AMOR PLATÔNICO
 


        No alto da montanha, cansado, Adrian levou a mão esquerda ao rosto com a intenção de fazer sombra aos olhos, esquivando-se do sol forte daquele começo de tarde. O tapete verde das copas das árvores, a se perder de vista no horizonte lá embaixo, era impressionante.
     
     De súbito, ouviu o grito desesperado de Olívia em meio aos estalos de arbustos quebrando-se e barulho de pedras soltas quicando de encontro ao paredão rochoso. De pronto, seu corpo se preparou para o impacto. A primeira coisa que sentiu foi a dor do empuxo da corda na cintura. A pressão inesperada arrastou-o por alguns centímetros para trás.


      — Socorro!  Pelo amor de Deus. Socorro! Eu preciso de ajuda!

      Olívia gritava em pânico em algum lugar abaixo do topo da cordilheira. Os ecos dos seus gritos cortaram o silêncio natural do lugar. Os pássaros fugiram em revoada assustados.

      — Calma, tenha calma – berrou de volta.

      A fricção do peso de Olívia nas cordas queimava-lhe a cintura. Ele se voltou com calma, devagar. Jogou as costas para trás, buscando um equilíbrio de forças na planta dos pés, que se firmaram no solo da montanha como garras. Adrian nem por um momento receou perder a mulher amada. Aquele vacilo dela nos escarpados do paredão não iria atrapalhar o seu pedido de casamento. As alianças já estavam no bolso da bermuda desde a noite passada.

      Lentamente, pé ante pé, foi chegando próximo do precipício. Procurou ao redor um ponto de apoio para fixar a corda. Assim que conseguiu transferir a amarra em volta da cintura para um toco de árvore enterrado no solo, aproximou-se da beirada do barranco.  Olhou para a mulher a alguns metros abaixo no balanço suave do cabo de alpinista.

     — Tá tudo bem aí? – disse enviando-lhe um largo sorriso de confiança.
 
     A fisionomia desesperada de Olívia, assim que o viu, adquiriu uma expressão mais tranquila. Sorriu de volta. Esqueceu completamente que se encontrava deitada no vazio, suspensa no abismo, a morte a espreitar-lhe às costas centenas de metros abaixo.

     Ele estufou o peito de orgulho, respirou fundo de prazer porque conseguia causar sentimentos de autoconfiança e bem-estar na mulher amada, mesmo em uma situação de vulnerabilidade como aquela. E não podia ser de outro jeito, pensou, afinal ele era um atleta, nadador, corredor e, acima de tudo, bom alpinista.

     Sem muito esforço, começou a puxar Olívia para cima. Ela conseguiu se firmar de pé na parede da cordilheira e começou a subir entusiasmada. Sorriu tranquilo incentivando-a a escalar mais depressa. Nossa Senhora, como sabia lidar com aquela mulher tão bem. Foram feitos um para o outro, sem dúvida!

      Quando Olivia estava próximo da borda do barranco,  estendeu o seu braço para ele na intenção de conseguir apoio para vencer o último percalço. O alpinista, sem pensar, envolveu a sua mão na mão dela com firmeza para puxá-la   e...  de repente...
     
      O universo parou!


      As pernas de Adrian cederam!

    Todo o seu corpo projetou-se para o abismo e, surpreso, percebeu que não estava caindo, ao contrário, Olívia, sua enfermeira, esforçava-se para lhe retirar do leito. A cuidadora deu um forte puxão nos seus pulsos, inclinando-lhe o tronco um pouco à frente e ajustou-se por debaixo dos braços paralisados dele, retendo todo o seu peso nela. “Calma, vai dar tudo certo, não se preocupe”, ela disse-lhe baixinho ao ouvido enquanto, experiente que era, puxava com o pé a cadeira de rodas para perto da cama.

 










 
Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 19/09/2020
Reeditado em 30/03/2021
Código do texto: T7066797
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