A Volta de Lucíola - I, II e III

Três Maneiras de Narração:

A Volta de Lucíola - I

[Tratamento na 1ª. pessoa]

Só percebi que estava há vários dias acordando entre 2 e 3 horas da madrugada quando olhei entre as persianas e vi a Lua ao nível do mar, despontando. Uma silueta feminina vinha crescendo em minha direção até me ocultar o luar. Eram duas e meia da manhã.

Boa madrugada, vizinho.

Não reconheci a voz e vacilei na resposta da notívaga, ou madruguívaga?

Bo... boa noite!

A noite já passou e o dia inda num chegou, vizinho!

Verdade... mas gostou da noite passada?

Foi boa.. quando a Lua nasceu é que miorou. Num foi? Posso entrar?

Abri o portão e ela adentrou se requebrando. Seu cheiro era mais para Paris que pra Jaraguá, de onde supunha que ela viera.

Paco Rabane?

Não. Seresta da Pitanguinha e muito porre. Soube que o vizinho tem uma cafeteira especial de tão ligeira que já é famosa na vizinhança...

Que nada. Quem faz a boa comida é a mão que cozinha.

Entonce tasca aí um sanduba de queijo com um café margoso! Ao ponto, Garson!

Fiquei surpreso e afobado com a petulância dela e, como não sabia o que fazer, mas não respondi: aceitei serví-la. Lembrei-me de minha máxima como anfitrião: “Aqui tem o desejo que você ordena” e adentrei a cozinha. Preparei o ‘sanduba’ e o café, levando para ela numa bandeja com uns biscoitinhos de nozes, mas não a encontrei no sofá da sala e sim deitada de bruços, atravessada em minha cama, totalmente despida. A cena não me era estranha. Pensei desenhá-la naquele instante. Passeiei o café pelo nariz dela, esperando acordá-la com o aroma... e nada. Visualizei a pose em diversos ângulos. Coloquei a bandeja no outro lado da cama, sentei-me e degustei o café, mordiscando um crocante de nózes, enquanto rabiscava esboços. Ela abriu um olho e aspirou o aroma:

Ricota no pão-integral com ‘Nescafé Tradição®’...

Errou: Café ‘Absoluto®’ extra-forte. Aceita?

Adoro.

Virou o corpo para o lado oposto e adormeceu de vez. Peguei a prancheta e rabisquei o esboço da nova pose e fiz dezenas de outro, pois só consegui despertá-la às nove da matina, por não querer deixar a casa com uma desconhecida qualquer e precisava sair.

Eu? - despertando - Desconhecida qualquer? Fomos apaixonados, quando você me tirou da zona e me tranformou numa cortesã antes de roubar minha alma, trocando-me ´por minha irmã...

Fomos amantes? Quando?

Espere... duzentos e trinta e cinco anos passados.

Duz... Você tá doida, mulher. No século dezoito, com você ?

Comigo mesma, sim senhor. Não se lembra da Lucíola? Que você escreveu até um romance com meu nome e vendeu pra José de Alencar, quando me abandonou? Não lembra, não, Paulo?

Mulher: você é louca; doida varrida. José de Alencar publicou ‘Lucíola’ no final do século 19, em 1862. E não te roubei nada nem me chamo Paulo.

Quando você me conheceu meu nome era Maria da Glória, mas o nome de guerra era Lúcia e você só me chamava de Lucíola. Pensa que esqueci? E roubou minha alma, sim. Agora vim resgatar nossa paixão e ter o amor que juramos, Paulo!

Não me chame de Paulo. O quê ou quem é você?

“Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora. Ainda duvidará de mim?”

Aquela frase me tonteou. Foi um forte reflexo em minha cabeça, como se ela estivesse sempre lá, para lembrar-me naquela hora. Sem querer respondi com paixão:

“Tu és um anjo, minha Lúcia!”

Acordei, sozinho, na hora de sair para o trabalho. À noite, em casa, sozinho, consultei o livro de Alencar e encontrei as frases, citadas em itálico.

A Volta de Lucíola - II

[Tratamento impessoal]

Ivan estava acordando, sem perceber, há vários dias, entre 2 e 3 horas da madrugada. Olha o dia entre as persianas e vê a Lua ao nível do mar, despontando. Uma silueta feminina vem crescendo em sua direção até ocultar-lhe o luar.

