Adeus, Natureza
Ela foi embora pra nunca mais voltar e só me deixou uma pena. Pena: estrutura tegumentária complexa, diz o livro de biologia.
Ergo a pena na altura dos olhos, o vento a penteia com suavidade. Uma pena. Por que uma pena? Não entendo.
Talvez seja para eu lembrar do que tive e perdi. Um registro físico da ausência, uma pecinha de quebra-cabeça encontrada atrás do armário: montava algo, e era grande e bonito e não existe mais.
Talvez a pena seja um símbolo. De liberdade? De que eu a aprisionava, cercava, explorava, podava, cortava suas raízes mais fundas? Não. Ela não usaria desse simbolismo fácil.
Talvez seja só para me culpar. Se ela sumisse e levasse tudo, se não deixasse nada, eu não teria com o que ruminar. Minhas memórias são primaveris, bucólicas demais, tem viço e cor demais. Mentem. É preciso abrir uma brecha, rachar a parede da ilusão. A pena me racha, eu sinto, e me põe na defensiva — logo eu, que sempre tive um plano, uma meta, um cálculo, muitos cálculos.
Se for isso, a pena está funcionando. Porque agora vejo que fui ingênuo e achei que nós dois continuaríamos juntos e daquele jeito para sempre: a minha posse, o meu egoísmo, a minha necessidade cega. O meu como ordem e subjugação. Às vezes, confesso, ri com sarcasmo e poder, e era feio.
A pena na minha mão ainda se arrepia ao vento. Por que, afinal, ela se foi e me deixou só uma pena?
Sem resposta, entendo agora que estou sozinho. Ela partiu, ela se foi, ela não existe mais, não para mim — existe apenas nessas memórias em que já preciso esquecer bons tantos para que se mantenham em pé.
Ela partiu e me deixou aqui sufocando na fumaça suja que, agora, é esse mundo. Curioso: não lembro bem, não sei se quero lembrar bem, mas acho mesmo é que fui eu quem acendeu o fósforo.
De repente, é isso mesmo. A pena é só um trocadilho irônico.
Por que a pena? Porque agora pena é o que ela me imputa. Porque pena é o que ela — distante, perdida, extinta — sente por mim.
Seu tolo, sussurra o vento por entre a pena.