VIDA, A QUANTO OBRIGAS...

VIDA, A QUANTO OBRIGAS…

Alastrava uma crise profunda na região devido ao encerramento de um grande número de fábricas ligadas à indústria têxtil, por se terem deslocalizado para países onde a mão-de-obra é mais barata. Esta crise afectou famílias inteiras que em face de compromissos assumidos com aquisição de casa, carro, bens de recheio de casa e ainda filhos a estudar, alguns em Universidades, que por serem afastadas obrigava à deslocação e consequentes despesas que a provisão do subsídio de desemprego, por insuficiente, dificultava, obrigando a expedientes para obtenção de receita extra, a qual teria de se fazer de modo clandestino e cujo maior refúgio foi o trabalho doméstico para as mulheres, que deste modo contribuía para minorar as dificuldades que havia caído em muitos lares.

Os homens, angariavam alguns rendimentos dispersando-se por grande número de tarefas sem vínculo laboral permanente, para não perderem o subsídio de desemprego. A maioria das tarefas a que recorriam eram a de arrumadores de automóveis, em parques de estacionamento, arrumadores de carrinhos de compras dos hipermercados e por vezes também carregavam mercadorias nos mercados e assim sempre, sob o anátema da clandestinidade. Vidas difíceis, o destas famílias.

Era o caso de Matilde, uma jovem morena e alta, de pouco mais de vinte anos de idade, que trabalhou no têxtil desde os catorze anos e de repente perdeu o emprego que julgava ser para toda a vida. Era solteira e o seu corpo era alvo do reparo dos jovens e mais ainda, dos quarentões para cima. Matilde Pernalonga, usava frequentemente sapatos de salto alto que lhe fazia evidenciar o alongamento das pernas, e daí o alcunha porque viria a ser conhecida e que muito naturalmente se irá perpetuar.

Matilde ajudava ao orçamento familiar, sendo a mais velha dos irmãos, de um conjunto de seis, com o salário que vinha da Fábrica de Têxtil Mendonça & Rebelo. Era a única rapariga, dos filhos.

Em desespero de causa, por o orçamento familiar ter ficado sem uma receita permanente, a sua, Matilde respondeu a um anúncio publicado nos classificados do jornal local, que recrutava jovens até aos trinta anos e que tinham de previamente ser submetidos a uma entrevista, antes de serem admitidos e que girava em torno da presença física, a primeira triagem e só depois se passaria à entrevista propriamente dita, composta por um questionário escrito e um diálogo em que se avaliava a personalidade da candidata. O empregador, avisava que dentro de 30 minutos daria a conhecer o resultado da entrevista e no caso de ser aprovada a admissão, a resposta para a provisão da vaga teria de ser dada até 24 horas depois.

Matilde teve de dar resposta no dia seguinte, sob a pressão de obter trabalho ou perder a oportunidade.

A pseudo psicóloga que fazia as entrevistas às moças, usava de manipulação e acabava por levar adiante o seu objectivo, sobretudo quando encontrava pessoas fragilizadas na sua auto estima ou no caso de Matilde, fragilizada socialmente.

A mãe de Matilde, Benvinda Rebuçadeira, assim chamada por vender rebuçados à porta das igrejas nos dias de Lausperene, também contribuía com o produto das vendas, para o orçamento, a par do marido, Teodoro Pichoquinhas, cujo alcunha lhe veio da mulher nos dias sequentes ao casamento lhe ter perguntado por graça: de quem é a tua pichoquinha? Referindo-se ao “pauzinho” dele, e que inadvertidamente soltou num momento de humor, que os presentes, aproveitaram para perpetuar e do qual nunca mais se viu livre.

Referindo ao Teodoro, poderá acrescentar-se que a sua actividade de lenhador era muito mal paga e nem sempre havia trabalho diário. Do somatório de todos os rendimentos, ainda conseguiam comer carne uma vez por semana, mas nesta fase, já a carne havia saído do cardápio domingueiro. As refeições faziam-se de sopa e mais sopa e por “graça”, Benvinda até dizia: a nossa casa já parece a do Belmiro Comecouves, homem que poupou muito para dar às duas filhas uma formação académica e que disso se gabava dizendo: para dar às minhas filhas o que elas hoje são, tive de comer muitas couves.

A resposta a dar por Matilde, tem poucas horas de reflexão mais e as perspectivas também lhe parecem sombrias quanto ao futuro, uma vez que a recessão económica tarda em dar sinais de reverter e os empresários não aparecem para investir.

