guarapari - vitória

Guarapari / Vitória

Andava triste pela rua. Solidão era minha única companheira naquele sábado à noite.

Estava num calçadão da Savassi, em Belo Horizonte, quando vi um restaurante com várias peças de artesanato no interior inspirado um estilo rústico. No centro das mesas havia pequenos lampiões fazendo uma penumbra no lugar, tudo isso o tornava mais romântico, e uma música de boa qualidade harmonizava o ambiente.

Dentro daquele recinto circular deparei-me com Neivaldinho, um amigo que há mais de trinta anos não o via, companheiro de inúmeras histórias e aventuras.Através de terceiros, eu sempre ficava sabendo um pouco de sua vida, mas eu mesmo não o tinha procurado.

Nesses poucos segundos que o vi foi impressionante como vieram lembranças de todo o meu passado com ele. Nossas histórias repassaram-se em alta velocidade fazendo com que eu vivesse todos aqueles momentos novamente na minha mente.

Naquela época a nossa diferença de idade eram de dois anos. Eu, mais velho, com dezesseis e ele mais novo, com quatorze. Nossas famílias se conheciam, mas o relacionamento entre elas era pequeno. Nós, porém, vivíamos como irmãos, éramos colegas do mesmo colégio e da mesma turma, as afinidades eram muitas.

Eu lembrava de uma das nossas maiores aventuras que me marcou muito e também das complicações que ela me trouxe. A nossa imaturidade era gritante no entanto, alegre. Não éramos de famílias ricas, mas os nossos pais tinham uma situação privilegiada, se formos comparar com a grande maioria da população. O pai dele era um dos donos de um colégio e meu pai era arquiteto, engenheiro e também professor da faculdade de arquitetura da UFMG.

Num dia da semana qualquer Neivaldinho chegou perto de mim comentando que estava apaixonado por uma prima que conhecera nas férias. Ela morava em Vila Velha, Vitória, e ele já estava namorando a garota. Achei aquilo muito legal. Então ele começou a falar da sua nova paixão, apesar de novo. Deve ter puxado o seu pai que era um mulherengo incorrigível, pois o outro irmão era ainda menino. Enquanto descrevia a garota, senti que alguma coisa parecia estar errada, mas não falei nada para não deixá-lo triste. Eu era o terceiro filho na minha família e por isso tinha uma certa experiência trazida de casa, pois sempre fui muito observador e sempre escutava as conversas dos meus irmãos com os seus amigos. Por isso achava que ele estava numa canoa furada, mas me calei para não desanimá-lo. Falou-me da Bel, era assim que ele a tratava, ela havia terminado o namoro em Vitória por causa dele. Bel era dois anos mais velha.

Ficamos maquinando como faríamos uma viagem em que nossos pais concordassem e dessem apoio. Depois de muito pensar qual seria a melhor história achamos que uma viagem com a família de cada um seria uma boa alternativa e começamos a colocar a idéia em prática. Lá em casa eu falei que iria para a casa dos parentes do Neivaldinho, em Vitória, e ele disse que ia para a do meu pai na praia, juntamente comigo e minha família. Até aí tudo bem.

Com tudo isso em minha cabeça, lembrei-me de uma grande amiga de muito tempo que estaria lá na praia nessa data, hospedada na casa do seu irmão. Então fui a casa dela e consegui o seu endereço em Vitória. E, quase no mesmo dia, meu pai me deu um endereço de um cardiologista, seu amigo, que já tinha se hospedado na casa dele quando estudante de medicina, aqui em Belo Horizonte. O nome dele era Irineu Moura Santiago. Meu pai me falou muito bem dele e isso foi uma tranqüilidade a mais, pois, caso eu precisasse de alguma coisa tinha com quem contar.

Fomos a rodoviária. Compramos as passagens para o dia dezenove de fevereiro. Lembro-me bem desta data, pois era a época do aniversário do meu pai que faz anos no dia vinte e dois e nesse dia já estaríamos em Vitória.

No Sábado, à tarde, fui para a casa do Neivaldinho que morava perto da rodoviária. Nosso ônibus sairia às 21h e 45min. Por volta das 21h e 20min começamos a chamar um táxi para nos levar até a rodoviária. Ele não demorou para chegar, então colocamos nossos pertences no automóvel e partimos para uma viagem que para mim estava bem delineada. Embarcamos então pela Itapemirim. Não sei se vocês se lembram das cores da empresa, elas tiveram poucas mudanças de tonalidade nos últimos anos já o design dos ônibus foram totalmente modificados inclusive a traseira arredondada que a Mercedes Bens fazia. No interior do ônibus já havia água gelada dentro de embalagens de plásticos para os passageiros. Era um luxo só para a ocasião.O ônibus foi pontual na partida, me lembro que o veiculo só parou em Realeza, que é o entroncamento da BR 116 com a BR 381, e por ser a noite eu dormi com certa facilidade. Já meu amigo estava ansioso para ver o seu amor.

