De como um CONSELHO MATERNO pode te dar situação....
CONSELHO MATERNO
Tristeza e solidão, o cemitério trazia a todos uma impressão de desolação e ausência. Na pequena capela, em câmara ardente, o defunto Osmerindo era pranteado pela viúva e pelos filhos do primeiro casamento, alguns amigos, os primeiros a chegar.
Altamirano e Horácio eram os mais chegados. Quase irmãos de Osmerindo, aposentados do banco, amigos de longa data e de inúmeras partidas de dominó. Claro antes de ele casar com a jovem, agora viúva, Ana Clérida. Depois do casamento recente, menos de seis meses, Osmerindo não tinha mais vontade de jogar. Os mais ferinos diziam que ele não tinha mais era força para levantar as pedras do dominó.
Bem que Altamirano e Horácio avisaram que era um passo precipitado. Ana Clérida era jovem demais, só tinha vinte anos, contra os quase setenta de Osmerindo.
- Meu irmão, não faça isso não – alarmou-se Altamirano – Ela é muito moça!
- Na verdade tem idade de ser tua neta! – alfinetou Horácio.
- Ora! Pra burro velho, capim novo, meus amigos! – dizia feliz Osmerindo – vocês são uns preconceituosos, só por que ela é mais jovem...
- Bem mais jovem – observou Horácio, azedo – bem mais jovem...
- Pois seja! Isso não quer dizer nada, Horácio. Há casamentos assim que duram anos e anos, na maior felicidade.
- Mas, o povo não vai te deixar em paz, homem de Deus! Vais passar por velho gaiteiro, por corno! – desesperava-se Altamirano.
Osmerindo queimou-se.
- Olhe aqui, amigo velho, não lhe dou essa liberdade! Aninha é moça direita e se quer casar é por que é carente, faltou-lhe afeto paterno.
Horácio foi incapaz de controlar a risada.
- Realmente, agora quer compensar a falta de afeto duplamente! Avô não é pai duas vezes?
As relações de ambos ficaram estremecidas por uns dias. Mas, Osmerindo não era pessoa de guardar rancor, convidou Horácio para padrinho de casamento. Dona Anunciada, mulher de Horácio não aceitou.
- Veja só se eu, mulher de maior, vou me sujeitar a um ridículo destes! Não, meu filho, trate de declinar do convite.
Mesmo assim compareceu ao casamento, que foi concorridíssimo. Os filhos de Osmerindo não tinham onde enfiar a cara. A mais nova, Lúcia, jovem senhora, mãe de filhos crescidos, chorava no ombro de dona Anunciada, sua madrinha de batismo.
- Minha Nossa Senhora do Céu, madrinha! Papai enlouqueceu...Coitado! Onde ele foi arranjar essa idéia? Casar na igreja, com essa...essa..- não encontrou qualificativo para a nova mulher do pai – O fotografo perguntou ao mano onde estava o noivo. Quando Humberto disse que o noivo era o papai o sujeito não se conteve e riu na cara dele, e o mano ficou com a cara no chão! – disse a moça soluçando.
- Tenha calma, minha filha – disse Anunciada contendo o riso pronto a explodir. Conteve-se a custo, para não aumentar a dor da pobre.
E a Ana Clérida? Ora, a Ana Clérida! Bem do seu, metida em um alvíssimo e caríssimo vestido de noiva, parecia não se dar conta do riso dos netos do noivo, da cara fechada dos parentes dele, do vexame estampado na cara dos seus parentes, da curiosidade sem disfarce das pessoas.
Arranjara-se! Bons conselhos os de mamãe. Ditos em hora de raiva, sim, mas nem por isso menos sábios.
- Do jeito que estás falada no bairro – disse a mãe num acesso de raiva – só um velho de setenta vai te querer, e olhe, se for muito burro pra comer gato por lebre!
Conselhos válidos os de mamãe, que a querer livrar-se da “promissória” que representava Ana Clérida, conhecida como a dadivosa do bairro e adjacências, mais conhecida do que carne de vaca, já provada e reprovada pelos batoteiros todos, calou-se e não riu quando Osmerindo, metido num terno, veio pedir a mão da filha em casamento.
Os irmãos da “dadivosa” foram despachados para o quintal a um olhar seu. Fossem rir nos infernos, e baixo para não serem ouvidos.
O pai de Ana engasgou-se. Tossiu mais de meia hora, um vexame! Mas deu um “permito” estrangulado, antes de correr para o banheiro. Tinha a bexiga frouxa, qualquer gargalhada podia urinar-se.
