Bloomsday, duas da tarde

A manhã do Bloomsday ia terminando em Dublin, e mesmo já estando com os pés doloridos de tanto andar, eu decidira que à noite iria fazer o circuito dos pubs - até onde minhas pernas aguentassem me levar. Meus dois companheiros de perambulação aprovaram minha decisão.

- Sabe lá quando teremos oportunidade de estarmos juntos em Dublin novamente! - Exclamou Vincent, vestido a caráter com um sóbrio terno preto e chapéu homburg de feltro cinza.

- E no Bloomsday - enfatizou Ian, também vestido de preto, mas usando chapéu coco e bengala.

Eu estava mesmo de bermudas, sandálias e camiseta verde onde se lia em branco "KISS ME - I'M DRUNKY". Não tenho dinheiro para me fantasiar de personagem do "Ulisses" de James Joyce, e nem via muito sentido em usar terno num dia comemorativo.

- Mas como não pretendo acordar morto de ressaca amanhã, - ponderei - vou me limitar a beber cerveja. No máximo, um dry martini no primeiro pub.

- Sério que você vai pedir um dry martini num pub? - Ian me lançou um olhar enviesado.

- Isso é tão... inglês - Vincent ergueu um sobrolho.

Fiz um muxoxo.

- Ninguém falou num "vesper" do James Bond, apenas um dry martini - atalhei convicto.

Ian me deu um tapinha camarada nas costas.

- Sugiro que fique apenas com a cerveja, e nem estou falando no fator de intoxicação alcoólica, mas pelo preço mesmo.

Vicent balançou a cabeça, em aprovação.

Acabáramos de entrar na Duke Street, e consultei a hora no celular: passava de uma da tarde.

- Acabo de trocar meu dry martini por uma taça de borgonha - alertei meus companheiros, apontando para o outro lado da rua: estávamos quase em frente ao Davy Byrnes e só então me dei conta do quão faminto estava.

- Nós o acompanhamos - deliberou Ian.

Entramos no pub, havia bastante gente vestida à caráter, sentamo-nos ao balcão, veio um barman.

- Três taças de borgonha e três sanduíches de gorgonzola - pedi.

O pedido foi colocado à nossa frente pouco antes das 14 h.

- O relógio do pub está cinco minutos adiantado - comentei com meus companheiros, indicando o mostrador amarelado preso à parede sobre o balcão.

- O tempo está passando - replicou Ian, fazendo menção de morder seu sanduíche.

- Ainda não - ergui a mão num gesto inequívoco para que parasse.

Os ponteiros se movendo. Duas.

- Agora - comandei.

- [24-06-2020]