A rodoviária, ainda acanhada, era perto de um lugar lindo no centro da cidade, o parque Moscoso. Desembarcamos em Vitória pela manhã e fomos providenciar a passagem de volta, pois estávamos na época de carnaval quando a procura por passagens é grande. Nós só conseguimos passagem de volta para o sábado seguinte. Tomamos um bom café e fomos procurar a casa de Bel. Eu só sabia que era em Vila Velha, mas eu não conhecia Vitória, essa era a minha primeira estada lá e eu estava meio perdido, mas como tudo era novidade, nem me importava com nada, tudo era só festa, sem maiores preocupações.

Neivaldinho, era parente e já tinha ido lá várias vezes então, conhecia o caminho bem. Pegamos um táxi na rodoviária e Neivaldinho pediu ao motorista para nos levar para as balsas que davam acesso a Vila Velha.

Quando vi que eram pequenas embarcações um medo ligeiro passou pela minha cabeça, pois eu não sabia nadar e ainda mais atravessar a baía numa embarcação que não me inspirava confiança. Porém, atravessamos sem problemas. Esse nosso translado deve ter sido feito numas duas horas, até estarmos à porta da casa dela até chegar à casa da mocinha Não me lembro da distância da casa de Bel para a balsa, mas não devia ser longe.O nome da rua era Jerônimo Monteiro. A casa dela parecia ficar em cima de alguma casa comercial, pensei que ali teria resolvido parte dos meus problemas, mas estava enganado. Eles estariam começando naquele dia.

Fomos bem recebidos pelo pessoal da casa, mas me lembro só da mãe de Bel, dona Cristina e da própria Bel, não me lembro de mais ninguém. As duas foram muito atenciosas com a gente, mas no decorrer da conversa muitas coisas vieram à tona o que me deixou muito preocupado. Belzinha tinha reatado o seu namoro, chutando o Neivaldinho para escanteio e o pior de tudo, não falou nada para ele deixando-o na maior frustração. A mãe dela não estava entendo a situação, pois nem para ela Bel tinha contado sobre a situação. D. Cristina até tentou interceder em favor do Neivaldinho, mas a Bel disse que não teve coragem de contar o que havia ocorrido e nem sabia que o Neivaldinho iria passar o carnaval lá. Ele ficou sem lugar na casa,

D. Cristina, sem jeito pela trapalhada da filha, nos indagou se tínhamos um lugar para ficar em Vitória. Neivaldinho disse que não. Eu me calei nessa hora, fiquei tão confuso com a situação vivenciada ali que até me esqueci dos meus contatos, guardados no meu bolso da calça.

D. Cristina nos ofereceu a casa em Guarapari, pois não achava certo hospedar em sua casa um pretendente da sua filha. Depois ela nos ofereceu um bom almoço e após a refeição voltamos de mala e cuia para a rodoviária de Vitória. Procurarmos um outro rumo. Na estação do ônibus verificamos que tinha transporte à vontade para Guarapari então, embarcamos na primeira lotação com destino para lá. Com a explicação da D. Cristina não seria difícil achar o lugar, pois ficava perto de uma padaria cujo nome era “Pão Fofo” e era bastante conhecida na região.

Descemos no ponto certo, andamos umas duas quadras e chegamos à casa. Era uma construção simples, parecia uma casa de pescadores que estava bem conservada. Na condição em que nos encontrávamos, aquilo para nós era o maior palacete do mundo.

Conversando com Neivaldinho sobre a nossa situação atual ponderamos várias coisas, dentre elas a nossa situação financeira, pois tínhamos falado para nossos pais que iríamos para a casa de parentes onde não haveria um gasto muito grande. Achei certo a princípio termos comprado as nossas passagens de volta na hora em que chegamos de Belo Horizonte.

O dinheiro que ainda tínhamos teria de durar uma semana, era o tempo que ficaríamos ali. Começamos a traçar as nossas prioridades para passarmos aqueles dias. Decidimos tomar café mais tarde, e iríamos comer mais já no final da noite. Compramos tabletes de margarina para passar no pão e beberíamos água para completar.

