A PONTE

Ronaldo andava desgostoso há dias e nenhuma palavra de consolo o animava. A guerra de sentimentos esmagava o coração e sufocava a razão.

— Ninguém me valoriza. Sou um nada.

Teve inveja de ver os seus amigos sendo premiados na festa da empresa. Ficara de canto, isolado e desejava a morte. Injustiça e desprezo. Era isso que zumbia em sua mente.

Passou por uma ponte de um viaduto muito conhecida. Estava perfeitamente deserta e pensou em se jogar de alto a baixo. A queda seria grande e o impacto, fatal. Queria ser amado. Não o amor das mulheres, mas o afeto dos amigos, que já alguns dias não se falaram e nem perguntaram de como Ronaldo estava após o ocorrido na empresa. Um olhar de esguelha, uma conversa cortada ao meio, e ao ver o amigo de infância, Osvaldo, dando mais atenção a outros, endureceu-se em amargura e quis sair da festa.

Remoeu aquilo por semanas e depois de frustrações pessoais, disse a si mesmo que era um mero carvão na areia num mundo de diamantes.

— Estão ocupados demais com suas alegrias. Ninguém liga pra mim! E o pior: nem o Osvaldo procurou saber como eu estava! Amigo assim, nem precisa inimigo! Eu vi o jeito dele. Quando precisou, eu estava lá. Agora... Miserável!

Chorou de raiva.

Contudo, sabia da compaixão de cada amigo mais próximo. Possuía três de maior confiança. Henrique, Paulo e Osvaldo. Lançou um desafio. Mandaria uma mensagem whatsapp para eles e diria que iria se matar. Aquele que o socorresse mais rápido, provaria ser seu verdadeiro amigo.

Fez uma nova transmissão no seu celular e enviou a mesma frase:

"Mano, estou na ponte do viaduto pensando em me matar."

Isso foi às 19h.

Às 19h20 Henrique ligou desesperado tentando convencer Ronaldo para desistir daquela loucura. A conversa foi interrompida pelas diversas mensagens de Paulo em seu celular, pois enviou inúmeros áudios. Cada áudio possuía um apelo aflito para não pular.

O celular mostrou que Osvaldo havia visualizado a mensagem, porém, ele nada dissera.

Henrique e Paulo foram ao encontro de Ronaldo na ponte do viaduto. Conversaram muito e, após muita insistência, impediram o amigo do ato tresloucado e ouviram o seu desabafo.

No dia seguinte, Osvaldo foi até a casa de Ronaldo:

— O que faz aqui?

— Vim ver como você está. Tudo bem?

— Tudo bem? Você é louco ou se faz? Eu te mandei mensagem ONTEM. Você visualizou e sequer respondeu.

— É. Eu sei.

Ronaldo encheu os olhos de lágrimas.

— Eu contava com você pra tudo. Sempre fomos amigos. Mas na hora que eu mais precisei, cadê? Traíra ingrato! Só o Paulo e o Henrique me ajudaram… já você.

Osvaldo abaixou a cabeça. Não parecia triste. Ronaldo continuou num tom mais alto:

— Aposto que estava cagando e andando se eu me jogasse daquela ponte, não é, seu merda? Por que você não se importou...

— Porque eu te conheço, Ronaldo.

— Como assim?

— O Henrique é bem atencioso e o Paulo, super gente boa. Mas quem te conhece de verdade sou eu.

— Não entendo.

- Cara… eu te conheço não é de hoje. Sei de tantas coisas que você enfrentou e ainda enfrenta. Sempre foi duro na queda. Sei das vezes que evitava me contar um problema pra não me preocupar ou estragar o clima. Já eu... sempre fui sem jeito pra essas coisas e me abria mais fácil, embora você seja o mais teimoso da "relação".

— E por que você não foi até lá?

— Porque eu sabia que você não iria pular.

Ronaldo ficou sem reação. O amigo continuou:

— Você é bem mais forte que eu, mano. Além do mais - a voz de Osvaldo embargou - você não seria burro o bastante para tentar se matar na mesma ponte que um dia, quando minha filha morreu atropelada, eu tentei pular e você me impediu.

Dali, seguiram-se as lágrimas de um abraço reconciliador e confessional, e a ponte de afeto, antes deserta de diálogo por alguns dias, permaneceu inabalável.

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A idéia veio agora. Escrevi em minutos, revisei em quase meia hora e postei de imediato sem uma revisão mais profunda.

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 10/09/2020
Reeditado em 10/09/2020
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