Bimbo, a centopéia

Cansado de caminhar, Bimbo, a centopéia, refugiou-se sob uma folha de macieira estrategicamente localizada ao canto do jardim, onde provavelmente não seria incomodado pelos perigosos humanos que habitavam a área.

Seu cansaço provinha de uma dor constante na pata direita correspondente ao segmento 53 de seu extenso tronco, mas, o que Bimbo acreditava ser apenas uma leve e passageira cãibra, viria a se revelar uma mudança muito maior em sua efêmera vida de quilópode.

Passado algum tempo, o sol, que antes se mostrava um agravante para seu cansaço, foi completamente encoberto pelas densas nuvens anunciadoras de uma chuva iminente, o que incentivou o pequeno artrópode a abandonar seu refúgio.

As exuberantes e belas orquídeas, que costumavam florescer àquela época do ano, começavam a expor suas vaidosas pétalas aos olhos dos colibris, que as admiravam, iniciando o cíclico evento da polinização e ofertando ao ambiente um extasiante espetáculo de cores e aromas que, na visão de Bimbo, representava uma fantástica expressão da natureza e de seus encantos. Mas Bimbo não queria pensar assim. Não podia.

Na condição de centopéia, era sua obrigação temer a presença, mesmo que bela, dos colibris. Lamentando seu infortúnio, expôs-se aos males a que fora destinado ao nascer vítima da cadeia predatória que se formava a seu redor, arriscando-se em uma aventura sob as flores.

Bimbo não conseguia evitar o êxtase causado pelas sensações visuais e olfativas da natureza. Sempre sonhador e curioso, ignorava os riscos e detinha-se a observar todas as coisas. Era o milagre da vida. Das cores. Da transformação. Chegou um tempo a imaginar-se em metamorfose, invejando as amigas lagartas, que um dia sumiam e retornavam. Com asas. Com cores. Livres e belas. Vivas.

Em meio a seus devaneios, a dor na pata voltou a incomodá-lo, mas dessa vez, tornou-se uma sensação de dormência. E se alastrou. Tomando conta de cada segmento de seu tronco. Já não podia mais sentir seu corpo, apenas perdia-se em pensamentos. Pensamentos bonitos. Livres.

Aos poucos, Bimbo sentiu-se preso. Preso ao chão. Às folhas. A si. Preso de uma forma quase física. Quase não, física. Sentia fibras de um material resistente enlaçando toda a sua extensão, atando-o. Mas não se desesperou. Acatou e rendeu-se a sua prisão. Com a visão cada vez mais turva, o tempo levou-o à cegueira. À inconsciência. À semi-morte. Em pouco tempo, Bimbo realizaria seu sonho. Ele teria asas. Seria livre.

L G Teixeira
Enviado por L G Teixeira em 19/01/2010
Código do texto: T2038579
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.