A casa tinha tudo. A cozinha estava ali prontinha, meio suja, pois a casa estava vazia há algum tempo. Nem eu nem Neivaldinho sabíamos fazer nada na cozinha e estava ali o nosso aperto. Nós, praticamente éramos duas crianças, teríamos de nos virar sozinhos para segurar aquela peteca. De domingo para segunda dormimos cedo, pois o dia foi muito cansativo emocional e fisicamente.

Pela manhã fui à padaria e comprei 10 pães-de-sal quentinhos, quentinhos, com 3 tabletes de margarina. Devoramos, cada um, 5 pães e tomamos água. Em seguida fomos à praia. Devemos ter ficado lá um bom tempo. Encontrei um velho amigo que morava num conjunto habitacional no bairro de São Cristóvão, o IAPI, que é muito conhecido aqui em Belo Horizonte. Ele era um jogador do Atlético, o Túlio, um jogador que eu não sei por quê ele não seguiu a carreira de futebol. Ele estava com o Leandro, seu amigo, que morava perto do seu apartamento e estavam mal instalados em Guarapari. Conversando com Neivaldinho, vi a possibilidade de convidá-los para ficarem lá em casa, pois teríamos companhia deles também.

O Neivaldinho já conhecia o Túlio também, desde o dia em que fui com o meu time de futebol jogar lá no colégio. Como ele era nosso amigo de muito tempo, sempre que podia nos dava uma colher de chá nas competições de futebol e virava uma covardia contra qualquer time. Então convidamos os dois para irem lá para casa, coisa que aceitaram de imediato, mas os dois estavam no mesmo pé nosso, quero dizer “duros”.

Já a noite, trocando idéia com o povo como um raio ,vieram à minha cabeça os dois endereços dos amigos, que estavam no papel da calça com a qual viajei. Na mesma hora saí como um louco atrás da vestimenta. Pelo fato de ser o filho de D. Maria, que tinha me dado uma boa educação e isso foi uma coisa que aprendi com ela: a tal da organização; ela era até meio enjoada por querer ver tudo limpo e organizado. A minha calça estava dobrada com o resto da roupa para que quando fosse arrumar as malas da volta, já estariam separadas as roupas limpas das sujas. Localizei-a com facilidade, deixei-a num lugar onde tivesse acesso mais fácil e voltei para junto do povo.

Na manhã seguinte começaria a nossa rotina ali na praia. Naquele tempo Guarapari era outra coisa. Dava prazer ir ao mar e poder tomar um banho de água salgada, pois dizem que isso faz bem.

O Túlio era bastante mulherengo e tinha ido para a casa onde estava antes, por causa de um antigo cacho (namorada) que havia chegado de Belo Horizonte. Pergunte se ele voltou para lá. Acertaram na resposta. Eu até achei isso bom, pois me daria mais liberdade para conversar com meu companheiro de viagem a respeito dos endereços que tinha levado e com o Túlio por perto ficaria mais complicado. Fiz algumas ponderações para ele, poderíamos ir a Vitória e ver se conseguiríamos nos ajeitar por lá. Ele gostou da idéia e combinamos que no dia seguinte iríamos para lá.

O dia passou como um foguete de tanta ansiedade que tomava conta de nós. De noite, já deitados, lembrava-nos de situações engraçadas pelas quais já teríamos passado juntos. Eu morava num bairro em Belo Horizonte onde existia um cinema cujo dono eu conhecia e ele era o porteiro em determinados dias. Foi o meu pai quem fez o projeto do prédio e sugeriu o nome da sala de projeções. Por ser gente antiga no bairro, os dois proprietários me conheciam bem e sempre que passava filme para maiores de dezoito anos eles me deixavam entrar. Com isso o Neivaldinho aproveitava porque só tinha quatorze anos também.

Adormecemos de tanto lembrar casos pitorescos. O nosso pão com água em questão de segundos estava pronto e devorado. Nesse dia, na saída para Vitória, um maribondo picou o nariz de Neivaldinho em cheio transformando-o numa bolinha. Passamos na farmácia e descrevemos o ocorrido para o farmacêutico que nos disse que não era nada e que aos poucos voltaria ao normal, isso nos tranqüilizou.

Rumamos com destino à nova jornada. Pouco tempo depois já estávamos lá em Vitória. Primeiro eu liguei para meu pai para lhe desejar um feliz aniversário e comentei com ele que estava ficando sem dinheiro. Ouvi minha mãe perguntar por quê, já que tinha saído de lá com dinheiro e fui para casa de parente do Neivaldinho não teria tanto gasto assim. A conversa com eles foi rápida e estava ligando a cobrar. Dali fomos procurar o amigo do meu pai. Pelo que meu pai falava era o cardiologista Dr.Irineu o mais bem sucedido de Vitória e, de uma certa forma, pensei que nos pudesse ajudar por ter morado na casa do meu pai quando estudante.