Boa madrugada, vizinho.

Não reconhecendo a voz vacilou na resposta à notívaga, ou madruguívaga?

Bo... boa noite!

A noite já passou e o dia inda num chegou, vizinho.

Verdade... mas gostou da noite passada?

Foi boa.. quando a Lua nasceu é que miorou. Num foi? Posso entrar?

Ivan abriu o portão e ela adentrou se requebrando. O cheiro da mulher era mais para Paris que pra Jaraguá, de onde Ivan supunha que ela estava vindo.

Paco Rabane?

Não. Seresta da Pitanguinha e muito porre. Soube você tem uma cafeteira especial de tão ligeira que já é famosa na vizinhança...

Que nada. Quem faz a boa comida é a mão que cozinha.

Entonce tasca aí um sanduba de queijo com um café margoso! Ao ponto, Garson! – E caiu no sofá.

Surpreso e afobado com a petulância dela, como Ivan não sabia o que fazer, não respondeu: aceitou servi-la. Lembrou-se de sua máxima como anfitrião: “Aqui tem o desejo que você ordena” e adentrou a cozinha. “Era só o que me faltava: uma bêbada na madrugada!” Preparado o ‘sanduba’ e o café, levou para ela numa bandeja com uns biscoitinho de nózes mas não a encontrou no sofá da sala e seguiu as roupas jogadas pela casa. A mulher deitara de bruços, atravessada em sua cama, totalmente despida. A cena não lhe era estranha. Pensou desenhá-la naquele instante. Passeou o café pelo nariz dela, esperando acordá-la com o aroma... e nada. Colocou a bandeja no outro lado da cama, sentou-se e degustou o café, mordiscando um crocante de nózes. Ela abriu um olho e aspirou o aroma:

Ricota no pão-integral com café ‘Nescafé Tradição®’...

Errou: Café ‘Absoluto®’ extra-forte. Aceita?

Adooro.

Ela virou o corpo para o lado oposto e adormeceu de vez. Ivan pegou uma esferográfica e rabiscou na prancheta esboços da nova pose em diversos ângulos e posições, enquanto aproveitava o desjejum, pois não conseguiu despertá-la antes das nove da matina e não queria deixar a casa com uma desconhecida qualquer. Precisava sair.

Eu? – despertando - Desconhecida qualquer? Fomos apaixonados, quando você me tirou da zona e me transformou numa cortesã antes de roubar minha alma, ficando com minha irmã...

Fomos amantes? Quando?

Espere... duzentos e trinta e cinco anos passados.

Duz... Você tá doida, mulher. No século dezoito, com você ?

Comigo mesma, sim senhor. Não se lembra da Lucíola? Que você escreveu até uma estória romântica com meu nome e vendeu pra José de Alencar, depois que me abandonou? Não lembra mais, Paulo?

Mulher: você é louca; doida varrida. José de Alencar publicou ‘Lucíola’ no final do século 19, em 1862. E não te roubei nada nem me chamo Paulo.

Quando você me conheceu meu nome era Maria da Glória, mas o nome de guerra era Lúcia e você só me chamava de Lucíola. Pensa que esqueci? Roubou minha alma, sim. Agora vim resgatar nossa paixão e ter o amor que juramos, Paulo.

Não me chame de Paulo, por favor!. O que ou quem é você?

“Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora. Ainda duvidará de mim?”

Aquela frase o tonteou. Foi um reflexo forte em sua cabeça, como se ela estivesse sempre lá, para lembrar-lhe naquela hora. Sem querer respondeu com paixão:

“Tu és um anjo, minha Lúcia!”

Acordou, sozinho e apavorado; saindo correndo para o trabalho.

A Volta de Lucíola - III

[Tratamento na 3ª. pessoa]

Ele percebeu que estava há vários dias acordando entre 2 e 3 horas da madrugada, quando olhou entre as persianas e viu a Lua despontando ao nível do mar e uma silueta feminina crescendo em sua direção, até ofuscar-lhe o luar. Então olhou o relógio na cabeceira.

Boa madrugada, vizinho!

