Você me passou sua arma mágica para eu usá-la contra ti. Pois é isso mesmo o que farei. Um tolo nunca deve se proclamar soberano.
Com toda sua fúria e energia o elfo avançou contra Gilfred, mas novamente seu braço recusou-se a golpeá-lo.
-Não pode ser!-Gritou o elfo. De novo não. O meu braço não quer me obedecer.
-É muito estranho isso!-Disse Gilfred. Quando eu faço alguma coisa com o meu braço ele não se recusa a fazer o que eu desejo. Porque você não tenta de novo?
-Eu não posso!-Disse o elfo um tanto desapontado.
-E porque não?-Perguntou o soberano.
-Porque sou tolo!-Exclamou o elfo. Eu pensava que seu poder estava no cetro, mas percebo que não é assim. Eu não consigo te atacar porque percebi que não posso desferir um golpe mortal contra eu mesmo. Não há o que dizer ao contrário, você é o soberano, é a própria Terra das Fadas. Lutar contra você seria o mesmo que lutar contra a Terra das Fadas inteira.
-Nossa! Você foi profundo agora.-Disse Gilfred. Eu nunca tinha pensado nisso, mas gostei da idéia. Agora tenho que ir.
O elfo fez uma reverência ao novo soberano e entregou-lhe o cetro.
Gilfred agradeceu o gesto do elfo, recebeu novamente seu cetro e pôs-se a caminhar em direção às ruínas do castelo da Rainha das Fadas. Lá estava um velho anão. O soberano aproximou-se dele e disse:
-Meu amigo Gliak! Satisfação em vê-lo.
-Nossa Gilfred! Disse Gliak surpreso. Eu não imaginava que você seria o novo senhor deste reino.
-Eu também não! Disse Gilfred. Temos algumas coisinhas para fazer meu amigo. Preciso restaurar muita coisa.
-E precisa construir seu castelo também!-Disse Gliak.
-Isso eu não quero! Disse Gilfred. Castelos são para grandes reis. Temos muitos castelos e reis por aqui. Nestas ruínas quero construir algo diferente, algo parecido com o que vislumbrei com o mundo de lá no momento do grande cataclismo.
-Lembro-me vagamente daquele lugar.-Disse Gliak.
-Eu também! Afirmou Gilfred. Por isso faremos uma viagem, aí eu terei muitas idéias para fazer o que quero.
Alguns dias depois Gilfred e Gliak realmente fizeram a grande viagem para o mundo exterior e ficaram maravilhados com algumas casas que viram lá. Uma delas chamou muito a atenção dos dois. Era uma casa abandonada, mas antiga. Eles colocaram um pouco da energia da Terra das Fadas ali e criaram uma casa dupla.
Como assim dupla, devem estar me perguntando? É isso mesmo. Uma casa com dois lados. É uma espécie de portal que liga o mundo externo à Terra das Fadas, e por dentro é uma pequena parcela de lá e por fora aparentemente é uma casa abandonada, mas quando alguém do mundo de fora quer vê-la em seu novo esplendor, ela se apresenta como Gilfred a reconstruiu e se quiser sempre está convidado a entrar e tomar um delicioso chá com seu anfitrião, e também, é claro, se quiser, conhecer alguns reinos da Terra das Fadas.