Vida real
- Vai demorar muito, papai?
- Não, nós já estamos chegando.
- Nós já estamos chegando?
- Sim, agora falta pouco. Muito pouco.
- É que eu to cansado.
- Eu sei meu filho... O papai também está... A mamãe também está cansada. Daqui a pouco a gente chega ta.
- Ta bom!
O cansaço era só um detalhe na vida deles.
Uma vida de sofrimento e dificuldades. De luta e superação. Mas que nunca fez com que desanimasse ou maldissessem a vida que levavam, pois, mesmo assim, eram felizes.
José estava muito contente neste dia, tão contente que nada o fazia desanimar, o caminho era longo, o calor intenso, mas ele não deixava se desanimar, vez ou outra pegava seu filho no colo, para que ele não sofresse muito, afinal, já estavam andando há algumas horas, mas, para José, tudo era válido, afinal, era o dia da mudança, o dia mais feliz de sua vida e de sua família.
No caminho, lembrava-se das noites fome e frio que passara.
A dor, que tinha no coração, quando via seu filho, tomando banho na fonte da praça central da cidade, suas únicas fontes de água para o banho. Vez ou outra tinham que fugir da policia, ele sua esposa e seu filho, pois, não queriam que eles tomassem banho no local. Se eu não tomar banho na fonte, vou tomar aonde, pensava.
Não tinha casa, morava em qualquer lugar.
Dormia na rua, embaixo de viadutos.
Fora agredido, muitas vezes.
Fora humilhado outras tantas.
Ninguém o queria lá.
Nem ele, nem sua família.
Mas, o que fazer, não moravam na rua por opção e sim por necessidade.
Não tinha onde morar.
Vivia de migalhas, do resto da sociedade.
De dia, pegava seu carrinho, improvisado com restos de metal, arame e papelão, e saia pela cidade, juntamente com seu filho de cinco anos, pegando todo e qualquer lixo que pudesse ser reutilizado, latas de alumínio, papelão, vidros, etc., enquanto sua mulher, ia para as feiras onde pegava restos de frutas e verduras que comeriam no jantar.
O pouco que ganhava, José, gastava com seu filho.
Leite, fraldas, algum doce que o menino visse em algum bar.
De noite, procuravam um lugar para dormir, a cidade, muito grande, dava-lhes um leque de variedades, de locais onde poderiam dormir, uma casa abandonada, um viaduto, uma praça, qualquer local poderia ser escolhido.
Muitas vezes quando chovia, a proteção de José e sua família era o carrinho, objetos de seu trabalho, ele virava-o de ponta cabeça, vindo a se esconderem de baixo dele.
José sempre procurava lugares que assegurasse sua segurança e de sua família, se é que morando na rua, há algum lugar seguro.
Nunca ficavam perto de viciados ou de outros moradores de rua, pois, tinha medo que algo de ruim acontecesse com sua família.
Para José a sua família era tudo.
Ele não tinha nada, além dela, e sabia que lhes dava muito pouco, mas, infelizmente, dava-lhes o que podia.
Amava sua mulher e filho.
Amava muito.
Sua mulher entendia tudo muito bem, apesar das dificuldades era feliz.
Cuidava do filho e do marido, não se importava com as dificuldades, não se importava, com a vida que estava vivendo.
Um dia ela teve uma casa, uma família muito grande, e os amava muito, mas um dia ela resolveu vim para a cidade grande, perdeu os laços familiares, perdeu o emprego, perdeu sua dignidade, mas encontrou José, que a protegeu, que cuidou dela.
Casaram. Na rua mesmo. Fizeram uma cerimônia, ela e José, na frente da igreja, quando estava havendo um casamento no local, fizeram das palavras do padre ao casal, suas palavras, fizeram dos convidados do casal seus convidados, fizeram da festa do casal sua festa.
Foram até o local da festa, e do lado de fora, pois não podiam entrar, dançaram, dançaram a noite inteira, e quando terminou a festa, entraram no local, e dos restos da festa fizeram seu banquete.
