Indecisão
Pequenina ainda eu sabia do mundo. Pensava que sabia. Gostava de gostar-me. Entendia-me em cada toque que eu arquitetava do olhar à mão. Vidazinha interiorana de um sertão que amava receber o sol forte. Minha presença possuía ausências bem mais forte do que tudo isso que descrevo agora. Custei para entender que o mundo não era apenas aquilo que eu cria e que via e que provava. Haviam tantas outras cousas mais...
Eu era muito curiosa e insaciável. La em casa havia um quintal imenso. Eu acordava com os primeiros raios de sol. Sempre estava alegre, apesar dos pesares que me rodeasse a alma. Elas corriam enchendo minha infância. Corríamos juntas a traquinar pelas ruas estreitas de Siralusa. Tenho lembranças fortes de minha cidadela natal. Lucia, Glênia e Patrícia eram todas diferentes de mim. Eu as dominava apenas com o olhar. Tinha todas elas em minhas mãos quando os meus desejos assim as desejava vivas e despidas. Meu primeiro beijo foi em Pati. Hum............., nunca me esqueci. Ela trajava um vestidinho creme surrado. Sua pele era um tanto pálida. Sorrateira, ela me parecia nada querer do meu querer. Ledo engano e ela avançou sobre o meu corpo como se fosse sua dona única. Eu confesso que gostei. Beijei-a até me sufocar e empurrá-la, para que mais ar eu encontrasse. O beijo de Pati possuía um sabor desigual ao das outras meninas. Ela tinha 11 anos.
Cresci sem ao menos entender porque assim o fazia. Esqueci-me de ser o que nasci sabendo que seria e que adorava sê-lo. Ganhei um pudor próximo de tudo o que eu desejava. Esqueci-me dos dias férteis de minha infância quando minha irmã e eu as dividíamos, as três e fazíamos a nossa festa. Meu corpo enlouquecia de prazer. Eu era feliz! Dina gostava mais de Glênia. Chegávamos a discutir sua posse, porém, na maioria das vezes, com discreto entendimento acerca da doação de uma de nós para a outra. Na última vez que eu beijei Pati, senti que haveria de deixá-la para trás, não porque iria morar na capital, mas, porque havia chegado em mim certo desejo maior que me privava dessa vontade antiga que eu partilhava com as três. Eu havia desistido de tê-las? Minha irmã continuou com aquela prática. Eu não! Parti para Natal em um sábado. Era primeiro de maio. Havia festa por todas as cidades por que passei. Dia do trabalhador. Eu ia distraída de tudo. Meu pensamento era na terra nova para onde estava indo solitária.
Passaram-se os anos e eu cresci. Namorei a metade dos homens do mundo. Casei-me pela primeira vez com vinte e seis anos e ainda virgem. Deflorei a vidinha nova. Fiz mais sexo do que oração. Vivia à espera dele para lhe ceder meu corpo ávido pelo desigual. Ele entendia os meus sentimentos. Minha voracidade me espantava. Aí chegou a rotina, comecei a agredi-lo com palavras e ele a distanciar seu coração do meu. Fazíamos um certo amor selvagem para encher os dias e as noites. Levei-o travestido de homem moderno até para a cumeeira da casa onde fazia amor nós três: ele, eu e o vento. Quando viajávamos, fazia-o estacionar seu carro nos lugares mais públicos. Forçava-o a entregar seu corpo ao meu. Aquele cachorro escondia em sua timidez uma impudica desilusão com certas práticas da vida. Tornou-se meu mestre. Andre era um puto!
