Cogumelos de Fogo
Cogumelos de Fogo
por Pedro Moreno (www.pedromoreno.com.br)
Khamyla encarou a entrada da caverna. Pouca luz passava pelo buraco exposto, e menos ainda conseguia atingir ao menos a metade do primeiro corredor. O desafio parecia grande, porém as recompensas eram necessárias.
Há um ciclo lunar atrás, seu filho, Benjamim, caiu doente de cama. Não houve elixir, compressa ou erva que deixasse a febre para trás. Khamyla procurou sacerdotes, curandeiros e alquimistas. Nenhum deles conseguiu a cura para tal enfermidade, porém uma velha bruxa lhe disse sobre um musgo que cresce entre os Cogumelos de Fogo em uma caverna no caminho para o próximo vilarejo.
Agora em frente à entrada, com um machado de mão e um pequeno escudo na outra, ela se vê perto de seu objetivo e salvar seu filho que por tanto tempo ela chocou.
Sim. Khamyla na verdade é uma meio dragoa, meio humana. O sangue dracônico lhe garantiu uma força enorme, o seu lado humano lhe deu a sensibilidade para com sua cria. Seu rosto lembra os de seus antepassados, com traços de lagarto e escamas de cor roxa lhe cobrindo o corpo inteiro, mais escuras nos braços, pernas e costas. Nos demais lugares um pouco mais clara e fina. Ela não tem as asas características de seus parentes maiores, nem ao menos consegue cuspir fogo, mas tem um rabo coberto de escamas grossas que não negam sua origem. Em seu vilarejo, quando chegou, abandonada pelo seu pai dragão, foi acolhida por uma velha senhora que a criou e educou.
Foram quinze primaveras até ela conseguir provar suas habilidades em combate e conquistar o respeito dos moradores. Feroz na batalha e um verdadeiro doce em casa. Seu nome é repetido como sinônimo de honradez e simplicidade.
Suas primeiras passadas para dentro da caverna foram decididas, quando engolfada pela escuridão esperou seus olhos adequarem ao negrume. As membrana que cobrem seus globos oculares reptilianos se afastaram e ela pode enxergar com perfeição a caverna. As paredes rochosas parecem ter sido escavadas, talvez humanos em busca de minério que há muito abandonaram o local, o corredor continua fazendo uma curva até desembocar em uma escada.
Os degraus escavados no chão não confem muita estabilidade. Khamyla desceu sem pressa e atenta à qualquer barulho. Quando terminou de descer, caiu em outro corredor, seguiu devagar, o silêncio é absoluto e só foi interrompido pelo barulho de algo que ela pisara. Olhou rápido para o chão e viu uma ossada. O esqueleto era humanoide, porém o formato da cabeça era bem diferente e despertou curiosidade nela, que levantou o crânio na altura de sua vista.
Era de um meio-dragão.
As semelhanças com o formato de sua própria cabeça eram enormes, o jeito afunilado da boca e a profusão de dentes deixavam evidente sua origem. Não havia por perto armaduras ou espadas, algo estranho vindo de alguém pertecente à uma raça tão guerreira. Resolveu seguir em frente com o machado na mão direita pronto para atacar.
O corredor se dividiu em dois. Khamyla respirou forte e deixou os cheiros virem até ela, um odor de umidade apareceu tímido vindo do lado direito. Se algum musgo nascesse nesta caverna, seria daquele lado. Conforme avançou o cheiro de umidade ficou cada vez mais característico, e as paredes, até então rochosas, ganharam cristais para adorna-las. Ao fundo alguém imóvel parecia observa-la. Vestindo uma cota de malha e um chapéu que protegia seu rosto, não dava para ver suas faces, porém seu corpo atarracado indicava que era um meio-dragão também. Percebendo melhor, ele pareceu não tê-la visto, talvez estivesse de guarda e acabou dormindo em serviço.
A mulher dragoa seguiu sorrateira até ficar com uma distância boa do guarda, segurou seu machado pela ponta e o arremessou. A arma seguiu girando cortando o ar em uma velocidade surpreendente e acertou em cheio na cabeça do guarda que levou o baque e continuou de pé imóvel.
