A VIÚVA INCONFORMADA - I V PARTE
A ViÚVA INCONFORMADA - I V PARTE
Constança dava consigo a cogitar sobre aquele primeiro encontro no MSN com Rodrigo e dessas meditações sairiam muitas questões que gostaria de ver respondidas, especialmente pequenas particularidades acerca dos seus gostos, ocupação profissional, seus hobbies preferidos…Sobre a personalidade, religião, ideal político ou estado civil, não pretende questionar, porque acredita que o tempo e o desenvolvimento da conversa porá a claro essas respostas.
O primeiro contacto, embora houvesse terminado sem que se explorassem os lados pessoais de cada um, serviriam para criar empatia e esta seria a porta aberta para esse conhecimento.
Constança, perceberia que Rodrigo também poderia ser alguém que mesmo estando longe, a poderia ajudar, desde que se confirmassem as primeiras impressões deixadas e que apontavam para um homem sensato, bem formado, educado, respeitador e inteligente. Constança promete a si mesma voltar ao MSN para contactar Rodrigo e dentro das suas possibilidades e disponibilidades, iria hoje tentar encontrá-lo. Depois de sair do emprego e de fazer o regresso a casa, está a pensar ir ao computador, antes de jantar e esperá-lo. A saudade e ansiedade motivam-na e um sentimento pressagia-lhe que Rodrigo estará no MSN no dia de hoje. Como nem todos os presságios se confirmam, este respeitaria a regra e Constança resolveria enviar mensagem: amigo Rodrigo, estive aqui no MSN na esperança de o encontrar, contudo, tal não aconteceu, para desgosto meu…saiba que adorei conversar consigo e que gostaria de aprofundar a amizade. Até melhor oportunidade…abraço.
Foi deste modo que Constança matou a saudade e a ansiedade que a trazia entristecida. Rodrigo acalentava-lhe vontades e desejos que já não vivia há pelo menos dois anos, passado que foi o período a seguir à separação. Do primeiro ano de separada, Constança não guarda qualquer memória positiva, contudo, continua a achar que foi a melhor solução para o declive em que se encontrava a sua vida afectiva. A vontade de viver um amor que a preenchesse no seu todo e lhe desse o prazer esperado, levá-la-ia a posição radical. A sua vontade seria uma resposta à coerência de valores que defende, que deseja praticar e que ainda acalenta. Rodrigo parece querer avivar-lhe a fogosidade já dormente e resultante de um casamento que nos seus momentos de reflexão, ela não encontra resquícios de saudade. O marido havia-se casado com o trabalho e com a empresa e apesar de Constança ter apreço físico por Artur Jorge, entre eles ficou um vazio que se sedimentou ao longo de quinze anos de casamento mal vivido e mal gozado.
A A. Jorge, o tempo nem para fazer amor sobrava. Quem sabe Constança ainda tivesse dado oportunidade para manter o casamento se este aspecto da vida conjugal se concretizasse conforme o expectável. Constança sentia-se uma mulher mutilada numa parte preponderante para a consolidação afectiva e para a sua saúde e equilíbrio mental e psíquico. Constança jamais ousou ser infiel ao marido e entre si tragava com dor a sua irrealização. Agora, aos quarenta anos, tudo o que lhe restou foi olhar atrás e retrospectivar a sua vida e olhar adiante e pressagiar o futuro. Da conclusão retirada, nada restava que pudesse voltar a ganhar fôlego para animar ou reanimar o casamento, ferido de morte, não pela parte financeira que A. Jorge lhe garantia com generosidade, mas pelo sagrado valor dos sentimentos e de uma sexualidade inexplorada há longo tempo.
Aos quarenta anos aconteceria a segunda e importante reflexão da sua vida e nem as consultas de terapia de casal a fizeram mudar. Entre realizar-se sexualmente na infidelidade ou provocar a ruptura conjugal, Constança preferiu esta, e agora, três anos após a separação e a sua juventude ainda presente no corpo, na mentalidade e na vontade de ser feliz, conforme gostaria, trá-la em sonho até Rodrigo, mesmo sem saber quem é claramente o homem que a traz em ilusão, fermentado no seu vazio de solidão e carência. Constança cada vez mais, deseja estar com Rodrigo e com ele falar, com ele se expor e com ele manifestar o que lhe vai na alma. Acredita ser um homem que a poderá fazer feliz e a ansiedade aumenta a cada dia de ausência do amigo no MSN. Mais do que nunca, abre o site de conversação e na ausência de Rodrigo deixa sempre mensagem, ainda que lacónica, mas incisiva, a deixar-lhe a entender que lhe quer falar. Por sua vez Rodrigo, não tem tido ocasião para visitar o site e quando o faz, Constança nem sempre está online. Limita-se a ler mensagens e a responder e da última vez marcaria encontro para o próximo dia.
