049 - COISAS DO CORAÇÃO...

049 – COISAS... DO CORAÇÃO!

“Aquilo que o coração ama vira eterno”

Rubem Alves

Se for falar de saudades, passo a semana inteira. Falar daquilo que gosto ou de quem gostei um dia não dá para medir em tempo, gostar é um sentimento e uma referência. E das melhores com certeza.

Mas quem já ouviu falar em gostar de sogra?

A minha era uma cobra jararaca ou coral, bem venenosa, (brincadeirinha), mas, com todo carinho que ela me dedicava eu a chamava de cobrinha só para rimar com sogrinha.

Dona Irene (Eurenice) era como uma segunda mãe em carinho atenção e desvelo. Tratava-me com tanto amor e às vezes se encabulava. Trocava nome sogro para pai, chamava genro de filho. Com carinho despendido, dado de graça, duvido que alguém não quisesse ser seu filho também!

Ela tratava todos os genros com carinho. Ninguém podia reclamar, nem os filhos verdadeiros. Frequentemente estávamos a trabalhar ou ajudar o sogro, que quase de ajuda não precisava. Ele para trabalhar era um leão. Meu sogro Antenor era um mineiro de quatro costados: nasceu no Morro do Pilar, em Conceição do Mato Dentro e Serro foi morar casou-se em Guanhães e em Itabira viveu por longos anos.

Antenor Alves Mário. MEU SOGRO

Por onde passou construiu pontes, casas, moinhos, fazendas pequenas e grandes e assobradadas, construiu também solidas amizades sempre junto ao seu pai, o velho Samuel Carpinteiro. Andava léguas à pé ou no lombo de burro, cavalo ou jumento. Dificuldades não havia, fosse trabalho rústico ou sofisticado. Houve até uma vez que um gringo que falando enrolado procurava alguém que fosse capaz de montar parte de uma usina hidroelétrica, pequena, projeto de pouca monta, virou o interior de ponta cabeça, procurou à luz de vela de Rio Vermelho ao Arraial do Jacinto, vejam bem. Por muitos conhecidos foi o Antenor, indicado. Sob a orientação do gringo, o serviço demorou um bocado. Mas projeto feito era serviço executado! A fazenda de muito gado, café plantado nas encostas, arroz na várzea e feijão lá no grotão, com irrigação primária pode encher o paiol, as tuias e sótãos e panelas.

Não conheço nada que ele não soubesse fazer ou dar um jeito. Consertar rádio e televisão aprendeu assim, no peito.

Serviço de carpintaria, marcenaria, bombeiro, de pedreiro e eletricista, até de pintor ele manjava. Fazia e confirmava todo fim de ano quando se dedicava a limpar as paredes da casa. Era um Deus nos acuda! Baldes de tintas, trinchas, rolos e pincel, pintavam do teto ao rodapé, as paredes, portas janelas. E, com quem ficasse por perto, ralhava: “Se você não sabe fazer, vá fazer o que sabe, lá bem em outro lugar”.

Todos nós recorríamos a ele quando ficávamos embananados com isto ou aquilo ali, pegava para fazer e resolvia o problema e ainda perguntava: “tem mais”?

Com estes dois convivi mais tempo que com meu pai biológico que de casa saiu um dia, foi morar em outra cidade. Eu tinha vinte anos quando conheci sua filha, de nome Ercy, que comecei a namorar não sem antes ter conhecimento de que à minha pretendida, o aviso foi dado: - “Quem vai namorar é você, ele disse, mas, preste bem atenção, laranja dá em laranjeira não em pé de limão, se você conhece o pai, o filho conhece também, que isto lhe sirva de aviso. Eu falo, não mando recado”.

Confesso conquistar os pais foi mais difícil do que a filha, de todas a mais querida decerto. Ciúmes de pai e mãe, de irmão mais velho também, para jogar bola e ser amigo, tudo bem! Mas, para cunhado, veremos!! De uma coisa tinha certeza: estavam de olho em mim!

Mas tudo que é bom, bem ou mal avaliado, com a morte acaba! Isto é certo! Quando ela chegar, não adianta enganar, tentar fugir ou sair de perto. A dona da foice vem e faz sua colheita, assim brincava meu querido sogro, rindo, gozando a vida.

A vida segue ainda como uma roleta russa, vai tirando da nossa vida pessoas bem queridas, por laços de amizade ou de família. Zás...Zás...Zás... Foram três foiçadas: Duas quase de uma só vez. Sr. Antenor, em agosto; Schulman, sete meses depois. Dona Irene sentia, assim como nós ou bem mais, a morte de marido e do filho. “No viver e no seu canto”.

Schulman - O CUNHADO

Cada um sofre seu tanto, gostava muito de falar assim. Sabiamente, dona Irene, como era mais conhecida, a Eurenice de São José, um dia batizada. Não sabendo que assim, assim, sem nenhum aviso, qualquer que fosse início do mês de julho, data comemorativa de um aniversário Eni Rosa, uma das filhas foi embora “Desta para uma melhor” e o que dizem.

Em primeiro plano: Eni Rosa A CUNHADA, e sua filha Janete.

Mas a mãe Dona Irene, pouco depois, dizendo-se cansada sempre repetia, “não quero mais viver” ... “Desta vida vou me ausentar”. Um mês ou pouco menos da morte da filha, partiu desta também. Deixando enorme vazio, por ela consolidado e aumentado.

Saudades, saudades, saudades... Foi só o que restou para sempre; e nenhum deles nunca falou da saudade que fica e vai ficando, entranhando, virando coisas. Do coração...

RESUMO/RESENHA LITERÁRIA/COMENTÁRIOS

TEXTO – 049 – COISAS... DO CORAÇÃO.

09/10/2009 - Heron

Uma prosa de amigo que toca o coração...Abraços.

21/08/2009 - Regor Illesac

Seu Claudionor, não há palavra mais bela que saudades, e não existe algo melhor do que lembrar de alguém querido, o coração muda o ritmo, apenas na lembrança. Muito bom o seu texto. UM abraço.

25/06/2009 - Celina Figueiredo

Estou prosseguindo na leitura e adorando. Celina

19/06/2009 - josé 4

CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 02/07/2020
Reeditado em 02/07/2020
Código do texto: T6994085
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