Concerto sob Estrelas
Concerto sob Estrelas
Por Pedro Moreno da bibliotecadosvampiros.com
De toda a constelação visível no nosso céu há uma estrela quase que apagada, sua cor rubra bruxuleia pelo grande pano celestial atravessando anos-luz até a Terra. Apesar de sua cor incomum pouco chama atenção tal astro, passando desapercebido dos curiosos ou estudiosos.
A cada 65 anos, a pequenina estrela potencializa sua cor e força e essa luz atravessa a imensidão negra rumo ao planeta azul e depois de milênios enfim chega visível à nós.
24 de julho de 2001 – São Paulo
Sentada debaixo do vão do MASP, Bruna espreguiça e olha em sua volta a pequena tranquilidade que encontra em uma cidade tão grande como São Paulo. Confere o relógio e se dirige até o ponto de ônibus rumo ao Parque do Ibirapuera, dentro do coletivo tira um livro da sua mochila de lona reciclada, afasta seus cabelos ruivos e os deposita atrás da orelha.
Quando termina o capítulo, a menina fecha o livro e repara que já se encontra perto do parque. Desce no ponto mais próximo da entrada e se começa a andar. Arvores antigas cujas raízes avançam do meio-fio e muitas vezes cruzam as calçadas. Pássaros de vários tamanhos e cores colorem o céu azul e limpo do grande pulmão verde que é o parque.
Debaixo de uma árvore, ela senta e volta a ler o livro. Aos poucos o entusiasmo começa a cessar e o sono toma conta dela. O livro é deixado sobre as coxas e os olhos são fechados. Quando Bruna acorda já está escuro, por alguns minutos ela fica observando o céu imaginando onde ela estaria, quando olha o relógio já são 3 horas da manhã e então bate o desespero com a volta da memória. Neste horário já não tinha ônibus ou metrô que a levasse para casa, mas ficar dentro do parque oferecia muito perigo.
Com medo e precavida, a menina se levanta e começa a caminhada rumo a saída. Um pássaro voa baixo e a assusta, fazendo ela olhar para o céu e perceber uma estrela de cor vermelho forte. Ela admira a estrela por alguns segundos e ouve uma voz grave vinda de baixo.
- Bonita, né?
Ela dá um grito e olha para a pequena figura do lado dela. A ponta do chapéu verde mal chega na altura do joelho dela. Apesar da pouca altura as fisionomias são de alguém já velho. No seu rosto moreno desponta uma barba comprida e branca como a neve, contrastando com seus olhos grandes e negros. O pequenino veste calças marrons largas e uma camisa bege com suspensórios pretos. Suas botas lembram antigos calçados camponeses.e tão bem engraxadas que chegam a reluzir.
- Não se assuste! Até parece que nunca viu um duende! – Diz o pequeno ser – Aposto que está aqui para ver os Faunos tocarem.. Venha comigo.
A menina concordou com a cabeça mas não conseguia assimilar o quê o duende falava. Por mais bizarra que parecia a situação, Bruna sequer pensou em deixar de acompanhar o pequenino. Os dois atravessaram o parque e enfim chegaram em uma clareira. Nela estavam três seres altos, com fisionomia de carneiro e dois grandes chifres em forma de caracol. A barba e o cabelo dos três faunos eram lisos e castanhos bem brilhantes. A garota nunca tinha visto seres tão belos e ficou estonteada.
O mais velho deles tirou uma flauta de sua mochila e foi acompanhada pelos demais. Quando começaram a tocar juntos a música fluiu de forma tão limpa e serena, parecia até que a própria natureza estava tocando. O momento foi mágico e quando terminou a menina sem pensar aplaudiu sonoramente. Os três faunos olharam para Bruna que logo ficou corada.
O mais velho dos Faunos andou até ficar frente a frente com a garota a examinou dos pé a cabeça e olhou demoradamente para sua mochila. A menina não conseguia falar e só observava o ser mítico de feições graves porém suaves.
- A que devemos tal honra, de ter conosco uma simples e complexa humana a ouvir o entoar de nossas flautas? – Disse o Fauno
- Eu não pretendia... – Respondeu Bruna gaguejando
- Pois saiba que nos sentimos honrados... – Com isso os três Faunos se abaixaram como súditos fazem aos reis. A garota ficou toda vermelha com a menção e com as mãos puxou delicadamente os seres para que ficassem eretos de novo. Eles ficaram sem reação.
- Fiquem de pé! – Disse Bruna – Não sou melhor nem pior que ninguém, e não sou da realeza para vocês se abaixarem assim.
Os Faunos se entreolharam e cochicharam algo entre eles em alguma língua antiga e poética. E então o quê parecia líder deles se aproximou da menina e colocou sua mão sobre o ombro dela.
- Que seja isto então. Te faço a rainha deste local e todos os seres feéricos a ti prestarão respeito e reverência.
- Não! – Redarguiu a garota – Este é um lugar público e a ninguém pode pertencer.
- Desculpe – Disse o Fauno – Nem ao menos pude perceber e acabei de te destratar. Como seria possível dar um título de nobreza para alguém que já tem um coração majestoso? Tome fique com minha bolsa, aceite como um presente.
Bruna pega a bolsa e a admira. Sem hesitar a garota pega a sua bolsa feita de lona e a entrega ao Fauno que abre um largo sorriso de satisfação. Os dois se abraçam, ela cumprimenta todos, inclusive o duende que ficara até agora, então a garota segue embora para casa.
Quando o primeiro raio de sol aparece sua condução já a estava esperando. Ela senta e olha para a bolsa dada pelo Fauno e então lembra que deixara o livro na sua antiga mala e ao abrir a nova descobre que a flauta usada na noite anterior estava lá, ao ver o bonito instrumento ainda pensava se por acaso o ser não havia deixado propositalmente como um presente. O mais lindo presente que já recebera.