Manoela acordou no hospital com uma enfermeira olhando gentilmente para ela. Não queria falar nada, nem lembrar de nada. Queria apenas dormir muitos dias.

- Eu vou chamar dr. Rômulo - avisou a enfermeira saindo do quarto -

          Manoela tentou gritar para ela não chamar ninguém, mas não conseguiu. Quando percebeu o médico aproximando-se, fechou os olhos fazendo força para dormir. O médico achou melhor deixá-la em paz e após examiná-la foi embora. Aliás, pensou ela, essa é a vantagem de hospitais públicos, eles não se importam com você.

          Uma semana depois do acidente, sua mãe lhe contou que Felipe havia morrido e ela estava viúva. A mão chorou, mas ela não esboçou nenhum sentimento. Ela ainda está em choque, resumiu o médico. Manoela agradeceu dr. Rômulo mentalmente. Estava cansada demais para fingir uma tristeza que não sentia e precisava de tempo para pensar em sua vida, no seu futuro.

          Quatro dias depois saiu do hospital e foi para a casa da mãe. Só voltaria para sua casa quando estivesse pronta para recomeçar, deixar o passado para trás. As mágoas e as feridas são muitas e o medo, às vezes, ainda a deixa paralisada, mesmo sabendo que o perigo não existe mais, mas também tem consciência que um dia tudo vai passar.

          Três meses depois do acidente, Manoela foi visitar o túmulo do marido pela primeira vez. Não quis companhia, foi sozinha. Queria conversar com ele. Claro que ela lembrava do acidente, lembrava de todos os detalhes e também dos seis anos de casamento com Felipe que foram um inferno. Ele a torturou psicologicamente, bateu nela e minou toda a sua auto estima. Muitas vezes apanhou de toalha molhada e depois foi obrigada a fazer sexo. Seus familiares adoravam o marido que na frente deles era outra pessoa

          Na estrada descobriu que iriam para o sítio e ficariam sozinhos por uma semana, então Manoela decidiu que iria por um fim no inferno que era sua vida. Não aguentava mais viver assim, sofrer calada. Estava exausta, mas não podia deixar Felipe vivo. Outras mulheres com certeza iriam sofrer o que ela sofreu durante todos esses anos. Ele também tinha que morrer. Ao percebe-lo distraído com a música que estava tocando, puxou a direção com força, colocando o carro para fora da estrada. Assustado, Felipe gritou tentando trazer o carro de volta, mas não conseguiu. Manoela não lembra quantas vezes o carro capotou até cair em pé, mas ela não morreu. Teve apenas escoriações leves. Olhou para o lado e viu o marido muito machucado. Ele olhou para ela agonizando, pedindo socorro com os olhos e ela com um prazer imenso, assistiu Felipe morrer. Acabou meu Deus, ela sussurrou chorando. Pegou o celular na bolsa com dificuldade, pediu socorro ao pai e apagou.

          No cemitério, olhou a foto do marido no túmulo pela última vez, desejou que ele estivesse na companhia do diabo e foi embora sem olhar para trás. Estava livre, iria aproveitar a vida e o mais irônico é que seria com o dinheiro que o marido havia deixado para ela. Essa seria a sua maior vingança por tantos anos de sofrimento.

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 04/04/2023
Reeditado em 04/04/2023
Código do texto: T7756244
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