Dirigimos para lá. O tal médico estava de saída, iria para a fazenda passar o carnaval num sossego maior porque gostava mesmo era de tranqüilidade. Ele não era tão velho assim. Explicamos para ele a nossa situação. Ele nos ouviu atentamente e nos indicou a residência do Wilmon.

Enchemos-nos de coragem e baixamos pra Reta da Penha, um lugar bonito, elegante, isso dava para ver da janela do ônibus. Descemos no cruzamento da avenida Afonso Pena com rua Espírito Santo, esse cruzamento foi fácil de se guardar, por termos um igual em Belo Horizonte. O prédio que o Wilmon morava impunha-se pela sua beleza. O granito eras assentado de forma diferente, todo o serviço que era feito com blindex da cor do granito, o que realçava ainda mais a fachada do edifício. E a sua residência era em frente o ponto do coletivo com a entrada pela rua Espírito Santo, o apartamento era o de nº202. O porteiro nos barrou e perguntou aonde iríamos. Então respondi que iria à casa do Dr Wilmon, éramos amigos da irmã dele que estaria hospedada lá e que tínhamos vindo de Belo Horizonte. Com essas informações foi checar a verdade dos fatos e pelo interfone comunicou-se com o apartamento 202.

Com sinal do ok, vindo do interfone, permitiu a nossa entrada.

Chegando ao segundo andar, encontramos um hall pequeno entre os apartamentos. Pensei que fosse de um outro tamanho, pela elegância da parte externa do prédio. Eu mesmo toquei a campainha do 202. Ela ressoou como um chamado de ajuda aos meus ouvidos. A porta se abre lentamente e quando vejo a amiga Moniquinha do outro lado do vão, abro um sorriso sem igual, pois sentia ali o fim dos meus problemas. Era quarta-feira ainda e só iríamos viajar no sábado pela manhã às 9h 15min de volta para Belo Horizonte. Conversando com a Moniquinha e a mãe dela, ela me contava que iria embora no dia seguinte, para casa do outro irmão, o Dr Washington, que morava em Aimorés onde era pediatra recém-formado que estava começando ali a sua vida de médico, Um frio subia pela minha barriga nessa hora quando contava esse caso. D. Mônica, por ser uma mulher já vivida, conseguiu perceber a aflição que sentia e me perguntou o que estava acontecendo. Com o coração aberto mostrei toda nossa situação e que realmente estávamos nos sentindo desamparados. O seu coração de mãe protetora nos deu abrigo. Ali dormiríamos na área de serviço, pois os quartos já estavam todos ocupados pelos moradores da casa; mas argumentou que teríamos lugar para dormir e comida de verdade. Ela percebeu e até comentou o sorriso nos meus olhos que antes estavam tristes sem vida. Por ser ela artista, conseguia ver longe as coisas... Deve ter sido por isso que atendeu o nosso apelo, por ser muito sensível.

Naquela noite, consegui dormir bem melhor apesar de ter sido no chão daquele lindo palácio que era a área de serviço do apartamento de D. Mônica.

Deixamos boa parte de nossos pertences no guarda volume da rodoviária durante aqueles dias. Eram coisas que não usaríamos ou então eram roupas sujas. Da rodoviária voltei para o apartamento e Neivaldinho foi entregar as chaves da casa de Guarapari para D.Cristina e agradecer o empréstimo da casa onde ficamos hospedados por uns dias. Não sei o que aconteceu lá, naquele dia, mas Neivaldinho chegou só a noite no apartamento e comentou que teria reatado seu namoro. E estava muito feliz. Aí, nossa felicidade estava completa e dormimos como dois passarinhos. Na manhã seguinte Neivaldinho saiu cedo, sem tecer nenhum comentário a mais. Eu o vi saindo de casa para a casa da linda Belzinha e fiquei só, no apartamento, com o pessoal da casa. Trocava idéias com todos que estavam ali, descia, ia andar um pouco para tomar um ar fresco porque no apartamento fazia muito calor.

Assim as horas se passaram rapidamente, caiu a noite e nada do meu amigo chegar. Comecei a ficar preocupado, pois me sentia responsável por ele. Na casa da Bel tinha telefone mas, não sabia em nome de quem estava registrado o aparelho nem mesmo o nº da casa; só sabia que era na rua Jerônimo Monteiro, em Vila Velha, mais nada. Então não tinha jeito de localizar o número para tentar falar com ele. Naquela noite nem dormi direito de tanta preocupação ainda mais que era com ele que estavam nossas passagens, o bilhete do guarda-volumes da rodoviária onde estavam guardadas parte de nossas coisas e o restante de nosso dinheiro. E eu estava complemente “duro”. Saí da cama cedo, me banhei, comi qualquer coisa, me despedi do pessoal da casa e agradeci em meu nome em nome do Neivaldinho e rumei para a rodoviária.

