Ouvindo histórias
Era um mulato sestroso, de voz mansa e fala bem articulada, que gostava de camisas bem engomadas, gravatas e ternos sóbrios; nunca trabalhava em mangas de camisas; sempre os ternos bem cuidados, embora dos tecidos mais simples comprados nas lojas de roupas prontas. Quando se aborrecia alterava a voz, que se tornava tonitruante, muitas vezes assustadora; chamava os filhos por meio de assovios agudíssimos, que conseguia colocando os dedos indicador e mínimo nos lábios; geralmente era atendido ao primeiro assovio; sempre dava um tempo antes do segundo, o que já significaria uma irritação. Mantinha as melhores amizades num círculo abstrato, numa ficção comportamental; todavia, seus amigos mais íntimos eram sempre bons de copo, muito chegados a uma caninha; diziam-no romântico, galante, podendo chegar a extremos! Difícil avaliar até onde chegava a verdade. Uma das coisas mais difíceis de explicar, era a sombra sobre seu passado, sua infância, sua adolescência; era como se tivesse nascido homem feito, pronto para o casamento. Anos mais tarde, conversando com seu filho mais velho, pude compreender porque as pessoas silenciam sobre suas histórias; todos gostam de falar...Mas, para quem gosta de lhes escutar! Uma das incógnitas de sua vida era o fato de ter tia paterna e primos, muito claros e de olhos azuis, e suas irmãs serem bem morenas de cabelo crespo. A história era simples, pai branco casado com mãe negra; a história da mãe foi realmente trágica - ao ver um filho incendiado pela combustão de uma garrafa de álcool, tentou socorrê-lo e, ao descer a escada da casa sofreu uma queda, tendo fraturado o crânio; morreram os dois! Perdeu a mãe e o irmão no mesmo dia; ficou com o pai e a avó materna; aos 15 anos, com a morte do pai, veio para o Rio de Janeiro, tendo ficado inicialmente na casa de uma das irmãs, depois, indo morar num quarto de farmácia em Botafogo, onde fazia manipulação dos medicamentos, o que lhe deu gosto pela arte de laboratório. Casou-se em 1924, com 27 anos, tendo sete filhos, sendo seis homens. A história contada por seu filho mais velho, fez-me compreender o erro que cometemos, quando queremos julgar pessoas, apenas pelo comportamento social! O importante é que morreu cercado das atenções de todos os filhos, o que prova que era um bom homem!