Quando ele me bateu pela terceira vez seguida eu compreendi que era a hora de deixá-lo. Não achava a coragem para fazê-lo. Estava viciada em seu sexo agradabilíssimo. Depois de nossas brigas eu o levava ao desespero dos desejos. Fazíamos amor dentro do carro, nos bancos das praças, no cinema e em qualquer outro canto que eu achasse que seria arriscado. O proibido me atraía. Minha carne falava mais alto do que minha vontade. Mas ele se foi. Fiquei depressiva por três anos seguidos. O mundo havia desabado sobre mim. As lágrimas jorravam abundantes em meu choro descompassado e infiel às minhas legítimas crenças na vida. Eu havia me divorciado do natural e do presencialmente vivo. Deveria mudar rapidamente e para melhor. Debrucei-me em minhas orações e pude ouvir a misericórdia de um Deus generoso dizer: segue à procura do teu grande amor. Fui atrás com novos desejos ávidos. Era agora mais santa do que mesmo puta, ou quase isso.
Conheci o Juca em uma linda noite de festa. Ele havia se separado fazia o mesmo tempo que eu. Trazia consigo uma vontade imensa de tecer o desconhecido em um novo relacionamento. Foi amor à primeira vista. Senti-me dentro de mim. Nunca imaginei que os desejos dele seriam ainda maiores do que os meus. Quebrei a cara, mas achei uma grande quantidade de alegria e de felicidade ao seu lado. Minha vida mudou radicalmente e para melhor. E o tempo implacável passou e mudou meu fôlego outra vez. Como uma biruta abandonada da sorte eu deixei-me ser levada. O vento me seduziu.
Encontrei com Lucia ainda na estação rodoviária de Natal. Glênia deu-me um trabalhão medonho para ser achada, enquanto Pati, diferente das outras, foi quem me achou.
Desejava ver a cara de Juca a assistir o espetáculo voyeur que tanto desviou em sua vida. Passava da hora de encararmos o fato com naturalidade e nada mais. Escolhi, propositalmente, a Pati, para encenar comigo diante do olhar atento dele. Ela sempre havia sido a minha preferida. Seu beijo..., hummmmmmmmmmmm. Encantamo-nos, os três, por toda aquela longa e tão doce noite. Ele desejava vê-la a me possuir descensurada, livre, voraz. Senti uma força estranha. Perguntei-me o porquê de eu estar casada. Os sabores que eu sentia agora eram mais fortes, saborosos. Senti um medo absurdo de deixá-lo para trás. Permaneci sedenta nas entranhas dela. Só pude parar quando vi as suas mãos afastando o corpo dela do meu. Procurei com ele um doce orgasmo sem achar. Encontrei apenas mais medo. Eu o amava, mas não lhe queria como homem. Meu amiguinho ele jamais aceitaria ser. Meu dilema era imenso. Elas estavam novamente em minha vida, com seus beijos loucos. Ele sentiu as mudanças, deixou nosso quarto pela última vez e se foi para muito longe de mim. Eu acabava de perder o maior homem de minha vida. Não se passaram mais de dois anos para meu coração reconhecer que eu continuava insegura e mal resolvida. Não sabia por certo ainda o que desejava ser na vida e por isso resolvi escrever este Conto desencantado de mim e de nós. Troquei-o pelos beijos calorosos das três e nada mais. Soube, há alguns meses, que ele estava residindo na mesma cidade que minha irmã e que com ela estava alimentando um romance muito intenso, ela, ele e uma terceira pessoa que eu nunca pude saber direito quem era. Sinto um desejo imenso de ir até Natal e encontrar eles, mas, sem levar comigo essas bonequinhas seduzidas por minha insegurança que já me sufocam bem mais do que eu a elas. Desejo-o ardentemente sobre o meu corpo, porém sem dormir ao meu lado com seus roncos insuportáveis e seus delírios oníricos que tão alto falam aos meus ouvidos quando a madrugada descamba. Ele é o meu amor encantado e que talvez jamais eu o possa ter outra vez. Juca é maior do que os beijos de Pati. Preciso acender dentro de mim beijos novos, diferentes, como se eu estivesse a viver novos tempos em novas viagens dadas por meus sentimentos. Amo-o, mas, entre elas e ele eu ainda não me decidi a quem devo amar de verdade.