Vestido de cetim
VESTIDO DE CETIM
Ela já vinha avisando a anos:-Qualquer dia eu te largo Zê! E nunca que ele acreditava. Os dias eram os de costume, a saída do trabalho e ele se enfiava direto para o boteco, jogando sinuca e bebendo cachaça chegando só depois das onze com a cara cheia da manguaça. E ela sempre avisando:- Qualquer dia eu te largo Zê! E ele jamais que acreditava. Almoço aos domingos? Nada! Era dia do futebol com a rapaziada; e só chegando no horário de sempre, com a cuca cheia de mé! Imaginava que havia uma vantagem nisso tudo: nunca faltou ao trabalho por conta da bebida, e, jamais deixou faltar nada em casa. Mas deixava faltar o essencial! Tiveram três filhos, não se sabe como... Mulher nova, ainda com tudo em cima, cheia do amor pra dar! Mas, sempre o aviso:-Qualquer dia eu te largo Zê! E ele nem se importava. Até para uma briguinha casual não lhe sobrava tempo; o lazer, a farra com os amigos, a bebedeira... e nada de "comparecer" em casa! A família estava em segundo plano, ou talvez em nenhum dos planos. Diziam as velhas e más línguas, que raposas já vinham rondando pelos arredores da casa. "Quem não dá assistência abre concorrência", assim é o ditado. E o dia havia chegado! Chegou às onze e trinta com o caco cheio de cana, dando de cara com a casa vazia. A cama de casal ficou enorme e os melhores edredons a mulher levou. A garrafa de aguardente passou a ser sua fiel companheira, sempre a seu lado em cima do criado mudo, e esse, se presenciou algo antes naquela cama, não contou a ele; era mudo! Com o tempo ela passou a levar as crianças até ele, para uma visita rápida ficando no aguardo do outro lado da rua. No fundo lhe bateu o arrependimento ao notar a delicadeza no brilho do olhar dela. Casualmente a encontrou, estava bela! Um vestido vermelho de cetim desenhava a sensualidade de toda sua silhueta. Tentou aproximação, mas foi impedido por um olhar cevero de uma certa raposa, qual protegendo sua ninhada. Desapontado foi para o boteco, encher o caneco e jogar bilhar com os amigos ao som da música de João Mineiro e Marciano tocando na velha radiola, carregada por moedas de real:
* "Benza Deus como você subiu na vida/
Agora tem roupas bonitas joias caras/
Que lhe fazem ser alguém..."
Sentiu o golpe traiçoeiro nas rimas da melodia e, acabou por ir desaguar em lagrimas junto à seu fiel e bom amigo: o Velho Barreiro!
De: Rodrigues Paz
(Autor)
* "Benza Deus"- Canção: João Mineiro & Marciano. Composição : Darci Rossi/Marciano