A reunião

A tentação era grande, mas com seu vestido desbotado e sapatos gastos, ela sabia que não poderia ir. A amiga não parecia convencida.

- A gente pode dar um jeito nisso. Não são gente de cerimônia.

Ela pensou lá consigo que talvez até a deixassem passar sem fazer qualquer comentário sobre sua aparência, só que além do mais estava se achando despenteada e com uma aparência geral que revelava sua má situação financeira.

- Vamos fazer assim: eu vou com você até a entrada e fico do lado de fora, ouvindo. Deve dar para ouvir pelas janelas do salão, não é?

A amiga suspirou, dando-se por vencida.

- Está bem. Vamos logo, que está para começar.

Foram até a entrada do clube, muito movimentada com a chegada de automóveis que paravam em frente para desembarcar passageiros. Havia também um fluxo constante de pedestres, adentrando o local, algumas mulheres vestidas de forma tão simples quanto ela.

- Eu não disse que há gente de todas as classes aqui? Ele fala para pessoas como nós! - Assegurou a amiga.

Acabou convencendo-se a entrar. O salão estava cheio, e quem podia pagar, havia comprado mesas para assistir à apresentação de modo mais confortável. Os demais, como ela e a amiga, apinhavam-se nas laterais de pé. Um corredor central entre as mesas havia sido deixado livre, para circulação do público. Ao fundo do aposento, o palco com a tribuna já estava iluminado e decorado, aguardando apenas a chegada do convidado de honra.

Finalmente, um burburinho vindo do fundo do salão, revelou que ele havia chegado. Enquanto todos esperavam que ele aparecesse pela coxia, chegou através da entrada principal, seguido por sua entourage e acenando para o público, que o aplaudiu entusiasticamente. Atravessaram o corredor e enquanto os guarda-costas posicionavam-se à frente do palco, ele subiu por um lance de degraus na lateral do mesmo, sendo recebido no tablado pelo mestre de ceimônias com um aperto de mãos.

A partir do momento em que ele abriu a boca, ela pareceu perder a noção do tempo. Sentia-se magnetizada pelas palavras do homem que proferia um discurso com palavras certeiras, que atingiam diretamente sua alma e seu coração. Ao final da palestra, aplaudiu tão calorosamente quanto todos os presentes.

- Ele é incrível, não é? - Indagou uma voz masculina às costas dela.

Virou-se e viu que um rapaz, pouco mais velho do que ela, roupas de operário, lhe sorria.

- Sim - replicou acanhada.

O rapaz exibiu uma ficha de filiação: era um membro do Partido.

- Eu me inscrevi esta semana, quando soube que ele viria discursar na nossa cidade - declarou.

- Ele é realmente impressionante - admitiu ela.

- Posso convidá-la para jantar? - Perguntou o rapaz, sem mais delongas.

Ao lado dela, a amiga incentivou-a com uma cutucada do cotovelo.

- Eu... não sei. Está tarde - desculpou-se.

- Há uma cantina do outro lado da rua - insistiu o rapaz. - Você gosta de espaguete?

Ela gostava e estava com fome. Passou a língua pelos lábios ressecados.

- Vou indo - avisou a amiga, dando tchauzinho e saindo com a multidão.

- Vamos, então - o rapaz ofereceu-lhe o braço, que ela aceitou com relutância. Saíram.

Na cantina, ele pediu dois pratos de espaguete e enquanto comiam, conversavam.

- Tenho certeza de que com ele no governo, a situação de pessoas como nós irá mudar - assegurou o rapaz.

- Ele poderá aumentar a oferta de empregos - sugeriu timidamente.

- Mais do que isso: ele vai tirar daqueles que nos exploram, e que hoje são os donos do poder - garantiu o rapaz. - E aí, pessoas como eu e você poderemos ter boas roupas, boas casas, automóveis.

Ela pensou lá consigo mesma que aquilo parecia ser bom demais para ser verdade. Mas gostava do entusiasmo e do brilho nos olhos do rapaz; um pouco daquilo parecia estar se instilando em suas veias e começou a olhar em torno, para mulheres mais bem vestidas do que ela. E se fosse possível? E se ela merecesse ter uma vida melhor, ser feliz?

Quando o rapaz perguntou se ela aceitava um café, aquiesceu, sorridente.

- [28-06-2020]