Constança ficaria radiante quando leu a última mensagem do amigo e à hora marcada, não faltaria ao encontro.
A leitura da mensagem de Rodrigo deixou Constança feliz e feliz porque se perspectiva uma oportunidade muito desejada para se encontrarem e ansiosa porque lhe parece que as horas do dia não passam ou que o mesmo, tem mais horas que o habitual.
Constança irá organizar a sua vida de modo a dispor de tempo suficiente para conversarem. Chegada a hora programada, ligaria o computador e conectava-se no MSN. Rodrigo ainda não havia chegado e a ansiedade e nervosismo instalava-se. Meia hora depois ainda não tinha chegado. Perguntava-se se teria acontecido alguma coisa, se poderia confiar nele, se não seria uma brincadeira, enfim, muitas questões ocorreriam enquanto não surgia conexão online, de Rodrigo.
Finalmente, fez-se luz verde e se para Rodrigo tudo é tão natural, o mesmo não se aplica a Constança, cuja ansiedade estava quase nos limites do suportável. À ansiedade, um nervoso miudinho tomá-la-ia de imediato e só o decorrer da conversação a tranquilizaria.
- Olá Constança, tudo bem?
- Boa noite, Rodrigo. Como vai?
- Tudo bem e você?
- Óptima. Agora, melhor ainda. Estar consigo no MSN, é uma coisa…
- Que bom. Pela minha parte dir-lhe-ei que experimento sentimento igual. Diga-me, como foram os seus dias, desde o nosso primeiro encontro?
- Nem queira saber…Esperei tanto por este momento. Acho que me estava a tornar ansiosa. É uma coisa que nem sei explicar…
- Ok. Deduzo que gostou da minha companhia. Verá que não se irá arrepender.
- Não, com toda a certeza. Que pena não o ter conhecido há mais tempo… Você é a pessoa que gostaria de ter conhecido e não é que Deus, me fez a vontade! No abstracto sonhava com um homem como você…
- Acredito, mas…
- Mas?
- Estou comprometido. Não lhe poderei dar a atenção que certamente mereceria e que gostaria…sabe, as coisas são como são e não como gostaríamos que fossem. Portanto…
- Certo. Eu não pretendo nada de si que não seja uma bonita amizade…
- É o que gosto de explorar. A amizade é algo que me fascina…
- A mim, também. Acho até que a amizade pode ser um elo de união e fermento de felicidade das pessoas. Eu nunca fui dada a criar amizades, enquanto casada. Pensei ser feliz no casamento, mas as coisas ficaram aquém daquilo que eu imaginei para mim. O meu casamento, que parecia inicialmente vir a ser um bonito conto de fadas, tornara-se qualquer coisa de intragável nos últimos dez anos.
- Os casamentos normalmente revestem essa forma: no início tudo muito lindo, a seguir vem a rotina e tudo poderá descambar.
- Comigo não foi a rotina. Tomara que a rotina fosse igual aos primeiros cinco anos de casamento. Só que em vez de rotina virou plano inclinado e irreversível. Quando se põe em primeiro lugar o dinheiro, a ambição pessoal, o trabalho ou as empresas, algo ficará a perder. No meu caso, o casamento saiu derrotado.
- Concordo. O mundo actual materializou desmesuradamente as pessoas e a individualização tomou o lugar do colectivo. O casamento é um exercício social que não está ao alcance de todos. O respeito e a defesa de princípios e valores devem consolidar-se no interesse comum. Quem o não conseguir, estará perto da ruptura.
