A VIÚVA INCONFORMADA - V PARTE

O namoro, qual passarinho em seu ninho e findo o processo de crescimento e afirmação, esboçaria o primeiro voo. Este surgiria no momento em que surpreendentemente, A. Jorge ofereceria a Felizbela um anel de noivado, adquirido na ourivesaria “Coral”. A. Jorge já esboçava na mente este momento há algum tempo e depois do jantar no restaurante “Lua Nova”, catalizaria e apressaria a decisão.

Solitariamente, conforme manda o protocolo e por razões supersticiosas também, o namorado faria a compra a sós. A escolha do anel reflectiria um pouco a personalidade de Felizbela, preocupação que A. Jorge teria em conta. Assim, o mesmo caracterizava-se por possuir um único diamante, conhecido como a pedra de Vénus, a deusa do amor. Falta agora calendarizar a entrega da oferta e entre as diversas datas possíveis, uma pela proximidade, parece ganhar dianteira. Trata-se do dia 13 de Junho, dia de Santo António, conhecido como patrono dos namorados e dos casamentos. Esta data viria a tornar-se definitiva e dias antes, Felizbela receberia convite para um jantar popular, seguida de uma noite de fado num bar à luz de lâmpadas de chama a criar um cenário parecido com velas reais. Após a recepção do convite, a namorada achou oportuno fazer uma compra para oferecer a A. Jorge. Das opções possíveis, uma caneta com aparo em ouro, seria a escolha. Lembra-se, que nem um, nem outro, eram sabedores dos seus propósitos, de modo que os gestos individuais seriam amplamente apreciados. No fim do jantar e depois dos habituais comentários à comida e dos não menos habituais jogos de sedução e de promessas de amor eterno, A. Jorge ofereceria, para espanto de Felizbela, que não estava a contar com nada, o presente. Esta, abriu-o e um espanto maior se fez quando de dentro da minúscula embalagem, retirou um anel de noivado.

- Felizbela, este anel é o símbolo máximo do amor que te tenho e mais ainda, é a assunção de um compromisso que aqui e agora assumo perante ti. A partir desta data e momento, serei o teu noivo e tu a tocha que iluminará a minha vida até que a morte nos separe.

Perante estas palavras, uma lágrima espreitaria no canto do olho de Felizbela, sustida à força de vontade e de um sorriso cândido. A este momento, outro não menos emocionante se seguiria quando surpreendentemente a jovem senhora retirou da bolsa uma embalagem e entregou a A. Jorge. Este abriria e retiraria a notável caneta com a qual escreveria uma dedicatória à namorada a agradecer-lhe a surpresa e de mão trémula e coração palpitante, escreveria: A caligrafia pode não ser a melhor, mas, seguramente a intenção é maior que a atmosfera que respiramos, por isso, registo este momento para memória futura. Hoje, dia do Santo patrono dos namorados, declaro-o o “Nosso Dia”. Findo, assinou…Teu Artur Jorge.

No final, entregou o registo a Felizbela, que o leu. Selariam com um beijo, o mais significativo dia desde que se conheceram.

Tudo leva a crer, entraram definitivamente na fase decrescente para o enlace.

Por tempo algum, Felizbela havia tido qualquer lembrança de Rodrigo. O momento não lhe daria tempo para isso. Artur Jorge está de pedra e cal no seu coração e objectivo. As ilusões que em tempo se forjavam no seu coração estão arquivadas e o facto de não se verem no MSN, favoreceu o esquecimento, muito embora se pergunte sobre o que será feito do homem que em tempos a trazia alvoroçada.

Rodrigo, quando em vez faz incursões no MSN, conectando-se com Constança e já há longo tempo não o faz com Felizbela, até ao momento em que uma saudade e curiosidade lhe bateu à porta. Num email avisador convocava-a para uma conversa para porem em dia as suas vidas. Felizbela, perante a convocatória ainda exitaria, mas um reacender de curiosidade levá-la-ia até ao MSN, à hora marcada.