Quando coloco a mão no bolso da calça lembro-me de que estou sem dinheiro, quase entrei em pânico nessa hora. O relógio já marcava quase 8h e 30min. Criei coragem e pedi emprestado para o porteiro do prédio o dinheiro da lotação que com muita gentileza me arranjou.

Chego à rodoviária às 8h e 55min, torcendo para encontrar o meu amigo ali, pois a minha cabeça já não raciocinava mais por causa de Neivaldinho, e nada dele chegar. Minha aflição duraria até 9h e 10min, quando o vi entrando na rodoviária. Entre esse período até a partida do ônibus não deu para conversarmos, pois pegamos nossas coisas que estavam guardadas no guarda-volumes para podermos embarcarmos, uma vez que o ônibus já estava estacionando acolhendo seus passageiros para zarpar. Nós dois fomos os últimos a embarcar no veículo. No caminho Neivaldinho foi me dando a versão do ocorrido. Eu o escutava atentamente para depois fazer um comentário a respeito. Dizia-me que havia reatado o seu namoro com Belzinha e não houve jeito de me telefonar, para avisar. A viagem seguia tranqüila e juntos fazíamos um balanço da nossa aventura, sem nos preocupar por alguma coisa que poderia vir. Paramos em Realeza para almoçar, conferimos o nosso dinheiro que estava super curto e não daria para os dois almoçarem. Aí tivemos uma idéia de comprarmos biscoito Maizena e tomarmos com água do ônibus. E foi o que fizemos.

A viagem seguiu calma até na hora que chegamos na casa de Neivaldinho. D. Neném, mãe do Neivaldinho, veio me dizer que a minha mãe já sabia de toda nossa proeza e não tinha gostado muito. Peguei a lotação perto da casa do Neivaldinho e desci perto de casa. Quando entrei no portão o meu cachorro, reconhecendo meu cheiro, me fez a maior festa, pois não estava acostumado longe de mim e pulava em meu peito. Era sinal de que ele queria brincadeira; mas na hora em questão queria era ver o povo lá de casa. Entrei pela cozinha da residência, como era o costume lá de casa, primeiro vi a doce Tereza que é como uma mãe para mim. Vi também a Aninha, minha vó, o Celinho, meu pai e por último minha mãe, que tinha dificuldades de movimentação e, numa hora dessa do crepúsculo, já estava num pequeno sofá que tinha no quarto assistindo alguma coisa na tv. Pedi para ela me abençoar no entanto ela ficou calada, não fez nenhum movimento para nada então, eu senti no fundo de minha alma que realmente tinha traído sua confiança e isso eu sabia que ela não perdoava, pois foi sempre muito certa com as coisas e eu a tinha decepcionado.

Sentindo tudo aquilo na pele, achei melhor não falar nada aquele dia. Resolvi tomar um bom banho, pois estava impregnado de sujeira no corpo e na alma, era assim que me sentia, uma pessoa má, responsável pela tristeza de minha mãe que sempre nos ensinou a não mentir e sempre falarmos a verdade, seja ela qual for.

Ela deve ter ficado sem conversar comigo uns três dias. Aí o seu lado de mãe sentiu meu sofrimento pelo seu silêncio e resolveu conversar. Começou falando da sua decepção comigo e da teoria do Dr Fernando, pai do Neivaldinho, o qual disse que aquilo era nada mais do que arroubos da juventude, ele não estava perto, mas pelo que conheço da minha mãe essa teoria seria furada. Desse dia em adiante voltou ao normal comigo. Eu mesmo aprendi muitas coisas nessa aventura.

Senti uma pessoa me dar um cutucão, ali na janela do restaurante, era um segurança fazendo seu serviço. Quando olho para dentro o Neivaldinho já tinha ido embora e nem tinha percebido porque estava só com meus pensamentos, revivendo tudo aquilo que ocorrera comigo.

Volto para casa nem sei como, mas a doce Lucimar esperava-me aflita pelo estado que saí de casa e, me vendo daquele jeito, me abraça carinhosamente pedindo desculpas. Acho lindo aquele momento e abraço-a com ternura dando-lhe um lindo beijo e...

Escritordsonhos
Enviado por Escritordsonhos em 30/03/2009
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