A perna amputada

Acaba de acontecer recentemente um fato que sei, muitos não levarão a sério e farão pouco caso. Estava eu sentado em frente ao meu computador, lendo coincidentemente um conto de um grande escritor chamado Edgar Allan Poe, tudo estava calmo, fora de mim, é claro, porque dentro eu estava muito angustiado com a história que lia. De repente meu tio, muito doente, que estava sentado no sofá ao lado começou a emitir um som. Não lembro muito bem se era um som de prazer ou dor, só sei que bruscamente saí do mundo do conto que lia para o mundo real.

Saltei imediatamente, assustado é claro, e perguntei:

- Tio o que há? - E corri em direção a sua perna que estava muito inchada e com uma cor esverdeada.

- Háaaa! Háaaaa! Minha perna! - Gemia ele.

- Calma! Onde dói? Aqui? - E peguei em sua perna.

- É! Háaaaa! É! Não toque nela! - Gritou.

Nesse momento sua perna desprendeu do seu corpo na altura da virilha. E eu atônito, olhava para aquela perna verde e saindo uma gosma fedendo a estrume nas minhas mãos. Meu tio subitamente deixou de gemer, olhou pra mim e disse:

- Leandro o que está fazendo? Coloque minha perna no lugar!

- Como tio? Perguntei.

- Do mesmo jeito que você tirou.

Eu estava em estado de choque. O que estava acontecendo? Olhei pro meu tio fixamente e balancei a cabeça de forma negativa. Aquilo não podia ser real, só podia está impressionado com o conto que acabara de ler.

Quando retornei à cena percebi lágrimas saindo dos olhos dele. As lágrimas eram da cor daquele líquido fedorento que escorria pelas minhas mãos e que saía incessantemente de sua perna amputada. Mas, apesar das lágrimas ele sorria, sorria, até que seu sorriso se transformou em gargalhada. Eu não entendia o que estava acontecendo. Estava pasmo. Ele olhou pra mim e disse:

- Nunca viu um homem chorar não? Tá fedendo porque nós somos podres por dentro! Você também fede muleque! E você também! E você! E você... Há! Há! Há! Há! Há!

Não entendi nada. Ele apontava para as paredes e gritava: E você! E você! Com quem ele falava. Aquilo começou a me assustar.

- Está falando com quem tio? Perguntei.

- Com todos vocês, porra! - Ele berrava.

Minha mãe rompeu a sala como se saísse do nada. Quando ela viu tudo o que estava acontecendo, falou com um ar tranqüilo:

- O que é isso Leandro? Bote a perna do seu tio no lugar!

- Não é possível, todo mundo enlouqueceu. Mãe como eu vou botar a perna dele no lugar? - Repliquei.

- Botando hora!

Ela voltou pro quarto e em menos de um minuto ela voltou com um carretel de linha e uma agulha.

- Isso pode ajudar! Anda garoto, costura a perna do seu tio.

- Não dá mãe! - Afirmei. E imediatamente entrei em desespero e desabei a chorar copiosamente.

- Para com isso garoto! Você fez a merda agora conserta. Vou dar um jeito rapidinho. - E saiu da sala.

Nessa altura já não escutava mais nada. Apenas chorava, chorava e chorava. Não acreditava no que estava acontecendo. Todos enlouqueceram. Meu tio continuava rindo sem parar. Isso era loucura, loucura. Só podia ser.

De repente senti algo se aproximar de mim. Vapt! Senti uma pressão enorme na minha perna esquerda. Quando olhei vi minha mãe gargalhando e segurando uma perna. Olhei pra baixo e vi que faltava a minha perna esquerda. Comecei a sentir imediatamente uma forte queimação. A dor era insuportável. Eu gritava tanto que minha voz não saia. Minha mãe e meu tio Gargalhavam.

- Eu não disse que ia dar um jeito? - Minha mãe gritava.

Ela pegou a linha e a agulha e começou a costurar a minha perna onde faltava-lhe. Costurava, Costurava, numa velocidade frenética. E eu sentindo aquela dor intensa, sem saber por que tudo aquilo estava acontecendo. Após alguns minutos minha mãe havia acabado o trabalho. Ela respirou fundo, olhou pra mim e disse:

- Nunca mais toque no seu tio. Não tá vendo que ele está podre. Quer ficar como ele? Não toque nele! Nunca mais.

Depois que minha mãe falou isso, percebi que ele começou a se decompor rapidamente, menos a perna que foi costurada. Todo resto estava apodrecendo. E ele ignorante do que acontecia continuava sorrindo.

- Viu meu filho, ele não se dá conta de que está apodrecendo. Ele vai morrer sem saber que morreu podre. Não deixe acontecer isso com você. Melhor perder uma perna do que morrer apodrecendo. - Falou minha mãe com um ar de ternura.

Logo após ouvi uma música bem baixinha. Naquela hora me senti anestesiado.. A música foi entrando nos meus ouvidos lentamente. Ela foi aumentando, aumentando, aumentando, até que aconteceu um estalo. Quando dei por mim estava eu na frente do computador com a cabeça no teclado. Aquela música que eu ouvia baixinho agora era clara. Olhei pro lado e meu tio continuava lá. Minha perna estava dormente. Então percebi que tudo não passava de um sonho. Mas o cheiro, aquele cheiro continuava no ar.

Naquele momento percebi que o que julgara insensatez era na verdade sensatez. Nunca entendemos o que está nas entrelinhas. Tudo na vida nos ensina algo, mesmo que pareça, inicialmente, não ter sentido.

Leandro Moreira

16/01/2008