Harpia

     O vento soprava forte sobre a colina. Atmosfera carregada. Eletricidade estática provocando estalos no ar. Silvar de serpente. Guizo. O som da morte. Prenuncio do bote da cascavel. Encantar-se pelo som era fatal. Desejo. Ele sempre se deixara levar pelo chamado do. Ela adejava em torno de sua cabeça. A voz penetrava em seus ouvidos. Gritos roucos. Vôos rasantes. Feito garras rasgando a pele. Arrasavam sua carne. Rascantes. Expunham seus ossos. Roçavam em seu baixo-ventre. Sons hipnóticos que perturbavam a sua mente. Interferências. Crocitar de corvos prevendo o banquete. Aos seus ouvidos piar sereno de pássaros. Triste ao cair da tarde. Sedutor. Cantar de rouxinóis ecoando nas rochas. É preciso fugir do seu grito. Do bafejar sensual de seu vento. Ou será jogado de encontro às pedras. Sua alma nunca mais encontrada. 
     Excitado caminhava em sua direção. O vento de suas asas o envolvia. Zumbia em seu caminho. Olhos mortos. Como um zumbi. Passos trôpegos. Sem prestar atenção. Seu corpo apontava o caminho. Seu cheiro suspenso no ar. Quente. Sensual. O cheiro sempre o atraia. Sempre atraiu. Traição já cometera por sua causa. Ela sentia o cheiro do sangue que pulsava em seu corpo. As pedras feriam seus pés descalços. Majestosa pousou a sua frente. O último grito. A eterna fome nunca saciada. Estampada nos olhos, em sua face. Seu hálito denso. O cheiro da morte. Suas asas negras de aves de rapina. Suas garras de lobo. Hirsutas. Rápidas no bote. Dedos retorcidos que se estendiam em sua direção. Os seios fartos de fêmea. Fome e sede. Ele via o belo. Asas brancas que o cercavam. Promessas de proteção. Belos cabelos frente aos seus olhos. Negros, castanhos, dourados, vermelhos. Todas as cores do devaneio. Ele devia fugir, mas era tarde. Hipnotizado pelos gritos fantasmagóricos. Canções em seus ouvidos. Chamados que já haviam feito a desgraça de muitos, desde o inicio. Ele se perdia. Caminhava rumo ao último golpe. Em direção do abraço que o envolveria. Da promessa do beijo. Silvar da língua da serpente que aos seus ouvidos era um belo chamado. Salivar da boca faminta. Vento que o atiraria de encontro às pedras. Corpo despedaçado.
     Ele não tentou resistir. De modo algum. Entregou-se aos abraços que quebraram sua vontade. Seu corpo. À vontade em seus braços. Sua respiração densa para ele era um suave perfume. Respirar letal. Sua língua se enrolava em seu corpo, seu sexo. Suas asas o cobriram feito mortalha. Presas lhe rasgavam a carne, sua garganta, pouco a pouco. O penetravam até os seus ossos. Bebendo seu sangue, sua virilidade. Entregar-se ao desejo. Destino. Desatino que por vezes esconde a verdadeira face. Destruído quando ela levantou vôo. O som de suas asas mais forte que o do vento enquanto partia a procura de nova presa. Ele chora, preso em sua dor. Implorando vingança.
Urubu Rei
Enviado por Urubu Rei em 14/03/2010
Reeditado em 14/03/2010
Código do texto: T2138138
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