Pedra no rim dos outros é refresco

Um filme passou em sua cabeça. Amanhã iria partir, trabalhar fora do país. Como foi difícil tirar o passaporte!

Seria amanhã, não fosse por hoje. Duas despedidas via ponte aérea: um adeus fugaz à Laura, loura, pele branca, lábios secos e olhar fulminante, que conheceu há menos de uma semana, em uma festa na Vila Madalena, ao som de afrobeats, funks e toques de jazz. Marcaram à tarde, no metrô Tiradentes. A despedida com Bel seria mais tarde e mais longa, iriam à Cinematèque, em Botafogo, desfrutar um dos shows mais energizantes de Ana Cañas. Neste dia, a cantora ultrapassou a meia-noite proporcionando delírio coletivo em um show inesquecível.

Bel era sua namorada há dois anos. Seu nariz empinado e lábios carnudos a destacaram naquele vernissage. Mas não saíam de sua cabeça as fotos de ontem com Mel, que reencontrou anos depois com a mesma aparência brejeira, em cenário que lembrava a fazenda aonde foram criados.

Desistiu das três. Foi com amigos saciar-se de loucuras adolescentes, terminou de fogo, mais torto que os garfos de Uri Gëller. Nenhuma atenderia mais suas desculpas esfarrapadas. Um filme passou em sua cabeça. Como foi difícil tirar o passaporte! Aonde deixei meu passaporte??

Como disse seu pai certa vez, ao ver de camarote a sua dor: “pedra no rim dos outros é refresco”.

Não o conheço. Nem sei quem está contando a estória, ele ou eu.