Herói de ficção
Nasci para ser herói, pois, fiz muitos planos para a 2ª guerra mundial, para o caso de uma invasão; cavei muitos túneis, tomei medidas para estabelecer armas químicas poderosas contra os invasores, como por exemplo, associação de pó de café com pó de carvão e creolina em partes iguais; minha avó D. Moça fazia comentários duvidosos sobre a eficácia do produto, duvidando da alta letalidade que eu lhe atribuía. Vivia empolgado com a possibilidade de participar ativamente da guerra, tendo até comparecido à grande manifestação política da Central do Brasil, quando Getúlio Vargas decretou guerra ao “eixo”. Foi um dia de grande vibração, em que me sentia um grande herói, capaz de feitos espetaculares, fato que não se concretizou na idade adulta, quando corri de um incêndio num consultório dentário, sem pelo menos, tentar abafar as chamas com as mãos ou de outra maneira qualquer, ou se fosse o caso, podendo até morrer com honra, como faziam os almirantes no afundamento dos barcos sob seus comandos. Todas as tardes reunia meu estado maior para discutir providências, que se fizessem necessárias para o caso da tão almejada invasão; nunca atendia às ponderações de meus companheiros de quase luta, pois, eu me julgava um exímio estrategista, idéia que também não se concretizou, considerando as notas baixas que tinha nas provas de comando do CPOR. O importante foi o deslumbramento que experimentávamos, principalmente ao ouvir os hinos militares, que nos transformavam de membros da falange guerreira infantil, em kamikazes. Logo em seguida à decretação de guerra, começou uma campanha de recolher metal e alumínio etc. Para ajudar o esforço de guerra dos pracinhas brasileiros na Itália; brasileiro tem essa mania - em todos os acontecimentos, criam-se logo campanhas memoráveis, tais como, agasalhe um pobre neste inverno, fome zero, shows com entrada garantida pela entrega de alimentos não perecíveis e tantas outras campanhas; cresciam as pirâmides de alumínio em especial a do Largo da Carioca; o mesmo acontecendo com os cigarros que eram mandados para os pracinhas brasileiros na Itália.
Fugi da guerra por alguns momentos, retorno com outras notícias daquela época, como por exemplo, a partida dos pracinhas para servirem de bucha de canhão, mal equipados com armas obsoletas e mal agasalhados. A tropa foi chamada de Força Expedicionária Brasileira?!! Criavam-se músicas alusivas aos nossos heróicos soldados, contavam-se histórias (que repito sem confirmá-las) a respeito da recusa de alguns oficiais da ativa de irem para a guerra. Eu que tinha nascido para ser herói, aos poucos fui mudando as características, preferindo se fosse o caso, ser herói na ficção, como fazem Tom Hanks, Tom Cruise e outros mais baratos; heróis que recebem estatueta de ouro em lugar de medalhas. Aos poucos, fui entendendo o mecanismo das guerras e fui deixando de lado as idéias suicidas em nome da pátria, passando a considerar o homem um ser universal. Eis o que restou do herói de ficção!