Não reconheceu a voz e vacilou na resposta à notívaga, ou madruguívaga?

Bo... boa noite!

A noite já passou e o dia inda num chegou, vizinho!

Verdade... mas, gostou da noite passada?

Foi boa.. quando a Lua nasceu é que miorou. Num foi? Posso entrar?

Ele abriu o portão e ela adentrou, se requebrando. O cheiro dela era mais para Paris que pra Jaraguá, de onde ele supunha que ela viera.

Paco Rabane?

Não. Seresta da Pitanguinha e muito porre. Soube que o vizinho tem uma cafeteira especial de tão ligeira que já é famosa na vizinhança...

Que nada! Quem faz a boa comida é a mão que cozinha.

Entonce tasca aí um sanduba de queijo com um café margoso! Ao ponto, Garson! - E caiu no sofá.

Surpreso e afobado com a petulância dela ele, como não sabia o que fazer, não respondeu: apenas aceitou servi-la. Lembrou-se de sua máxima como anfitrião: “Aqui tem o desejo que você ordena” e adentrou a cozinha. Preparado o ‘sanduba’ e o café, levou para ela numa bandeja com uns biscoitinho de nózes, mas não a encontrou no sofá da sala e sim, deitada de bruços, atravessada em sua cama, totalmente despida. A cena não lhe era estranha. Pensou desenhá-la naquele instante. Passeiou o café pelo nariz dela, esperando acordá-la com o aroma... e nada. Colocou a bandeja no outro lado da cama, sentou-se e numa pequena plancheta começou desenhá-la, degustando o café e mordiscando um crocante de nózes. Ela abriu um olho e aspirou o aroma:

Ricota no pão-integral com ‘Nescafé Tradição®’...

Errou: ‘Café Absoluto®’ extra-forte. Aceita?

Adoro...

Ela virou o corpo para o lado oposto e adormeceu de vez. Ele pegou a prancheta e rabiscou o esboço da nova posição. Fez dezenas de desenhos enquanto aproveitava o desjejum, pois só conseguiu despertá-la às nove da matina, por não querer deixar a casa com uma desconhecida qualquer, pois precisava sair.

Eu? – despertando - Uma desconhecida qualquer? Fomos apaixonados, quando você me tirou da zona e me tranformou numa cortesã antes de roubar minha alma, ficando depois com minha irmã...

Fomos amantes? Quando?

Espere... – contando nos dedos - mais de duzentos e trinta e cinco anos passados.

Duzen... Você tá doida, mulher! No século dezoito, com você ?

Comigo mesma, sim senhor! Não se lembra da Lucíola? Que você escreveu até um romance com

meu nome e vendeu pra José de Alencar quando me abandonou? Não se lembra não, Paulo?

Mulher: você é louca; doida varrida. José de Alencar publicou ‘Lucíola’ no final do século 19, em 1862. E não te roubei nada nem me chamo Paulo.

Quando você me conheceu meu nome era Maria da Glória, mas meu nome de guerra era Lúcia e

v ocê só me chamava de Lucíola. Pensa que esqueci? E roubou minha alma, sim! Agora vim resgatar nossa paixão e ter o amor que juramos, Paulo!

Não me chame de Paulo! O quê ou quem é você?

“Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora. Ainda duvidará de mim?”

Aquela frase o tonteou. Ficou como um forte reflexo em sua cabeça, como se ela estivesse sempre lá para lembrar-lhe naquela hora. Sem querer respondeu com paixão:

“Tu és um anjo, minha Lúcia!”

E acordou, sozinho, na hora de sair para o trabalho. Lembrando-se de confirmar as frases em itálico, num velho exemplar das obras reunidas de José de Alencar, que deveria estar nas estantes.

Posfácio do autor: ao retornar para casa à noitinha fui direto à estante e constatei que as personagens e as duas frases entre aspas são de uma velha edição de “Lucíola®” de José de Alencar, que lí em minha adolescência, há 52 anos passados, precisamente 90 anos após sua primeira publicação.

YvanioKunha

[ 23:27’ de 25set2002

Calmas/Alagoas]

YvanioDaKunha
Enviado por YvanioDaKunha em 27/11/2007
Código do texto: T754662
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