A SERVIÇO DA SAÚDE

O doutor Dalton era conhecido por sua moral irrepreensível. Diretor de grande centro hospitalar foi requisitado pelo governo do Estado para “por rédeas” no hospital de pronto-socorro, onde a corrupção e o roubo eram incontroláveis.

Entrou “com o chicote de domador” nas mãos. Cortou despesas, demitiu funcionários contratados e incapazes, deu altas broncas no corpo de enfermagem, repeliu os subornos, refreou e proibiu contatos inconvenientes para um ambiente hospitalar – ai de quem fosse pego aos beijos! – criando uma turma itinerante para fiscalização e “ponto” de presença – a famosa pororoca, que ninguém sabia quando poderia ocorrer – enfim, botou o hospital para funcionar como uma maquina bem azeitada. O governador estava arrependido, perderia votos por causa da intransigência do doutor.

Saiu ao final do mandato com a sensação de dever cumprido. Sua saída foi comemorada por alguns e lamentada por outros.

Voltou-se para seu consultório e para a empresa onde praticava medicina do trabalho. Era justo, mas continuava intransigente. Atestados que lhe parecessem graciosos eram sumariamente rejeitados e o portador tomava uma tremenda descompostura. Os colegas divertiam-se com suas tiradas e muitas vezes acolhiam os atestados por ele rejeitados. Não eram malucos de parar no Conselho de Medicina por contestar um atestado emitido por um colega.

- Dalton você é maluco!? – divertia-se Dr. José, o velho pediatra, também a serviço da empresa – Já pensou se o Doutor Maurício, com aquela pose toda fica sabendo que você afirma que o atestado que deu para a sobrinha foi chamado de gracioso? É processo na certa!

- Mas essa moça nunca teve nada na coluna, Zé! – contestava, teimoso, o Dr. Dalton – Está em perfeita forma!

- Mas precisava de um tempo para processar o fora que o namorado lhe deu, Dalton, meu filho! – retrucava Dr. José, em meio a uma crise de riso – Ou você quer que a pobre moça seja vista na empresa com a cara inchada de tanto chorar!

- Isso é um absurdo!

O doutor não se conformava com aquilo, era uma licenciosidade. Não se conformava também com o hábito generalizado dos colegas em manter amores clandestinos no ambiente de trabalho. Não era santo, mas que no ambiente de trabalho não lhe aparecessem “candidatas”. Era uma desmoralização, pensava.

E as candidatas não faltavam, fosse onde fosse. O doutor era um tipão! Moreno de bastos bigodes, alto, a cabeleira perfumada e bem penteada, a roupa impecável, gestos elegantes, gosto refinado. Arrancava suspiros das enfermeiras, das médicas e pacientes.

A Madalena, atendente e secretária, amiga já de muitos anos, encarregava-se de por para correr as mais ousadas. Não se importava que falassem dela pelas costas: nada tinha com o doutor além da amizade e da gratidão. Não fora ele quem socorrera sua mãe, quando a velhinha, nas últimas, ficara sem socorro, e conseguira reverter o quadro, dando a pobrezinha mais uns aninhos de vida? Não fosse por seu intermédio como entraria na grande empresa? Foi ele quem lhe deu forças para preparar-se. Devia muito ao doutor!

Foi requisitada para trabalhar com ele no setor de medicina do trabalho, e de quebra, dava assistência no consultório. Virara uma espécie de leão de chácara do doutor. Botava para correr as ousadas, as incomodativas e as safadas. O doutor tinha moral! Se tocassem.

Porém, se o doutor era moralmente inatacável, também era compreensivo com os dramas humanos, procurava entender seus pacientes, dando-lhes a ajuda que os remédios eram incapazes de dar. Reconhecia que, às vezes, o paciente só precisava desabafar, falar de si mesmo. Não negava uma palavra de apoio.

