Prudencio e a motinho
Eh.. eu tambem gosto muito de acentos! Como eles fazem falta, neh?!
Vamos a historia de Prudencio.
Naqueles anos Prudencio trabalhava na fronteira, e ja fazia muito tempo. Nao era uma coisa passada de pai pra filho, mas era o que mais gostava de fazer na vida. Mais do que dormir com sua mulher, jogar futebol, assistir a um filme ou passar o tempo livre com os filhos. Prudencio ficava triste quando era dia de folga.
Toda essa devocao ao trabalho devia-se ao sentimento que a funcao lhe proporcionava: ele se sentia o grande protetor de seu pais. Era responsavel pelo trabalho mais minucioso: a inspecao de carros suspeitos. Prudencio tinha um olfato para as drogas que nao era brincadeira! Era o unico policial na fronteira que trabalhava sem a ajuda de um cachorro. Nao precisava.
Por todas essas qualidades e outras, o homem era muito respeitado por todos e raramente era chamado a sala do Many. Passar sem ser notado pela petulancia do chefe maior era como chocolate quente quando a temperatura cai drasticamente.
Muitos colegas de trabalho tentavam ter a mesma postura de Prudencio, mas e o nariz? Aih nao dava. Alem disso, tinha uma conduta que ninguem mais conseguia seguir por mais de duas semanas: Prudencio nao aceitava ser comprado. Nao adiantava encher a mao do homem alto, de meia-idade, nem com dolar, nem com ouro, porque ele nao engolia. E ficava tao enraivecido e amarelo que passava uma surra no sujeito na frente dos outros.
-- Voce nao pode me comprar, safado! Esse seu nariz sangrando nunca vai pagar o seu crime de querer entrar no meu pais com esse monte de pedra. Nem se voce sangrar ate morrer.
E todo mundo ficava quieto. O que dizer contra um ato de honestidade?
Prudencio era o orgulho de uma nacao. Merecia uma medalha. Um trofeu. Reconhecimento nao, porque ja era muito admirado e isso nao pagava as contas. Merecia mesmo um salario melhor, um carro mais novo e, acima de tudo, merecia poder comprar aquela motinho prata que tinha virado a respiracao de seus dois filhos, Trus e Ropi. Cortava o coracao de Prudencio nao poder comprar o que os filhos queriam. Eles nunca haviam pedido coisa alguma e todo Natal ganhavam sempre o mesmo saquinho de bolinhas de gude. Cortava o olfato.
Um dia Prudencio foi chamado a sala de Many. Vou te falar, eu queria que ele recebesse um aumento ou uma farda nova pelo menos.
-- Olha, P., o pessoal la do morro veio reclamar que nada vaza pela fronteira, que eles estao passando aperto e voce sabe que isso nao eh bom pra nos. Ninguem quer arrumar problema com eles la. Voce precisa liberar uns carros aih.
-- Chefe, eu nao posso fazer isso. Nao eh porque eu nunca tentei, eu simplesmente nao consigo. Me irrita. Sou contra esse monte de droga aih.
-- P., eh soh alguns.
-- Fala pra eles esconderem melhor, sei la. Se eu nao achar, eles passam.
-- Soh se eles comerem, e mesmo assim eh capaz de voce mandar abrir o bucho deles ali mesmo.
-- Manda comer, chefe. Aih passa.
-- P., eu nao posso te mandar embora por boa conduta. Isso nao existe. Entao vamos fazer o seguinte: seus colegas comentaram que voce quer comprar a motinho prata para os seus filhos. Os caras sabem que eh voce que sempre mela tudo, mas querem te dar uma dessas em troca da passagem pela fronteira. Ora, seja menos correto, pelo amor de Deus! Eh negocio pra todo mundo!
Prudencio pensou no sorriso amarelo dos dois bacuris e ja estava ate inventando a desculpa pra explicar pra Feis de onde ele tinha tirado o dinheiro para o presente. Aih acordou.
-- Olha, patrao, vou tentar.
E nem ele mesmo conseguiu acreditar nas proprias palavras.
Ficou combinado que nos dois proximos dias uma carga de drogas gigante passaria pela fronteira e, para que tudo fosse feito de maneira amistosa, Prudencio receberia a motinho antes de deixar a carga passar. Os chefes do morro ja cheiravam o dinheiro no ar.
E prudencio cheirou tambem, mas cheirou as drogas. E, olha, eu estava la. Nao eh que ele nao tenha tentado, eh que realmente o cara nao sabe o que eh "jeitinho brasileiro". Cheirou. Fedeu.
-- Cretino! Quer morrer na droga, vagabundo?! Pega esse moto e...
Nossa, como ele se exaltou!
E outra vez P. salvou a nacao de mais um punhado de drogas. A honestidade imperou. Os filhos nao tinham o objeto dos sonhos, mas todos naquela casa dormiam o sono dos trabalhadores e dos bebados (sem alcool).
No outro dia Prudencio nao trabalhou. Nao era sua folga, mas um telegrama nao deixou que ele tomasse posto na fronteira. O telegrama acabava com uma assinatura nervosa de Many e o recheio dizia que, por agir contra o bem-estar do pais, P. e sua familia seriam deportados para Bruxelas. O envelope continha quatro passagens e um aviso informando que uma viatura levaria a familia ate o aeroporto e garantiria que todos partiriam quando fosse hora.
Prudencio nao vai contra o pais. Ordenou que todos arrumassem suas malas, ligou rapidamente para os pais e nao teve que se preocupar com a casa, porque era alugada e os moveis eram velhos e escassos. Ligaram tambem para a escola dos meninos, mas nao para os amigos, porque estes nao aceitariam a posicao da policia e do governo. E P. queria mesmo era ir embora, porque o pais nao soube retribuir sua dedicacao. Infelizmente, um pais eh feito de pessoas e ele nao queria mais convivencia com aquelas. Colocou um pouco da terra da horta num pote de maionese e estava com a familia na porta 20 minutos antes do combinado.
Quando pisou em Bruxelas, chorou cha de boldo. Nao tinha casa, nao tinha dinheiro, nao falava a lingua, teve um salario magro a vida toda e seu unico pecado era ser honesto. Que tristeza!
Arrumou um barraco perto do lixao e quando ia ao encontro de Feis para falar do novo teto, tropecou grande em alguma coisa no meio do caminho. Mirou bem, mas nao conseguiu chutar, porque a cor prata contra seus olhos quase cegou o homem.
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