Papéis de carta

Eram uma febre aqueles papéis que se compravam avulsos para carta nos anos 90. Os modelos e cores diversos lembram as paredes de certos blogues dos dias de hoje. Rachel fazia tipos para colecioná-los. Cada gosto de se ter um rosto de papel colecionável..

Para que se tinham, senão para escrever neles cartas de amor, bilhetes de encontros e faz-de-conta que diários? Ela os queria para asseio de paciência na espera pontilhada de demora daquela paixão que sempre soube que chegaria. Para ela, os papéis colecionáveis cantavam os dizeres que ainda seriam ditos ao pretendente futuro. Bonitos papéis, todos num jeitoso encadernado como a num álbum de tempo sempre vivo, pulsado pelas veias sentidas dentro do peito, fervilhado de desejos inscritos transparentemente. Catalogados pacientemente, dia após dia, os desenhos deles criavam um mundo a parte, de magia, de sofreguidão, mas magia também. O prazer da coleção se dava na não repetição de um só, e na descoberta de outros, à venda, para agrupar àqueles, e admirar a se entreter.

Lindos papéis de carta colecionáveis. Lozinho os comprava em unidades, a granel, para presentear Rachel. De vez em quando, dentro da semana, aparecia na casa dela com uns novos para alegria e satisfação da moça sonhadora, irrequieta e sonhadora... A visita justificava-se pela televisão: ele não possuía o tal aparelho em seu lar. E como agrado levava os tais passatempos juvenis. Um ano, dois, quem sabe, nisso.

Rachel teria utilizado os papéis de carta para uma declaração de amor? Conseguiu encontrar o alvo de seus sonhos desenhados naquela brincadeira? que lhe transmitia tanto prazer, por ter, por receber de agrados. Ela cresceu? naquele atrevimento de encarar o tempo na certeza de sublimar o seu ardor de estro.

O tempo presente dividiu as conexões. Lozinho cresceu também... Dez, vinte anos; o encontro de ambos sequer lembra hoje, como as cartas de outrora, uma nostalgia da ida familiaridade junto à TV, da intimidade dos sorrisos ladeados nas companhias vívidas - viçosas - agora vagas? Quiseram-se amigos no Facebook e se testavam como desconhecidos, face a face.