Mas, Osmerindo não notava nada, podiam todos estar despreocupados. Ele queria mesmo era Ana Clérida. Por ele nem havia necessidade de casamento, mas ela insistia. Queria mesmo era seu corpinho jovem e firme, sua falta de pudor. Pudores os teve com a falecida, que se recusava a certas variações sexuais que Osmerindo, por assim dizer, tentou introduzir no leito conjugal. Mas a mulher, cheia de princípios, zangou-se: fosse fazer aquelas porcarias com as prostitutas, pois ela, mulher de respeito, é que não ia concordar com aquilo.
Ana Clérida concordava com tudo, e até inventava outras que ele nunca havia visto, claro, fingia inocência, mas Osmerindo achava mesmo que era da idade.
O primeiro mês de casado foi um dos mais difíceis para Osmerindo, a empregada, remanescente dos tempos da falecida, deu-se de muito ofendida. Há trinta anos trabalhando na casa, não seria aquela...aquela...- não conseguia classificar a nova patroa – que iria dar-lhe ordens, bulir em sua cozinha!
- A senhora trate de atender bem à nova patroa, senão, rua!
- Isso é uma injustiça, Seu Osmerindo! – protestava Marta.
Lucia consolava a pobre como podia. Mas a situação era mesmo muito constrangedora.
- Eu criei vocês, Lucinha! Eu mais a falecida, que Deus a tenha, tão boa, coitada! Você e Betinho são como meus filhos, e agora por causa dessa...dessa – não podia classificar a intrusa – seu pai vem me gritar como se eu fosse negra do eito! É muita humilhação, minha filha, ele disse que me põe no olho da rua! Isso é uma injustiça sem nome – chorava a pobre.
Aborrecida, Lúcia falou ao pai.
- Olhe aqui, papai, o senhor resolveu casar, muito bem, nós não fomos contra a sua vontade. O senhor que viver com a...a....- faltava-lhe adjetivos – viva e bem, mas a Marta vai pra minha casa, por que eu estou vendo a hora dessa coitada morrer de um derrame.
- Por mim – Osmerindo deu de ombros, irritado – já vai tarde. Ela está é muito confiada, isso sim. A Aninha tem razão de não gostar.
Lúcia revirou os olhos, assombrada. Até onde aquela loucura iria chegar?
Porém Ana Clérida procurava mostrar-se cordial com os enteados e com toda a família. Mas chamava o velho de Ozzi, na frente dos outros o que deixava Lúcia e Humberto envergonhados.
Laura, a mulher de Humberto não se continha, ria as gargalhadas, segurando a barriga de quase nove meses.
- Como é mesmo, Lúcia? Ozzi? Ai meu Deus!
- Não ria Laura – reclamava Humberto desesperado – não vê que a coisa é séria?
- Séria? Ai meu Deus – dizia Laura correndo para o banheiro, aos oito meses, gargalhadas e urina andam de mãos dadas – Pelo amor de Deus!
- Lúcia, tenho andado acossado na repartição - disse Humberto, aproveitando a ausência de Laura, que estava no banheiro – os meus colegas vivem de zombaria, já não se dão ao trabalho de disfarçar, me perguntam se aquela...aquela.. – também ele não encontrava qualificativo, aliás, ninguém – vai fazer parte da herança do velho.
- Isso acaba mal, mano, muito mal. Aquela...aquela...tem vinte anos, meu filho mais velho tem dezessete! As pessoas maldam! Proibi Otavinho de ir à casa do avô.
- E eu não sei por que o velho quis aquela...aquela... por que ele podia ter casado, podia ter escolhido uma mulher de quarenta, cinqüenta anos. Agora está sendo chamado de velho gaiteiro – falou Humberto irritado – dizem que só vive de cama com aquela...aquela..
- Puta! – completou Alzira, mãe de Laura, que ia entrando naquele momento – não sei por que ninguém acha qualificativo para a mulher de Osmerindo, mulheres daquele tipo chamam-se putas, meu filho, e teu pai é um velho gaiteiro, sim, Humberto – Alzira tinha bons motivos para não gostar de Osmerindo. Sendo viúva, cinquentona bem conservada, alimentou esperanças de um romance, talvez um novo casamento. A família fazia gosto, era simpática, dava-se bem com todos, era afável e carinhosa. Amava o genro, coisa muito rara – não vê que é ridículo! Dia desses me apresentou à putinha – imitava o tom de voz de Osmerindo – “Aqui, Alzirinha, é a minha Aninha, minha mulherzinha! Cumprimente a Alzirinha, amorzinho”.Não me dei por achada. Virei as costas e fui embora.Um desplante!
- Sabe como aquela...aquela...
