Domingos de Chuva

A mão, doída de juntas e enrugada de pele, finalmente tomou coragem: liberou a tranca e abriu a janela.

Um pouco tímida, quase vexada com aquela criancice, fez-se palma aberta bem ali, no meio do ar. A chuva a acertou em cheio.

Os pingos eram grossos e davam a peculiar sensação de coisa molhada… a mão riu-se por perceber que ainda era capaz de reagir a coisas óbvias como se fossem novidade.

A mão riu-se ainda mais por perceber que aquela água toda trazia memórias. Porque a mão lembrou de um tempo em que chovia - e bastante, ou pelo menos o bastante.

E lembrou que existiam essas coisas chamadas Domingos de Chuva.

E lembrou que esses Domingos vinham com bolo de fubá salpicado de erva-doce e servido ainda quentinho.

E que nesses Domingos brincava-se brincadeiras lambuzadas, barreadas, do tipo que só terminavam com bronca de mãe e banho quente pra não engripar.

E indo além, a mão lembrou que depois, de cabeça molhada, num banco na cozinha, vinha o chá de camomila adoçado com mel, a xícara cheia do líquido amarelo-dourado em que inúmeros filamentozinhos camomiléicos boiavam em padrões talvez proféticos mas que ninguém tentava ler porque o futuro, bem, o futuro não metia medo em ninguém.

Sim, mesmo sem registros arqueológicos, a mão sabia, tinha certeza, houve esse tempo distante dos Domingos de Chuva.

Não demorou, e a mão, completamente ensopada, sentiu o frio. A chuva era gelada - uma novidade que teimava em vir como obviedade.

Então a mão, mais doída de juntas e mais enrugada de pele, tomou rumo: recolheu-se e fechou a janela.

Um pouco circunspecta, um mordomo inglês de pompa e sisudez, secou-se contra as calças e voltou a segurar o jornal. Era o jornal de domingo, grosso, áspero ao toque. O jornal de um daqueles domingos secos, já sem barro. De um domingo em que o chá acabou e o futuro fica a espreita nas notícias. O jornal de um tempo em que domingos viraram, veja só, apenas domingos.