IRRISÓRIO
IRRISÓRIO
Adalgisa estava sentada à praça, naqueles bancos encardidos, onde os pombos repousam quando a tarde esquenta e todos se abandonam. Lugar onde todos nós nos abandonamos.
Os olhos de Adalgisa, os olhos negros circulando na órbita, no rosto comprimido demonstrando uma aflição. É tão de manhã que Adalgisa sente a brisa pelas pernas, a saia balouçando leve ao vento, roçando-lhe nas pernas morenas, nas pernas fortes; as sandálias de couro cru como que enterrando os pés na areia dura da praça oval, de onde em circulo passeiam automóveis sem muita pressa.
Um pouco mais adiante, embaixo de uma palmeira, um homem com um carrinho de água de coco para, arma o chapéu de sol enorme ao centro da geringonça. É um homem de jaleco branco, bermuda jeans, de tez pardavasca como todo homem que vende água de coco, vai considerando Adalgisa, que se levanta, segurando muito firme a bolsa a tiracolo. Abre-a, tira de dentro um bastão de batom, passa-o pelos lábios finos, parecendo insinuar um sorriso malicioso.
Como se acelerasse, com medo de perder de vez a manhã, Adalgisa segue em direção ao homem que vende água de coco, ele vendo-a aproximar-se abre um sorriso faltando um dente escondidinho tal como se fosse uma pequena falhinha, e ouve-a dizer que então já estava mais que na hora, ele não garantira que a hora era esta. Daqui a pouco todos estarão acordados, dizia nervosa, um dos pés batendo nervosamente no chão.
Ele dará um jeito de que não o vejam, respondeu o homem, fingindo ocupar-se com um coco verde, mexendo-o na mão de um lado para o outro. Com efeito, um vento passou sobre eles, arrastando folhas como se a praça ficasse ainda mais vazia, e nem pássaros se ouviu o trinar.
Adalgisa sentindo a saia a balouçar, levantou os olhos para o alto, e viu alem das folhas da palmeira o sol, o sol como se abrisse um olho, ou algo que descia. Adalgisa encolheu-se, sentia-se presa numa esfera, de súbito sentindo vontade de fugir, fugir de volta para sua família, para família que deixara. Levou os braços ao rosto, protegendo-se, gritando, que não, não, estava arrependida , o céu ainda não a esperava, era nova, ainda mesmo penso em ter mais um filho, mais um filho até, apesar de tantos bagunçando pela casa que a pouco abandonara.
Fechou os olhos sobre os braços, respirou fundo, muito fundo, parecia auscultar bem alto o próprio coração batendo descontrolado, e como se acordasse de um sonho, ali estava sentada no banco encardido da praça, vendo o vendedor de coco se aproximar, a manhã progredir, passos se acelerarem ao seu redor.
Ignorou como que sonhando de novo, erguendo-se do banco, passando pelo vendedor de coco com um riso idiota, perdendo-se numa esquina, confundindo-se com outros transeuntes, deixando de existir como todos.
Rodney Aragão
Para o professor Eraldo Maia, professor Da Ferlagos, OCL