- Puta! – esclareceu Alzira.
- Pois é – ousou Lúcia, contente de alguém haver tido a coragem de dizer o que ela pensava – Sabe como ela chama o pai, Dona Alzira? Advinha? Ozzi!
- Onde vamos parar, meu Deus! – disse Alzira desabando na cadeira, com a mão nos olhos.
Na pracinha do bairro, onde se enfrentavam diariamente os habituês do dominó, os velhos comentavam a situação de Osmerindo. Não contavam mais com ele, um dos bons, dos excelentes mesmo. Uma lástima perde-lo como parceiro! Mas isso não os impediam de malha-lo tranqüilamente, nem as presenças de Altamirano e Horácio respeitavam mais. Antes tinham um certo pudor de falar diante deles, mas o próprio Horácio não se contendo dava início à falação generalizada.
Astrobaldo, também aposentado, da rede ferroviária, perdedor contumaz de inúmeras partidas que jogara com Osmerindo, sentia-se vingado. Não podendo malhar o jogador, malhava o homem.
- Pois é, meus amigos, foi a minha senhora que ouviu, ninguém contou! Mas ela é uma santa ainda arranja desculpas pro velho gaiteiro. Veja bem, minha casa é parede meia com a do camarada. Menino! De noite é uma zoada medonha, coisa de se ouvir deitado! – dizia o fofoqueiro com expressão maliciosa - Qualquer dia destes vou começar a cobrar ingresso. Só não sei até quando ele vai agüentar, mas é cada gemido, cada suspiro! E a cama, rangendo?
Altamirano baixava o rosto, envergonhado pelo amigo. Horácio, ao contrário, divertia-se.
- Mas o que você me conta, Astrô, meu velho?
- É isso, Horácio velho de guerra. Vai ver que o velho está forçando na catuaba e no pau-ferro...
A turma caia na risada, mas calaram-se, pois neste momento Ana Clérida dirigia-se ao ponto de ônibus fronteiro à praça. Os velhos a observavam, gulosos. Bonitinha, alourada, carinha de sem vergonha, roliça como um caju. A velharada espichava os olhos. O tal do Osmerindo era muito sabido mesmo. Ai! Que inveja.
Os meses que se seguiram foram para Osmerindo de muitas alegrias e alguns sobressaltos, porque a Aninha era muito exigente viu-se na impossibilidade de colocar a chapa no copo para dormir, por que a moça enojara-se daquilo, agora dormia sobressaltado, com medo de engasgar-se.
Sendo muito jovem e muito, muito fogosa, e ele não querendo dar parte de fraco, via-se na obrigação de satisfazer sexualmente à jovem esposa, que se ardia em desejos pelos menos quatro vezes por semana. Daí passou a consumir remédios e mais remédios. Não havia raizeiro e benzedor que ele não encomendasse garrafadas e tônicos.
O médico da família, seu amigo de muitos anos, o aconselhava a parar com aquela bobagem.
- Vá devagar com esses estimulantes, Osmerindo. Sua pressão está alterada, esses remédios costumam ter fortes efeitos colaterais! E depois você toma coisas que nem sabe o que é, pode ter uma intoxicação!
- Então me passe um remédio que faça efeito e não seja assim, Dr. José – dizia meio envergonhado - mulher jovem, o senhor sabe...
- Sei sim, e não lhe passo coissíssima nenhuma – dizia irritado o médico que cuidara também da falecida – o senhor já está muitíssimo bem medicado! Só lhe previno que qualquer dia destes o senhor vai bater as botas, isso sim! E passe muito bem.
E aí para Osmerindo era pau-ferro, pó de guaraná e ovos de codorna. Mandara importar pó de chifre de rinoceronte africano, comera testículos de bode, testículos de boto da Amazônia, logo ele, tão enjoado com comida, que no tempo da falecida servia-se de pratinhos especiais, carne sem nervos, peixinhos catados, sujeitava-se a comer essas porcarias e outras beberagens de meter medo a qualquer cristão.
Ao completar cinco meses de casado a jovem esposa disse que queria ir ao Motel. Era um velho hábito, adorava o ambiente, não passava sem a hidromassagem, e já há quatro meses não ia, um absurdo!
Osmerindo foi, para satisfaze-la, para matar também a curiosidade. Nunca havia ido a um motel nos tempos da falecida. Teve uma crise de reumatismo por causa do choque térmico entre a escaldante hidromassagem e o ar condicionado. A cama vibratória deu-lhe uma tremenda crise de coluna. Foi tratado pelo Dr. Antonio, que nunca recusava um pedido de Humberto, seu afilhado.