- Olá Felizbela, quanta saudade!!!!!

- Olá Rodrigo.

- Então, estás bem? Tens tido saúde? Conta, conta…tenho pensado muito em ti, muito embora não tenha tido a ousadia de te procurar.

- Estou bem e tu? Tua família, passa bem? Confesso que também tenho momentos que recordo nossas conversas. Esse tempo fez-me muito bem. Estava a sair de uma viuvez e tu soubeste perceber-me. Por tudo isso, renovo-te o meu obrigado.

- Certo. Tudo isso é passado. Fala-me do teu presente e futuro. É desse que tenho curiosidade.

- Como sabes, namoro e ando feliz e curiosamente, ontem dia de Santo António, assumimos noivado.

- Parabéns. Nem fazes ideia como estou feliz, por ti. Bravo. Era isso que esperava ouvir, apesar…

- Apesar?

- Nada…foi um prazer falar contigo. Sei que estás bem. Não quero perturbar-te o rumo dado à tua vida e certamente voltaremos a falar, já tu serás uma senhora casada. Um abraço.

- O prazer também foi meu. Até há próxima. Não te esquecerei nunca. Um beijo.

Terminaria deste modo o mais curto momento que entre eles existiu, desde que se conheceram. Nem Rodrigo quis prolongar a conversa, nem Felizbela a forçou. Cada um, por motivos particulares dar-lhe-iam o conteúdo e o tempo ajustado.

Ainda que se saiba”homem proibido”, Rodrigo tinha por Felizbela apreço e amizade. Sentia-se útil e conivente na felicidade da jovem viúva.

Em Felizbela, um sentimento inesquecível de gratidão perpetuar-se-á infinitamente. Reconhece-lhe mérito numa altura em que se sentia afundar.

Posto que a cerimónia da entrega do anel de noivado já pertença ao passado, a inquietação de A. Jorge não se esgotaria nesse simpático momento. Agora, e no futuro, o noivo aponta o pensamento para a formalização do pedido de casamento. Este acto tão desejado e quiçá a mais importante prova às suas qualidades de homem, de homem fazedor de felicidade conjugal, não testemunhada na sua primeira experiência, obriga-o a investir positivamente nesta segunda oportunidade, seja para se provar a si mesmo, seja para o fazer perante Constança, subconscientemente demonstrando o erro da separação.

A. Jorge apostaria seriamente no casamento com Felizbela e mais ainda na preparação prévia do mesmo. Escolhido o momento para o pedido de casamento, restar-lhe-ia escolher o local e cenário. Do que se sabe, A. Jorge está mais romântico, quiçá por instinto de defesa e afirmação. Neste contexto e após algumas reflexões, decidiria um fim-de-semana passado numa pousada com proximidade do mar e também aberta à floresta, às aves e ao murmurar das águas caídas em cascatas, formando pequenas lagoas naturais. Seria este o cenário romântico que criteriosamente, Artur Jorge escolheria.

Desenhado na mente o enquadramento descrito, restar-lhe-ia passar a Felizbela o convite, e este não demoraria. Na primeira ocasião que se encontraram, seria dado a conhecer. A noiva receberia com agrado a sugestão para passarem o fim-de-semana fora, sem contudo saber qual o móbil do convite. Assim, acertados no propósito, seguiriam para o destino escolhido. Ao chegarem, Felizbela teceria elogios ao local seleccionado, o que muito satisfez o namorado.

- Não conhecia este local! Muito lindo e parece-me ser pacífico, romântico, direi bucólico!!!

- Ainda bem que estás a gostar…o meu propósito foi esse mesmo, trazer até nós o que as grandes cidade não têm para nos dar.

- Foste feliz…

- Não foi difícil a escolha…O local só podia ter a grandeza de ti mesma. Merece-lo e muito mais…

- Obrigado. Como sempre muito gentil…será que mereço tanto?