Meses depois, ela ficou grávida.
José cuidou dela.
Apesar de morarem na rua, José, dentro das possibilidades, fez de tudo para ela, até o dia em que ela ganhou seu bebê, em um desses Prontos Socorros da cidade.
Este dia foi o dia mais feliz da vida de ambos.
Agora estavam mais ligados, e juraram que, nunca se separariam, e cuidariam de seu filho, para que ele fosse feliz, feliz como eles.
Apesar de morarem na rua, eles sempre foram felizes, faziam das pequenas coisas, grandes coisas.
Um brinquedo encontrado era imediatamente transformado em presente ao herdeiro.
Uma boneca velha um bicho de pelúcia danificado, qualquer coisa José transformava em presentes para sua esposa, até mesmo, flores furtadas em um jardim, transformavam-se em um belo ramalhete de flores.
E assim viviam.
Até que um dia José descobrira um parente distante, aliás, o único de que se lembrava, pois, há muito tinha vindo do norte, e como sua esposa, perdera todos os laços familiares.
Foi até a casa dele, e em uma conversa, o mesmo disse que iria lhe ajudar, antes de voltar para o norte, onde segundo contou, voltaria para poder morrer em paz, com a sua família.
E assim foi feito, dias depois, estava José e sua família, em uma praça da cidade, sua esposa havia trazido várias frutas da feira, e com um dinheirinho que ganhara, José comprou um pacote de pão de forma e um refrigerante, e resolveram fazer um piquenique, quando de repente, o parente de José passou no local, deu um abraço em toda a sua família, entregou algo a José, e se foi.
José leu e chamou sua família.
- Nós vamos a um lugar.
- Onde - perguntou sua mulher.
- É segredo, quero fazer uma surpresa... Mas eu garanto que vocês dois vão adorar.
- Oba, adoro surpresa – disse o filho de José.
E assim se foram.
José estava feliz, muito feliz.
Andando, pensava em tudo o que estava lhe ocorrendo.
Pensava na sua vida e se sentia bem, muito bem.
A cada passo que dava, a cada minuto que passava sentia-se mais apreensivo, mais animado, mais feliz.
Todo um filme passava por sua cabeça.
Desde o dia em que deixara sua terra natal, até esse dia.
- Papai, ainda vai demorar muito.
- Não – disse José logo após ler um papel que tinha nas mãos – Já estamos chegando.
- É bom a gente chegar logo que já não estou agüentando mais meus pés – disse sua mulher.
- Pode ficar tranqüila, vai compensar todo o nosso cansaço, você vai ver.
Andaram mais alguns minutos e pararam de frente a um barraco feito de latas grande de óleo abertas e pedaços madeira, coberto de telhas de amianto.
- Bem – disse emocionado – Apresento a vocês a nossa casa.
Sua esposa e seu filho ficaram parados, olhando e não acreditando no que ouviam.
- Vamos, a partir de hoje vamos morar aqui, essa é a minha surpresa a vocês, esse é o presente que ganhamos. – disse muito emocionado – Agora... Agora... Temos um endereço, um lugar para morar, para descansar, essa é a nossa casa.
O choro tomou conta de todos.
Uma casa, pensavam.
- A partir de hoje, viveremos aqui, não é nenhum palacete, mas a partir de agora não precisamos mais morar na rua.
- É a casa mais linda que eu morei – disse seu filho chorando, de emoção – Pai posso entrar – diz extasiado, feliz.
- É claro filho.
- Pode não ser um palacete para você, mas para mim é, e eu estou muito feliz, muito mesmo, te amo – diz sua esposa beijando-o com muito amor.
Emocionados abraçam-se, seu filho, ao ver o que esta ocorrendo, volta, e abraça-os também.
Nesse momento, José se acha o homem mais feliz do mundo, pois, a partir de agora tem uma casa, uma casa na favela.
Marc Souz