- Pelo amor de Deus, meu padrinho, atenda ao pai. Ele não sabe o que está fazendo...
- Não diga isso, não, Humberto. Esse velho gaiteiro devia ter pensado nisso antes de cometer esse despautério... Uma mulher de vinte anos! Isso é um verdadeiro absurdo! E ainda por cima com aquela cara de...de...
- Até o senhor, padrinho?
- Bem, bem...Diga ao velho gaiteiro para tomar esses medicamentos. Mas eu estou avisando Humberto, isso acaba mal, muito mal.
Na véspera de completar seis meses de casado Osmerindo conseguiu dissuadir a mulher da ida ao motel, foram jantar assistir um filme, ela não gostou muito, mas ele a consolou com uma bela jóia.
Porém aos sete meses foi impossível dissuadir Aninha que chorava e fazia cena. Osmerindo acabou por ceder. De véspera contratou com o raizeiro uma garrafada fortíssima, pra levantar defunto. O raizeiro prometeu uma capaz de causar ereção em múmia do Egito. E deu. Deu em Osmerindo uma ereção de duas horas, a mulher comemorava.
- Ai, Ozzi, meu bem, hoje está demais! Vamos, mais umazinha!
O problema foi que depois. Cadê que não queria baixar a guarda, mesmo depois de duas horas de lufa-lufa? E tome água fria, gelo e nada. Aninha não se alterou.
- Vamos aproveitar, Ozzi! Enquanto está de pé...
O velho não agüentava mais, mesmo estando “de pé” o coração estava batendo descompassado.
- Mas, minha filha, não dá...!
- Que não dá o que, Ozzi!? Dá e dá muito, você sempre não diz que côco velho é que dá leite?
E tome lá mais duas horas, até que finalmente a ereção se desfez, mas Osmerindo estava cianótico e ofegante, mas a Aninha não deu por isso.
- Olha ai, Ozzi, não disse que baixava?
O velho tentou sorrir, mas mesmo sorrir era um esforço grande demais.
Em casa, na cama, Osmerindo sentia-se cada vez pior, mas a Aninha estava cansada e dormia como uma pedra. Aliás, era sempre assim, mesmo que a casa desabasse, ela não acordaria, e ele tinha pudor de gritar por alguém.
Com muito esforço levantou-se e, cambaleante, foi ao banheiro onde, junto à sentina viu com espanto a falecida, com as mãos na cintura dizendo em voz tonitruante:
- Olha aí, velho gaiteiro, é o fim...
Desabou no chão, sentindo a morte entrar pelas narinas. Mas não era a morte e sim a diarréia que lhe deu no último instante.
Foi encontrado de manhã, pela faxineira, sem que a Ana Clérida, agora viúva desse pela coisa.
No velório os filhos olham disfarçados para a viúva que já não chora. A casa ficará com ela, já não querem voltar lá. Só vão tirar o pouco que restou de lembrança da mãe, mas não tem importância.
Lúcia consola-se com a idéia que o pai morreu feliz. E Humberto alivia-se pensando que daí a pouco ninguém mais vai comentar a história. Dá uma olhada na viúva, mas é detido por uma furiosa pisada no pé e o olhar furioso de Laura.
O marido de Lúcia contém os dois filhos adolescentes, ameaçando com surra e polícia, caso pensem em aproximar-se da viúva do avô.
Altamirano e Horácio estão tristes, um por perder um amigo querido, quase irmão e o outro por perder seu assunto favorito, que preenchia o sem sal da vida vazia de aposentado.
A viúva suspira já sem lágrimas, não há mais necessidade de fingir. Venderá a casa, já tem em vista um apartamentozinho bem bonzinho, perto da praia; olha em volta, com tédio. já não lhe interessam aquelas pessoas, e nem mesmo o olhar guloso e pedinchão dos outros homens da família, como do neto do velho e mesmo do filho, lhe interessam. São uns pobretões e mamãe diz sempre que homem pobre é uma desgraça! E ela tinha razão!
Mamãe era uma pessoa de valor, sábia e competente, sabia criar os filhos, e dar-lhes valiosos conselhos. Pensava a jovem viúva, contente.
Bons conselhos os de mamãe, oh, sim! Ditos num momento de raiva, certamente, mas tão valiosos e abalizados!
Por isso mesmo já havia separado um dinheirinho para a mãe. Era de justiça oferecer uma pequena quantia em agradecimento, foi de muita valia tão bons conselhos, ditos numa hora tão própria. Se não fosse a querida mãezinha teria rejeitado o velho e agora não estaria tão bem.
Sábia mamãe querida! Brava sim, mas tão sabida!