- Tu não mereces tanto, mereces tudo, tudo o que a vida tem para dar. Já há muito que ansiava por este momento e agora que estou diante dele, a felicidade tomou conta de mim.

- Também estou tomada de felicidade. Já há muito que o meu coração não palpitava movido a amor.

Passado este momento romântico, dirigir-se-iam à recepção da pousada para fazer o check in e depois foram ao quarto deixar as malas. Entre as paredes do quarto trocar-se-iam escaldantes beijos, mimos e palavras de carinho. Depois sairiam e dirigir-se-iam até à majestosa sala de estar, de cujas paredes pendiam bonitos quadros e serigrafias. A temática da conversa giraria em volta da programação para os dois dias e ficaria definido que em cada um deles haveria mar e floresta. O mar, de manhã e até à hora de almoço e a floresta, de tarde e até ao sol-posto. À noite, dariam uma saltada a um bar para uma noite de fado entre uns copos de vinho branco e uns salgadinhos. Quer um, quer outro, tinham uma relação com o mar que lhes vem desde criança, de longos anos a fazer praia, outro tanto não se pode dizer da floresta, cuja beleza os surpreenderia positivamente.

Seria neste cenário bucólico, junto a uma piscina natural a jusante de uma queda de água da ribeira, cujo nome não sabiam, mas que A. Jorge rapidamente apelidaria de “Ribeira dos Amantes”, que o noivo pediria em casamento, Felizbela.

- Enquanto nos deliciávamos a ouvir o murmurar das águas da ribeira, a natureza à nossa volta não teve descanso. Se bem reparaste, os passarinhos que sobre a nossa cabeça gorjeavam, quiseram associar-se à nossa felicidade, bem como os grilos que nos relvados que circundam as margens da ribeira emitem sons para atrair as fêmeas ou mesmo as rãs, que com o mesmo propósito, coaxam. Assim, nós também nos reunimos aqui para darmos um testemunho da nossa natureza e do nosso amor. É pois neste cenário bucólico que te peço em casamento, tendo por testemunho estes bonitos e simpáticos representantes da natureza.

- Sem dúvida, que este local potencia desejos que só os amantes sabem interpretar. Também comungo da tua opinião acerca da beleza que nos envolve e mais ainda quando se reflecte sobre a nossa superioridade, a nossa pseudo superioridade sobre os tais passarinhos, grilos ou outros…Quanto ao teu pedido de casamento, nada mais bonito que o local e momento escolhido, contudo, sem negar o teu desejo, algo me diz que ainda tenho dúvidas a meu respeito para fazer de ti um homem feliz.

- Não, essa dúvida eu não tenho. Desde há muito que te conheço, ainda tu eras uma mulher casada e feliz. Já nessa altura eu te achava uma boa representante do género feminino e mais agora, que te conheço de perto.

- Certamente não serei mais do que o comum das mulheres, só que tive um marido que soube fazer de mim uma mulher positiva, alegre, valorizada, respeitada e amada. Tão-só isso, que falta à maioria das mulheres.

A certeza de vir a ser feliz como o foi no seu primeiro casamento, leva Felizbela a ter receios. A. Jorge é um homem separado e sem querer, envolve-o com o anátema da separação. Sabe do seu interesse por ela, mas ainda não identificou, se o faz por desejo ou amor. Felizbela não pretende ser objecto de uso, gozo ou vaidade de um homem. Troca tudo isso por amor.

