Carta ao Presidente

Três horas da tarde e aquele corpo estava ali, caído.

Transeuntes passam e nem notam sua presença, talvez estejam acostumados com este tipo de cena.

Horas mais tarde, chega a polícia, que aciona o IML, as roupas sujas mostram que tal pessoa dever ser um sem teto, um indigente.

Em suas roupas é encontrada uma carta, o papel esta muito amassado e sujo.

Funcionários do IML retiram a carta e a joga fora, não se importam com a mesma.

Dias depois, um garoto, que transitava pelo local, indo para a escola encontra a carta, não sabe por que, mas, resolve lê-la.

Carta ao Presidente:

Senhor Presidente,

Perdoe-me pela intransigência, mas, nestes últimos minutos que tenho de vida queria falar-lhe.

Há muito tempo atrás, fui muito importante na vida dos meus filhos e era de grande importância para todos os que estavam a minha volta e aos que estavam comigo.

Digo que, quando o Senhor foi eleito, fiquei muito contente, afinal, um homem do povo, que conhecia o povo, que conhecia a necessidade do povo e que sabia realmente o que fazer para as coisas melhorarem.

Senhor, peço desculpas novamente, mas, tenho que desabafar.

Bem, vou ser sincero ao Senhor, fui abandonado, perdi tudo o que eu tinha, fui roubado, destruído.

Confesso que, tive uma boa vida, tive muito dinheiro, e muitas riquezas, que não foram bem administradas.

Aos poucos fui empobrecendo, perdendo tudo o que eu tinha, até restar o que eu sou agora.

Melhores tempos virão, diziam, infelizmente, os tempos melhores nunca chegaram.

Foram feitos empréstimos em meu nome, que, com juros altos, não foram pagos, foram refinanciados, não sendo pagos novamente, ficou para mim, somente dividas e sofrimento.

Depois de um tempo comecei a observar que nada dava certo, mudavam as pessoas, mas mesmo assim, as coisas não mudavam, as pessoas iam enriquecendo, enquanto eu, empobrecendo.

Tive várias empresas, as que davam lucros, foram vendidas, as demais, ficaram sucateadas, destruídas, e o que é pior, nunca vi o dinheiro das vendas de minhas empresas.

Me disseram, que o dinheiro foi para me ajudar, ajudar aos meus filhos, mas sinceramente, tanto eu quanto os meus filhos, continuamos na miséria.

Desesperei-me.

Olha Senhor presidente, é muito difícil ver um filho seu passando dificuldades, mas como ajudá-lo se não tenho condição de fazer.

Sofro. Sofro muito em ver tudo isso.

Estou doente, meus filhos também estão, mas fazer o que, a Saúde Pública esta na UTI, quase morrendo.

Acho que a Saúde já morreu e estão nos enganando, pois, não tem coragem de dizer-nos a verdade, nua e crua, como ela realmente é.

Entre, muitas das minhas doenças, está a depressão, estou desiludido, estou inseguro, infeliz.

O meu futuro é incerto.

O futuro da minha família também.

O que é pior, sou rico, muito rico.

Já troquei por várias vezes de administrador, mas não adianta, sempre sou roubado.

Não sei o que fazer.

Estou morto, mas estou vivo, muito vivo.

Sou rico, mas sou pobre.

Vivo, eu e meus filhos do resto, do resto da sociedade dominante, do resto dos meus administradores, que sugam o meu dinheiro, antes de irem embora.

Senhor, sei que esta carta esta ficando chata, mas, é que eu preciso falar estas coisas.

Preciso me abrir com o Senhor, só o Senhor pode me ajudar, antes que seja tarde.

Tarde demais.

Para os meus administradores tudo esta bem, estou com boa saúde, meus filhos também.

Estou bem seguro, dizem que a minha segurança é exemplar, bem como a de meus filhos, o que não é verdade.

Dizem até, que os meus filhos mais velhos estão, bem cuidados e que recebem o suficiente para suas necessidades.

Ah, já estava me esquecendo, dizem que a minha educação e a de meus filhos são de primeiro mundo. Se é que há primeiro, segundo, terceiro mundo.

Tem a questão do emprego, todos os meu filhos estão empregados, e ganham bem, pelo menos é o que dizem meus administradores.

Ah, como sofro, pensam que eu sou burro, idiota, esquecem que, quando eles chegaram aqui, eu já estava, há muito tempo.

Pensam que me enganam.

Não agüento mais, por isso estou assim agonizando, esperando o dia da minha morte, e a dos meus filhos, que, aliás, estão cada dia morrendo mais, e de forma cada vez mais injusta.

Estou fraco, Senhor presidente.

Sem forças.

Vou parar por aqui.

Desculpe, Senhor, por incomodá-lo.

Estou delirando...

Não estou legal...

Acho que...

Acho que vou morrer.

Assinado.

Brasil.

27/03/2008

Marc Souz
Enviado por Marc Souz em 27/03/2008
Reeditado em 27/03/2008
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