"...Me acode, cumpadi Paulão!"

“...me acode, ´cumpadi` Paulão!

Shakespeare depois dos gregos foi um dos percussores da tragédia. Do matar por amor. Do matar por matar. Do matar por dinheiro. Como se a vida nada representasse nesse planeta cheio de pecado, de miséria, de orgulho, de possessão. Esta história também está incluída neste paradigma. Muito embora seja tão nossa.

Havia um senhor que ganhava o seu dia, plantando e vendendo seus produtos agrícolas e ainda picaretando objetos e animais nas suas horas de folga. Vivia muito feliz com a sua Evita. Ele pelo seu desgaste físico parecia bem mais velho do que ela. Viviam muito bem ao lado dos filhos. E os olhares masculinos sempre eram dirigidos para aquela morena, alta, de seios fartos e nádegas bem feitas. Ela era muito tímida quando cortejada, mas sempre deixava transparecer uma ponta de malícia no seu olhar. Aquele olhar que fazia os homens suspirarem fundo, e ainda atiravam o chapéu no chão e pisoteavam, a cada passagem da Evita. O Osmar, seu marido, como era chamado, ou não percebia ou até gostava daqueles gestos. Que para ele eram aplausos pela espécime rara que possuía.

Evita ia sozinha a cidade vizinha fazer compras. Mas, certo dia, o destino quis com que Evita fosse abordada por Tião Viana, um abastado fazendeiro que morava perto do pequeno sítio de Evita. Ele já a conhecia. E então lhe ofereceu carona que ela aceitou prontamente. Depois de muita conversa durante o percurso Tião ousou tocar os lindos cabelos negros de Evita. O que ela timidamente afastou sua mão com um tímido: “Tião!” Cuidado você conhece o pessoar! ”, mesmo assim Tião continuou a passar a mão nos seus cabelos. O que ela correspondeu com um beijo. E ali mesmo marcaram um encontro. Para o dia que o seu marido viajasse e pousasse fora de casa. A casa deles era afastada da vizinhança. Naquela tarde começava o idílio que duraria por três longos anos. E assim ocorreram muitos encontros. Na casa e na cidade. O marido dela até chegou a desconfiar. De onde saíam tantos presentes, tantas roupas novas se nem talão de crediário havia?

Não demorou muito alguém soprou no seu ouvido que ela tinha um amante. Só que não lhe contaram o milagre completo, pois a redondeza tinha medo do poder do fazendeiro. Então o Pernambuquinho, Osmar era o seu nome, passou a proibir as idas de Evita a Santo Antonio da Platina ou a Joaquim Távora. Parou de viajar e acabou sendo um estorvo na vida dos amantes.

Foi quando Tião Viana sentiu pela primeira vez a vontade de afastar aquele homem de suas vidas. Tião era amigo da família. Os irmãos de Evita até prestavam serviços na fazenda. Osmar começou a beber e até a bater em Evita. Muitas discussões surgiram na casa de Osmar. Até que Osmar resolveu comprar uma pequena chácara na cidade de Jacarezinho. Naquela cidade até parece que Evita modificara o seu comportamento. Agora acompanhava Osmar nas suas saídas estavam reatando o casamento.

Numa festa propositadamente armada na casa de Tião Viana, este chamou Paulão num canto e propôs uma oferta em dinheiro para que Paulão que era irmão de Evita tirasse o Osmar do caminho. Paulão também desejou isso toda vez que via Evita chegar chorando em casa. Pois ele não mais suportava ver sua irmã apanhando. Paulão estava querendo comprar um carro e acabou aceitando a oferta de três mil cruzeiros. Começaram então a traçar o macabro plano. Paulão tinha mais amigos. Era muito alegre. Muito divertido. Não saía da Zona de Meretrício. Não demorou em achar dois capangas. Delcino, rapaz solteiro, criado no mundo. Bom de briga. Não tinha medo de nada. Gostava de montarias. Sempre disposto. Estes rapazes tinha cerca de 25 anos cada. Cresceram juntos. José Túlio, também solteiro quase mesma idade, amigo dos dois. E pronto para o que viesse.

Paulão agora de Aero Willys e com os dois amigos de sempre se ofereceu para levar o cunhado para casa em Jacarezinho. Antes, porém, passaram em vários botecos para beber e deixar sua vítima bêbada. Gastaram quase uma tarde jogando truco, snooker e bebendo. Eles não tinham pressa. O plano tinha sido arquitetado. À noitinha consumariam o delito. A casa de Osmar ficava na entrada da cidade de Jacarezinho. Próxima da SANEPAR. Um lugar muito escuro. Pararam o carro para urinar. Todos desceram. Delcino já juntou Osmar pelo pescoço. Segurou e Zé Túlio desferiu uma facada nas costas de Osmar. Delcino era o mais frio dos três deu outra facada. E vieram outras, até que Osmar pediu: “... Acode-me cumpadi Paulão!”. Mas Paulão deu a última facada pondo fim à vida do cunhado que havia lhe dado um cavalo no começo do namoro, e ainda era o seu cunhado favorito e padrinho de sua filha.

Depois de tudo eles não sabiam o que fazer com o corpo. Colocaram no porta-malas do carro e voltaram para Joaquim Távora. Talvez onde eram mais conhecidos e ninguém iria desconfiar de nada. Sabe-se que num dos bares de Joaquim Távora foi deixado uma pista: sangue no chão! Que chamou a atenção de algumas pessoas. E certamente deduraram para a polícia mais tarde. De Joaquim Távora rumaram para Guapirama e na ponte do rio das Cinzas foi feita a desova. Amarraram uma pedra. E jogaram o corpo nas águas barrentas daquele rio. E voltaram para a cidade e continuaram nas suas vidas.

Alguns dias depois a polícia de Jundiaí do Sul achou um cadáver boiando no rio das Cinzas. E o escrivão após o relatório avisou a polícia de Jacarezinho, pois esta polícia já havia anunciado no rádio o desaparecimento de Osmar. Apesar do elevado estado de putrefação foi constatado ser a mesma pessoa. Foi feito o laudo e começaram as investigações. Que não demorou muito. Foram se juntando as peças. O relacionamento de Tião Vianna, o sangue do carro e os supeitos foram todos presos. Inclusive o mandante do crime.

O júri de Paulão foi obra de cinema para quem gosta de Direito. Como o crime foi em Jacarezinho, o debate jurídico foi feito naquela cidade depois de 4 longos anos de espera da justiça. Não se sabe como, Paulão contratou o melhor criminalista daquela cidade. Maurício Souza Filho. Grande advogado e professor de Direito Criminal. O Dr. Maurício gostava de enfeitar sua defesa com frases bem empregadas como: “Um crime não é uma estampa cinematográfica de momento, todo crime possui um vasto conteúdo histórico!”. E assim foi o júri. O promotor alegou que as provas eram contundentes e que aquele cadáver irreconhecível nos autos era o de Osmar. Porque a botina que ele usava era igual a que Osmar costumava usar. Então o brilhante causídico atalhou: “Se esse é o argumento da promotoria, então não estamos diante de um homicídio, estamos diante de um botinicídio!” Os seus alunos tinham vontade de aplaudir. Moral da história Paulão saiu livre por 5 a 2 votos. No dia seguinte os outros foram julgados e condenados a 15 anos de prisão.

Copyright: TIME - Outubro de 2007 Theo Padilha

Theo Padilha
Enviado por Theo Padilha em 14/12/2007
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