Semáforo da vida
Acordei repentinamente enquanto o ônibus em que eu estava parava. As pessoas subiam apressadas procurando um lugar para se sentar, e caírem em seu mundo de inércia com seus smartphones em mãos. Eu, pela janela do ônibus, via o garoto se preparando, o motorista fechou a porta do ônibus andou alguns metros e lá estávamos, esperando o sinal vermelho abrir. A nossa tediosa espera no farol, que nos proporciona aquela checada no celular e nas redes sociais, é uma das únicas, senão a única fonte de sobrevivência do garoto que aparenta ter entre 13 e 15 anos, pé descalço, pele parda e roupas sujas, um fantasma do nosso dia a dia, uma trivialidade do cotidiano - nos acostumamos rápido com essas coisas. Ele começa, é rápido, passa com facilidade entre os carros e tem agilidade para se desviar das motos. Ele coloca rapidamente um saco de balas por retrovisor, tem alguma mensagem colada com o pacote de balas, mas não consigo ler do ônibus, o garoto fica esperando alguns segundos alguém o chamar na esperança de que alguém compre suas balas, e quando um carro abre a janela - e ele se aproxima, o motorista apenas joga um papel na rua e fecha rapidamente o vidro, visivelmente assustado com a aproximação do garoto, que se abaixa e pega o papel da rua, não nos acostumamos com certas coisas. E nessa luta do garoto no farol, o tempo é um inimigo voraz, ele inicia rapidamente a retirar as balas do retrovisores com a mesma agilidade e rapidez que as colocou, porém, com uma pitada de frustração em seu rosto por não ter conseguido vender nada. O semáforo fica verde, é possível ver alguns motoristas mexendo em seus celulares dentros dos automóveis, por mais que seja proibido. Mas nos acostumamos rápidos com essas coisas, é apenas mais uma das nossas trivialidades urbanas. Que passam despercebidas, como o garoto no farol. As pessoas no ônibus ainda estão entretidas com seus smartphones e redes sociais, falando e rindo sozinhas com seus celulares, tirando fotos, procurando os melhores ângulos, de si mesmas. Ninguém percebeu o garoto no meio da avenida agitada por carros e motos, fechamos os olhos quando vemos esse tipo de situação, simplesmente vamos para um outro universo onde todos são felizes e bonitos, cada qual com seu mundo na palma de sua mão, na sua própria tela, uma realidade desenhada, programada especialmente para cada um de nós. E o garoto no farol, está de pé encostado no poste perto do semáforo - ainda consigo vê-lo. Ele provavelmente não tem essa opção de ir para um outro mundo ou de se desligar de sua realidade física. Apesar dessa diferença, ele parece ter a mesma ansiedade que carregamos quando estamos na espera de alguma mensagem de aplicativo no celular, mas, sua ansiedade é para que o próximo sinal vermelho se converta em algumas vendas e o verde do semáforo em esperança.