Um dia, no expediente da empresa, apareceu-lhe um funcionário. Tímido, baixinho e franzino, pediu-lhe que medisse a pressão, pois não se sentia bem. O doutor fez-lhe um exame físico completo, e asseverou:

- Você não tem nada, meu amigo, sua pressão está ótima!

- Mas, doutor, eu me sinto muito mal! – retrucou o homenzinho, torcendo as mãos – É uma agonia no coração, uma falência!

- Bem, isso pode ser stress. Alguma situação difícil em casa?

O paciente começou a chorar repentinamente. Soluçava alto, deixando o doutor constrangido e preocupado.

- Ora! Ora! – disse o doutor, batendo fraternalmente no ombro do homenzinho – Que é isso?

- Ah, doutor! Eu sofro muito – disse, entre soluços – tenho vivido angustiado!

- Bem...Bem...E como posso ajuda-lo?

- É que me casei recentemente, doutor. Mas, a minha mulher... – e soluçou ainda mais alto – não me compreende, doutor! Eu vou acabar um corno! Um corno!

Ai o doutor botou a psicologia para funcionar: Falou na compreensão que deve existir entre os casais, no diálogo aberto e franco. Empolgado, defendeu a mulher, dizendo que muitas vezes a insatisfação no casamento, faz com que se tornem amargas. E completou:

- Você tem sido um bom marido? A tem procurado? É carinhoso?

- Tenho procurado doutor, mas é que...- o homenzinho ficou vermelho como um tomate – acho que tenho o pinto muito pequeno.

Ai o doutor botou a anatomia para funcionar. Declarou que isso não é verídico, que a anatomia humana é mais ou menos igual, que na verdade os pênis grandes são raros e que a média do brasileiro não ficava além dos quinze centímetros.

- Ora, doutor! Eu nunca tive preocupação em medir. Mas tenho certeza que não tenho isso tudo – disse, entre lágrimas, tirando o dito cujo para fora das calças – e exibindo-o ao doutor – veja bem.

Movia o pênis para lá e para cá, num desgosto de dar dó. Tristíssimo, disse que acreditava estar sendo traído com o vizinho, sujeito parrudo, a quem ele tinha medo de abordar. Sentia-se um desgraçado! Já havia perguntado à mulher se ela tinha ido para a cama com o vizinho, mas ela negava. Mas, ele tinha certeza. Um homenzarrão daqueles devia ter um pinto capaz de satisfazer a qualquer mulher, diferente dele, com aquele amendoim entre as pernas. E soluçava alto.

O doutor, exasperado com aquele drama, penalizado com a situação do homem, resolveu fazer uma coisa inédita. Mandou que o homem se compussese e, levantando-se, tirou o seu próprio pinto de dentro das calças, mostrou-o ao funcionário.

- Veja, rapaz, não é nada diferente do seu, e eu sou muito mais alto que você.

- Não, doutor – disse o homem cheio de admiração – é diferente! O do senhor é um senhor pinto!

Neste momento, uma das ousadas que o assediavam, aproveitando a ausência de Madalena, invadiu o consultório, abrindo repentinamente a porta. A cena insólita, a deixou muda:

O doutor Dalton, de pé, calças arriadas, mostrava o pinto ao servidor que, sentado na cadeira em frente a ele, admirava-lhe o instrumento de boca aberta.

Não houve explicação que a convencesse, nem mesmo quando o doutor declarou, sério, que estava ali a serviço da saúde, a mulher mudou a expressão de espanto grudada em sua cara.

O paciente eclipsou-se. Madalena, ao chegar, deu com o Doutor sozinho, sentado em sua cadeira de atendente, lívido, a cabeça entre as mãos. Trouxe-lhe imediatamente um cafezinho e perguntou o que havia acontecido.

Não ousou rir quando soube do ocorrido – o que lhe provocou uma série de cólicas – porém nunca mais foi capaz de segurar a gargalhada ante a expressão “a serviço da Saúde”.