- Verdade. Foi o que não tive. Meu ex-marido viveu para a empresa e para o prazer de a ver crescer e verdade seja dita, consegui-o, só que à minha custa, só que à custa de me ignorar, de me relativizar. Eu, enquanto pude aguentar, aguentei, esperançada que mais dia, menos dia e depois de consolidada a empresa, A. Jorge pudesse reverter a direcção, a orientação do seu comportamento e pudesse estar para o casamento, tal como o pensei. Tal não aconteceu e à medida que a empresa crescia, mais ele se entregava à sua ambição, que com o tempo verifiquei ser desmedida e irreversível. Tinha trinta e sete anos e reflecti muito pela primeira vez, sobre o meu futuro e vida. Fizemos terapia de casal e ainda acreditei que tudo iria mudar. De balde. As rotinas do meu ex-marido estavam orientadas para o seu ego e tudo o que girava à sua volta, eram meros acessórios. Tinha uma mulher para dizer que era casado, tinha uma mulher para lhe passar camisas, tinha uma mulher para cozinhar e pouco mais. Senti-me reduzida a um objecto, a um adorno para alimentar o seu ego, especialmente quando me apresentava a outros empresários. Nesse dia ou dias eu era uma rainha. Eu era muito interessante, bonitinha e isso fazia-o feliz nesses momentos. No dia seguinte eu voltava a ser a mesma Constança dos restantes dias do ano. Não era isso que queria, não era isso que queria para mim. Não sou de grandes exigências, mas há um mínimo de que não posso, não poderia abdicar. Queria ter o meu lugar no casamento e não seria por receber presentes caros que me realizaria, se os elementares prazeres não os tinha. Não fui mãe, até por causa disso. Um filho terá de ter pai e mãe. O meu filho, só iria ter mãe. Só guardo memória dos primeiros cinco anos de casamento e curiosamente, os menos afortunados de dinheiro. Estes últimos dez foram muito vagos, insonsos e sensaborões.
- Como disse, o casamento não poderá ser infiltrado pelos valores materiais. O erro do seu casamento foi o seu ex-marido não ter tido sensibilidade para reverter essa orientação, mas também lhe digo, não sei se ele seria capaz. Cada um tem valores que defende e nem sempre o ego permite priorizar o colectivo. Pergunto, será que ele não era autista, no sentido egocêntrico da palavra?
- Por certo…sei que nunca se quis sujeitar a diagnóstico comportamental, mesmo quando aceitamos fazer psicoterapia de casal. Resguardava-se e pouco sabia dele. Só sabia o que ele queria que eu soubesse e em regra só o que lhe dava gozo, tal como o sucesso empresarial, o aumento do volume de vendas e de exportações… Disso eu era sabedora, no resto era muito indiferente. Nem por ter uma mulher bonita. Rsrsrr
- Será ele culpado da sua postura? Será que reunia condições psicológicas para ser casado? Como se sabe, o casamento virou contrato social e a sua aprendizagem faz-se aprendendo com os próprios erros. Quem não conseguir fazê-lo, sai fora e se esse caminho, essa aprendizagem não envolver os dois parceiros, a ruptura estará à porta.
- Foi o que aconteceu connosco. A. Jorge era feliz desse modo e talvez não houvesse nada a fazer. Cada vez acredito que a nossa separação foi o passo acertado. Pena não ter sido na altura em que percebi que o casamento deixou de ter sentido.
- Posso fazer-lhe uma pergunta?
- Sim, pode.
- Sabe o que é feito do seu ex-marido? Voltou a casar? Tem-no visto?
- Vejo-o de vez em quando, mas não mais nos voltamos a falar. Sei que tem uma namorada, mas não sei de quem se trata. Não sei nada acerca dessa senhora. Tudo o que sei chegou-me aos ouvidos e não foram os meus olhos que viram. Disseram-me que os viram a jantar no restaurante “Lua Nova”. É tudo o que sei. O casamento não deu comigo, oxalá possa dar com essa senhora. Pode ser que ela seja menos exigente…não sei.
- Ok.
- Agora que conversamos um bom bocado, não quero tomar-lhe todo o tempo. Agradeço-lhe a disponibilidade para me dar ouvidos. Preciso muito de alguém que me saiba ouvir e você parece ser a pessoa certa. Gostaria de continuar a poder contar consigo como amigo.
- Também foi um prazer trocar impressões consigo. Sempre que me for possível, virei para conversarmos. Um abraço. Até à próxima.
- Para si um abraço amigo. Espero encontrá-lo mais vezes. Xau.
Terminaria deste modo o segundo e tão desejado encontro por parte de Constança, especialmente de Constança. Ela sente que este homem a poderá ajudar a ser mais feliz e a mitigar-lhe a solidão, além de que se proporciona a ouvi-la, qual confessor. Constança nunca havia falado do seu casamento a ninguém e sentiu que o momento certo chegaria, na pessoa de Rodrigo.
Artur Jorge, passado que foi o período de nojo da separação, revela optimismo e saúde psíquica não vista desde o tempo de namoro com Constança. Convém lembrar que viveu apaixonadamente a relação com a ex-esposa até há altura em que a ambição empresarial se priorizou. A derrocada do edifício começaria nesse instante e só agora e perante um novo quadro de afectos, a disponibilidade recrudesceria nos mesmos níveis. A dúvida está em saber se conseguirá não cometer os mesmos erros ou se Felizbela está receptiva a eles, ao contrário de Constança, cuja aceitação nunca seria suportada. A. Jorge configura a personalidade de um homem devoto à causa empresarial e raramente falha objectivos. De uma pequena empresa, transformá-la-ia numa média empresa e tudo leva a crer a ambição não tenha limites. O namoro com Felizbela não refreou esse voraz apetite de se realizar e em cada resultado positivo, um “orgasmo” toma-o de prazer. As insuficiências afectivas, de lazer ou sociais, que o comum dos mortais gostaria de ver resolvidas, em A. Jorge não existem e não existem porque nunca as sentiu e não as sentiu porque não cabem nas suas aspirações de homem.
