Pobres e ricos
Era inverno. O termômetro marcava zero grau, mas ele dormia confortável em seu quarto climatizado e envolto em edredons. Dirigiu-se ao chuveiro, onde uma ducha quente lhe deu bom dia.
Era inverno. O frio castigava o seu corpo já tão escalavrado. Outro dia, um sem-teto, como ele, havia morrido por hipotermia. Dormia no fundo de uma construção, envolto em trapos velhos e fedidos.
Usou o shampoo que havia encomendado. Custou R$ 50, mas valia a pena. Deixava os seus cabelos mais sedosos.
Arriscou lavar-se um pouco na pia do banheiro da praça. Ele próprio já não aguentava o seu próprio cheiro.
Seu café da manhã: fazia questão de uma mesa farta, afinal, o seu dia era longo. Pão, queijo, presunto, leite, patê, bolo e, às vezes, ovos mexidos. Jogou fora um saco de bolachas. A ignorante da empregada comprara o sabor que ele detestava.
Seu café da manhã: um saco de bolachas que encontrara numa cesta de lixo ornamentada. O saco estava pela metade, mas ele comeu apenas três bolachas, afinal, o dia era longo e, sabia, a fome voltaria.
No caminho para o trabalho, parou para cumprimentar e conversar com amigos. Era uma pessoa popular, agradável, sabia contar piadas, dava boas gorjetas, era fino, elegante e agradável. Todos gostavam de sua presença.
Perambulou durante horas pelas ruas. Enxotou um cachorro que revirava uma cesta de lixo, mas dividiu com o cusco magro a pouca comida que encontrou numa marmitex amassada. Grato, o cachorro balançou o rabo. Naquele dia (e em outros dias), ninguém dirigiu o olhar para ele, que não existia. A não ser como um obstáculo a ser desviado.
No fim da noite, ambos dormiram. Cada um sonhou com uma vida que não era a sua. Ao acordarem, no dia seguinte, a dúvida: ele era um homem pobre que sonhava ser rico, ou era um homem rico que sonhava que era pobre? Ou seria um homem rico por fora e pobre por dentro ou pobre por dentro e rico por fora? Ou...