A. Jorge interpretou as palavras da namorada como insegurança e procurará desmontar a ideia expressa.

- Minha querida, compreendo muito bem o teu estado de espírito. Com certeza, ele se estriba na felicidade que o teu marido te proporcionou. Sei que há essa referência na tua mente em permanência e que a equacionas em cada passo dado ou a dar. Não me compete dizer-te que me substituirei ao teu ex-marido, contudo, não está nos meus horizontes deixar-te frustrada. O primeiro casamento também me deu lições para o futuro. Hoje sou um homem diferente…

- Não pretendo viver toda a vida com a imagem em fundo, do meu ex.. Sei que não adiantaria nada. Foi bom, enquanto durou. Em verdade, só me lembro quando estou mergulhada na solidão e me vejo sem saída. Não é o caso presente. Sei que tens por mim carinho, atenção e porque não, amor, contudo, preciso de algo mais. Sabes, há momentos na vida que tomar decisões, não é fácil e estas não têm nada a ver contigo. É um assunto muito pessoal, muito meu.

- Sei disso. Tomar decisões é por norma algo que nos encurrala e que só a sós, as podemos tomar com a certeza de não responsabilizar outrem. Tu sabes o quanto te aprecio e o quanto te desejo e amo. Não quero influenciar-te nas decisões. O pedido de casamento que te fiz reflecte o que quero de ti e penso.

- Conforme já adiantei, não questiono o que me dizes, todavia, sinto precisar de amadurecer não a decisão, porque esta está implícita na nossa relação, mas na altura em que se deverá assumir publicamente e materializar.

- Esta questão não terá de ser tratada apressadamente. O meu pedido de casamento foi um acto íntimo, só nosso e para nós. A haver formalização pública, teria de ter sido previamente bem pensada e partilhada pelas pessoas que gostamos, não te parece?

- Certo. Essa abordagem ficará mais lá para diante. Por hoje…

Felizbela abraçar-se-ia ao namorado, beijaram-se e nos olhos de um, e de outro, as lágrimas soltar-se-iam, quiçá, por razões diferentes. Artur Jorge percebeu que a namorada tem dúvidas, embora não saiba a sua proveniência, imputando-as ao passado. Ele não sabe que há um homem no subconsciente de Felizbela, que embora proibido, lhe eleva a fasquia do desejo e do amor, na medida certa e adequada.

Algumas perguntas poder-se-iam formalizar, tais como: será que Felizbela teria o mesmo discurso se o pedido de casamento tivesse saído da boca de Rodrigo? Será que a suposta insegurança teria sido percepcionada, em Rodrigo? Será que ela não o tem em cada gesto, acto, palavra ou pensamento? Será enfim, que ela o esqueceu? Estas perguntas carecem de resposta e para as dar, só o coração e não a boca, estarão habilitadas a fazê-lo com verdade. Tudo leva a crer que tudo o que aconteça entre A. Jorge e Felizbela, terá da parte desta constituído uma reserva de afectos num qualquer lugar do seu coração, na esperança última de que se algo correr errado se possa pôr a salvo do desaire.

A última conversa no MSN com Rodrigo deixar-lhe-ia uma questão em aberto na sequência da expressão com que o amigo se despediria: “nem fazes ideia como estou feliz por ti, apesar…”. Pergunta-se muitas vezes o que quereria dizer ele, com “ apesar…” Esse mistério que se esconde nessa palavra e que permite as mais variadas conjecturas, levaria Felizbela a concluir como um indicador positivo. Rodrigo voltaria ao MSN por uma questão ética e não para perturbar ou confundir as decisões da amiga. Tem consciência das suas limitações e não pretende alimentar a fantasia de um amor impossível. A sua condição de “proibido” fá-lo assumir a sua condição diante de Felizbela, sendo impotente para travar o amor declarado em tempo oportuno pela jovem viúva. Se é certo que se poderia afastar definitivamente do horizonte visual e afectivo da amiga, não o faz nem pensa fazê-lo a título definitivo. Rodrigo valoriza a amizade. Sabe do valor exponencial desse sentimento e mais ainda na partilha com Felizbela. Esta não faz parte do seu rol de amizades por uma questão aleatória, mas por decisão pensada e por mérito dela mesmo. É consciente a decisão.

Felizbela, involuntariamente interiorizaria a personagem desse homem como sendo a sua medida certa e nem mesmo a condição de “proibido” a inibe de tecer fantasias.