Jantar no forno. Vinho sobre a mesa...
Nem era um dia especial. Nenhuma data relevante. Nada comemorativo.
Apenas um agrado. Um jantar regado a um bom vinho. Aliás bem regado, a algumas garrafas de vinho tinto.
Para uma noite de friozinho, boas garrafas de vinho, achou que o ideal era uma lasanha, salada verde e uma manjar de côco para a sobremesa.
Sete horas, lasanha pronta. Dentro do forno, bastava acender a chama azul e esperar por talvez meia hora. A mesa pronta, bem posta com pratos e taças à altura da pequena surpresa preparada. O vinho sobre a mesa, os castiçais prontos para esquentar o ambiente com sua luz difusa.
Tomou um banho demorado. Sais e óleo para a pele. Cabelo escovado.
Em frente ao roupeiro, dedicou-se a agradável tarefa de escolher a roupa. Nada muito chamativo. Tinha que ser descontraída com um toque de sensualidade.
Confortável, mas ao mesmo tempo sugestiva. Tinha que dar a impressão de que fora tudo ocasional. Que não houvera muito esmero. Apenas um toque de bom gosto. Ficar bela sem muita produção. Não é uma tarefa muito fácil.
Nada mais bonito do que uma mulher que sabe apenas realçar o que se tem de melhor, sem usar muitos subterfúgios, muita maquiagem e muita apelação no quesito sedução. Mostrar sem revelar...
Oito e meia. Jantar no forno. Vinho sobre a mesa.
Arrumou as flores. Afofou as almofadas. Colocou um CD. Música tranqüila. Luzes suaves.
Sentou com cuidado a fim de não amarrotar o cabelo recém escovado.
Nove horas. Jantar no forno. Vinho sobre a mesa.
O Cd rodando a última faixa. Decidiu beber uma taça.
Abrir o vinho. Não deveria ser uma dificuldade. Mas foi.
Nunca manuseou um abridor de vinhos. Quando morava com uma amiga, era sempre esta que abria e servia as bebidas. O vinho, sempre pediam para algum visinho que estava chegando em casa e inevitavelmente tinha que passar em frente a porta do apartamento .
Quando trabalhou por um mês em um badalado restaurante no shopping, sempre tinha um colega de plantão a fim de ajudar, isto quando o cliente não pedia uma taça, tornando assim, o trabalhoso ato de abrir uma garrafa do barista.
Foi difícil mais abriu. Da primeira garrafa quebrou a rolha. Mas na segunda foi por um triz, um pouquinho antes de a rolha se partir conseguiu arranca-la com um supetão, virando um pouco de vinho sobre a saia nova.
Com a taça nas mãos o jeito foi ir para o quarto trocar a saia. E desta forma foi necessário trocar também a blusa. Já que a que usava só combinava com a saia manchada de vinho. Aproveitou e trocou o scarpim que estava uma chatice, apertando os dedos...
Quase quinze para as dez, muita fome. Terceira taça de vinho. Várias capas de Cd jogadas ao lado do aparelho de som.
A caminho da busca da quarta taça de vinho, jogou a sandália escolhida para trás do sofá. Quem iria ligar para o que usasse nos pés?
Deu uma olhada no espelho, quando voltava com a quarta tacinha de vinho. O cabelo ainda estava bom. Talvez um pouco virado para fora . Mas até que havia ficado bem.
Muita fome!!! Decidiu pegar umas azeitonas e umas castanhas.
E para aproveitar a viagem até a cozinha uma quinta taça de vinho. Garrafa no finalzinho!! Será possível que teria que abrir outra sozinha?
Dez e meia. Já estava acostumada com os atrasos dele!! Afinal no primeiro encontro há alguns anos atrás ele havia se atrasado quarenta e cinco minutos!!!
Então depois de seis anos , não seria novidade, este pequeno atraso para o jantar.
Quando estava secando a garrafa, sacudindo para que as últimas gotas caíssem, lembrou que hoje tinha um evento e provavelmente ele só chegaria às onze!!!
Que cabeça!!! Nem se atreveu a tentar abrir outra garrafa.
Passando em frente ao espelho notou que de uma hora para outra o cabelo estava crespo...A saia meia torta e a blusa toda amassada.
Vinte para as onze. Ele chega por volta de onze e meia. Dá tempo de deitar só um pouquinho no sofá. Depois era só erguer o cabelo num coque casual. Ele nem ia notar...
Barulho chato!!! Parecia uma sirene...
A campainha, estava tocando. E pelo jeito a pessoa estava impaciente!
Levantou a cabeça de supetão. Puxa, a sala girava. Correu para a porta.
Espiadinha no olho mágico serviu para constatar que ele havia esquecido a chave.
O nó da gravata desmanchado e rosto cansado sugeriam que ele já estava por ali tocando a campainha á um bom tempo!!!
Prendeu os cabelos, ajeitou a saia e preparou um belo sorriso!
- Oiii amorrrr... Tava te esperando.
Credo mais a sala girava mesmo! O jeito era se pendurar no pescoço dele. Afinal para que serviam um metro e oitenta e seis de homem, a não ser para segurar uma mulher ligeiramente bêbada?
- Bah , eu tô um tiquinho tontinha. Fiz jantar. Tá no forno...Abri o vinho...
Ele entrou cauteloso, sorrisinho divertido no rosto e nos olhos verdes. Brindou a moça com um beijo. Beijo saudoso. Beijo amoroso.
- Vai lá ficar mais á vontade, que eu vou ligar o forno. - voz pastosa
- Mas antes abre outra garrafa. Sabe que sou desastrada... Uma delas já era... A rolha está quebrada.
Ele abriu o vinho serviu duas taças, colocou um novo CD para rodar.
Levou a pasta e a taça para o quarto. Tomou um banho relaxante. Colocou uma roupa confortável.
Assoviando foi para a sala. É tudo que um homem precisa depois de um dia cansativo de trabalho. Um bom jantar, um bom vinho e uma mulher a sua espera...
Quinze para a meia noite. O jantar no forno. O vinho sobre a mesa.
E ela... Ela no sofá.
Dormindo. Pernas sobre as almofadas. Braços largados no chão. Literalmente desmaiada... Ele sabia que nem um incêndio acordaria aquela mulher!!
Desligou a luz. Regulou o abajur. Beijou a esposa.
Desligou o forno. Serviu mais uma taça de vinho. Jogou os pés sobre o pufe e ligou a TV. Suspiro cansado... Olhos quase fechando...