O SEMINARISTA
Os alunos do Ensino Médio quase com a mesma idade da estagiária do Curso de Letras não deixavam a aula começar. Bolas e aviões de papel voavam de norte a sul, de leste a oeste. A melhor pista de pouso era o quadro verde da escola particular de elite e seminário ao mesmo tempo. De vez em quando ouvia-se a voz do padre entoando hinos na missa da capelinha.
A estagiária tentava anotar os nomes dos dias da semana: Sunday, Monday, Tuesday...
Please, repeat after me. Era como se falasse ao deserto, às pedras, aos mortos. Então, para acreditar que dava aulas, ela própria repetia com pronúncia um tanto equivocada. Aos seus ouvidos, parecia voz de artista. Depois, vinham os meses do ano, os números e, como a danação não parava, a mocinha aumentava o ritmo, suspendia a voz, mordia a língua e continuava com as cores, as estações do ano, os cumprimentos, frases afirmativas, negativas, interrogativas e o verbo shakespeariano. As horas não passavam, a sirene não chamava para o intervalo e a sala parecia a beira da praia de Copacabana em festa de Ano Novo.
Aquela caricatura de professora olhou para o corredor como se estivesse prestes a correr para os braços da liberdade. Passou um rapaz loiro, olhos de mar.Passou e voltou olhando para dentro da sala, Foi quando, afinal, tocou a chamada para o intervalo. O alívio foi tamanho que a moça não viu o rapaz com os olhos cheios das ondas do mar em dia de intenso verão seguindo-a ao longo do comprido corredor lotado de adolescentes.
Professora, por favor. Sim. Professora, a senhora vai ensinar na minha turma? Não. Professora, a senhora ensina Inglês? Professora, vem amanhã? Professora, posso perguntar seu nome, quantos anos a senhora tem? Professora, está preocupada? Aceita um chocolate? Vai à missa hoje?
Em todos os intervalos lá estavam os olhos de oceano, tímidos, ansiosos. Deve ter algum problema com a família, o professor de Psicologia disse que a gente tem que ser um pouco psicólogo quando dá aulas aos adolescentes. Acho que vou criar coragem e perguntar se algo está acontecendo em sua casa. Talvez tenha terminado o namoro e queira desabafar.
A estagiária andava muito devagar para entrar na sala e muito rápido para sair. Tinha pesadelos com os alunos colocando-a num tacho de óleo fervente. Tinha medo de o dia clarear e acordar para continuar a aula seguinte que seria sobre o insuportável Past Participle. Naquela manhã teve uma certeza, não iria ao colégio, abandonaria aqueles diabos. Decidiu em seguida que enfrentaria o problema, conforme a orientação do professor de Didática. Andou mais decidida, mais rápida. Foi o pior dia. Teve de tudo, até orquestra de animais e guerra de giz.
Lembrou por um instante que o rapaz perguntador estaria lá no fim do corredor. Resolveu que faria a volta e seguiria pelo corredor do outro lado. De problema não queria saber por que o seu era o maior de todos. O estágio não acabava. Mais vinte dias de aulas de gramática da Língua Inglesa. Tinha que ensinar o Future Tense e tantos tenses tivessem determinados verbos.
O piso do corredor estava cheio de papéis de bala e de chocolate. Quando levantou a cabeça para entrar na sala dos professores catedráticos que a olhavam ironicamente... Professora, queria convidar a senhora para a festa de aniversário que os colegas do seminário vão me oferecer. Eram os olhos e a respiração das águas revoltas do mar. E o rosto uma tocha.
A professorinha demorou a perceber que o seminarista estava apaixonado. Vieram o medo normal , o temor a Deus e todas as superstições que ouvira quando criança.
A professora aposentada faz fantasia com o que seria o calor daquela possível paixão, a que agora seria a doce calma da maré baixa. Sonha com os perdidos beijos. Procura os olhos inesquecíveis do seminarista.