Khamyla chegou perto dele com receio. Quando a distância já era curta, reparou que este estava preso à parede por uma substância viscosa, devia estar morto há pelo menos alguns meses naquela posição. Ela pegou seu machado novamente e encarou o esqueleto. Era outro meio-dragão. Ela sentiu o cheiro de emboscada no ar. O musgo que viera coletar deve ser uma tradição dracônica que ela desconhecia, isso poderia explicar o porque de tantos de sua raça nesta caverna.
Ela seguiu em frente e as paredes já eram inteiras feitas de cristal. A paisagem soturna até então se transformara em algo lindo. Conforme andava o cheiro de uma nascente de água tomou conta de suas narinas, não tardou muito para descobrir um lago de águas cristalinas dentro da caverna. Uma luz fantasmagórica iluminava o local vinda do fundo daquele poço natural.
A mulher dragão agradeceu aos deuses por não gostar de armaduras e pulou de forma graciosa para dentro do lago. Sua capacidade pulmonar lhe garantiria ao menos uns dez minutos sem respirar, o suficiente para ver de onde vinha a luz.
Com algumas braçadas, Khamyla chegou ao fundo e pode apreciar diversas gemas de cor roxa que emitiam aquela luz, puxou uma delas e sorriu. Quando tirou a pedra da frente de seu rosto, viu uma passagem subaquática que provavelmente daria em outro lugar da caverna. Nadou com afinco até a passagem e então visualizou o outro lado da caverna. Subiu até a superfície e ficou de pé em cima de uma passarela de cristais, guardou a pedra iluminada em sua mochila e voltou seus olhos para seu objetivo. Há alguns metros de distância, em um platô iluminado, os Cogumelos de Fogo emitiam sua típica luz vermelha como se ardessem em chamas.
Um sorriso largo tomou conta do rosto da mulher dragoa enquanto ela avançava rápido pelo chão desnivelado. Seus pés com garras tentavam se agarrar ao máximo nos cristais quando ela ouviu um ruído.
Uma pequena lasca de cristal se desprendera do teto e atingiu o chão perto dela, Kamyla olhou para o piso e nele refletido pode ver uma criatura enorme andando no teto. A guerreira fingiu não ter visto seu algoz e continuou em direção aos cogumelos. Seu machado estava firme no pulso e seu escudo preparado para a defesa iminente.
Quando já chegava perto dos cogumelos, ela sentiu que a criatura se desprendera do teto, a mulher dragoa virou-se rápido com o escudo a lhe proteger o corpo, seu inimigo era uma aranha grotesca de cor verde escuro, seus pelos grossos na ponta tinham uma coloração castanha, em sua boca repulsiva garras para prender os incautos aventureiros.
Apesar da tentativa de ataque surpresa, a aranha não contava que Kamyla tivesse a visto, com isso perdeu uma das patas que fora decepada pelo machado da guerreira. Os golpes apesar de fortes eram parados no escudo, mas Kamyla sabia que não tinha muito tempo a perder, o maldito aracnídeo não se cansaria muito fácil, precisava agir.
Para fugir das estocadas ferozes da aranha atroz, Kamyla rolava de um lado para o outro, logo percebeu que um círculo de rachaduras se formava à sua volta conforme a besta fustigava o chão. Esguichos de água subiam formando uma dança enigmática, o que fez com que a mulher dragoa tivesse uma ideia.
Forçou seu corpo para baixo fazendo com que o chão desabasse para dentro da água gelada. A aranha pisoteou nervosa em cima do piso de cristal enquanto a guerreira sorria descendo ao fundo. O aracnídeo ficou alerta e então viu uma luz vindo do fundo e aparecendo pelo chão translúcido. Com suas poderosas garras, a aranha arranhava o piso tentando alcançar a luz, porém era apenas a mochila de Kamyla com a pedra brilhante. A guerreira dera a volta e já estava nas costas da gigante aranha, cravando seu machado nas costas do animal que guinchou de dor.
Mais umas estocadas e o aracnídeo caiu pesado sobre os cristais deixando o caminho livre para a guerreira que coletou o musgo perto dos cogumelos e seguiu até sua casa e os braços de seu filho.