Felisbela sente um entusiasmo comedido na relação, embora o namorado fisicamente lhe inspire interesse. Dele sabe pouco, muito pouco, apesar de em tempos ser das relações dos irmãos. Em certas alturas, questiona-se sobre quais as razões para a sua separação. Financeiramente, A. Jorge garante estabilidade, fisicamente é interessante, o que teria falhado, pergunta-se. Sabe até, que gostava da ex-esposa, logo não seria da iniciativa dele a separação, contudo, Felizbela não pretende apressar o conhecimento das causas próximas porque o tempo e a sensibilidade feminina, se encarregarão de pôr a nu ou em alternativa, procurar Constança e subtilmente extrair-lhe informação que clarifique as suas dúvidas. Acrescente-se que as duas mulheres não se conhecem, nem nunca se procuraram conhecer. Cada uma assume o seu futuro e autonomia. Passado é passado e Constança nunca esboçaria saber o que quer que fosse acerca do ex-marido, embora lhe tenha zoado que tenha nova namorada. Das duas, a que revela maior curiosidade é Felizbela. Há uns porquês que gostaria de ver esclarecido acerca do passado, tanto de Constança como do seu ex-marido. Enquanto isso, o namoro está activo, empenhado, dedicado e romântico. Artur Jorge está ufano e essa ufania revela-se em alguns pormenores, tais como as inúmeras recordações fotográficas ou em vídeo, que grava e que a sós, gosta de reviver. Um indicador do seu contentamento está num pass-partout com a foto de Felizbela que colocou na mesinha de cabeceira. No seu íntimo, sente deitar-se com ela e com ela acordar. Fala-lhe, promete-lhe muito amor, muitas horas de prazer, muita admiração e estima. Beija a foto, olha-a olhos nos olhos e por vezes não sustém uma lágrima de paixão. Felisbela está definitivamente no seu coração. Conquistou-o, é dela, dizia para si e dizia mais, com esta mulher não quero cometer os mesmos erros, se é que alguma vez os cometi com Constança. Reflexivamente, chegava a trazer ao pensamento a relação passada com a ex-esposa e concluía não ter sido compreendido. Para ele, Constança pecava por ausência de ambição material e se também era certo que não lhe dava todo o carinho e atenção, não era menos certo que a enchia de jóias e de boas roupas e calçado. Verdade, que não lhe dava viagens, porque a empresa o absorvia até com trabalho aos fins-de-semana. Queixava-se pois, por Constança não o ter sabido compreender e concluía, tudo isso é passado e Felizbela é futuro.
O entusiasmo de A. Jorge leva-o a falar já em casamento, sendo que a namorada lhe pede algum tempo mais, para reforçarem e consolidarem os laços de amor. A inquietação dele tem mais a ver com a má gestão que o género masculino tem perante a solidão, do que propriamente com a necessidade de mulher. Os amigos, mesmo sem saberem do namoro, motivam-no para o casamento e recomendam-no como forma de lhe dar mais tranquilidade e serenidade para o seu desempenho empresarial. No seu íntimo, Felizbela preenche-lhe os requisitos. É bonita, corpo bem desenhado e motivo de orgulho para ele e de vaidade quando a fizer apresentar a colegas, amigos ou familiares. A apresentação ainda não ocorreu porque a namorada não se sente ainda definitivamente confiante e não quer entrar nesse jogo. Acha que deverá ocorrer só quando ela disser o sim e também entende que uma apresentação prematura poderá tornar-se ridícula se efectivamente se gorarem os pressupostos do namoro.
Felisbela é uma mulher afirmativa, segura e tudo o que for além da descrição, incomoda-a. Não é dada a pavoneios nem a espalhafatos. Sente-se bem quando passa despercebida. O seu grande propósito de mulher é amar e ser amada perduravelmente. Todo o resto são futilidades. Para ela, vaidade e ostentação são mesquinhices que degradam, em vez de valorizar. A forma como se apresenta, sempre de bom gosto e muito feminina, evidencia toda a sua personalidade. Toda ela difunde sedução natural. Este, um segredo que gosta de sentir.