Matilde acabaria por aceitar o trabalho a título experimental e aos pais disse que se iria ausentar por duas semanas para Lisboa, em busca de emprego bem remunerado, para ajudar a suprir as carências domésticas.

Despediram-se com muita dor de ambas as partes e lá abalou para o início do trabalho que a esperava.

Benvinda tem andado muito adoentada há uns tempos a esta parte, com problemas do foro ginecológico e urinário, que a trazia deprimida e ao Teodoro agitado, por não poder fazer sexo com a regularidade habitual e quando o fazia, Benvinda pedia-lhe para que fosse muito breve, por lhe causar enorme desconforto.

Em consulta da especialidade, Benvinda foi aconselhada a fazer cirurgia para remoção de quistos ováricos que eram os responsáveis pela disfunção hormonal, acompanhada de fortes dores no baixo abdómen e que não raro, lhe provocava hemorragias frequentes. Neste quadro difícil da saúde de Benvinda, que origina frequentes e prolongadas abstinências sexuais, Teodoro passou a ser um homem entristecido por não poder fazer aquilo que mais gosta e com quem mais gosta.

Em face deste cenário, sem fim à vista, Teodoro, que sempre foi fiel à mulher, questionava-se se não deveria reequilibrar os seus desejos e necessidades sexuais, recorrendo à prostituição. De solteiro, fazia-o de tempos a tempos e era dessa época que conhecia um bordel que funcionava num rés-do-chão da Rua dos Mal Queridos, onde em tempos, uma moça de alcunha Micas Galinha, trabalhava quando jovem e cujo alcunha lhe vinha de iniciar e dar escola a rapazes de 13, 14 anos.

Um dia a avó dela foi interpelada pelo comportamento da neta e respondeu que lhe estava na massa do sangue, a putice. Conta-se também um episódio que fazia premonição do procedimento de Micas Galinha, quando ao pai lhe foi perguntado por uma vizinha, o que tinha nascido, tendo respondido: outra puta.

Já na casa dos trinta anos, Micas casou-se com José Maria, um camionista de longo curso, que fazia viagens para o estrangeiro na entrega e recolha de produtos de exportação e importação, vindo a casa a cada duas semanas. Na ausência do marido, Micas, uma insaciável mulher pelos prazeres carnais, corneava o marido de tal jeito, que este não mais voltou a ser o Zé Maria do Camião, mas o Zé Maria Galhudo e que o Delfim sapateiro quando embriagado dizia: O Zé Maria tem cornos como um veado.

Zé Maria, viria a morrer num acidente, por capotamento numa manhã de geada, em que a viatura carregada de mercadorias vindas de Espanha, se espatifou numa ravina, só parando no leito de um pequeno riacho.

Já viúva, Micas haveria de dar continuidade àquilo que sempre gostou e abriu um prostíbulo, que funcionava no último andar de um prédio de onze andares, com vários quartos, cuja ocupação se fazia com uma moça em cada e que de vez em quando se refrescava com moças novas, em rotação combinada com outros prostíbulos.

Micas já não trabalhava. As varizes haviam-lhe desfigurado as pernas e não havia homem que lhe pegasse, dedicando-se apenas a empresária de carne branca.

Teodoro, conhecia Micas Galhuda há muitos anos e constava-lhe que ela permanecia ligada a “negócio” de prostituição, só não sabia onde ela tinha o prostíbulo a funcionar, e acrescentava: também não me interessa, não há só o bordel dela a funcionar…A necessidade de se resolver era tanta, que ponderados todos os prós e contras, decidiu-se por comprar o jornal local, onde na página de classificados havia dezenas de anúncios de “massagistas”. De entre todos, um despertou-lhe atenção, que dizia: Bela morena, curvas perfeitas, meiga e carinhosa. Recebe despidinha. Só vinte beijinhos.

Tantos beijinhos!!! Que bom, dizia para si.

Teodoro, não havia percebido que os vintes beijinhos era o preço a pagar, contudo, até os olhos se lhe encheram de brilho ao ler este classificado. Pensou, que boa oportunidade para “comer” uma franguinha, ao mesmo tempo que dentro de si um nervoso miudinho se instalaria por repreensão da consciência.

A vontade de avançar foi mais forte e Teodoro ligou para o número de telefone que vinha no classificado, tendo do outro lado atendido a alcoviteira Micas Galhuda que informou das condições, tendo Teodoro marcado a “entrevista” para hora combinada.

Pontualmente, Teodoro apresentou-se no local informado, tocou a campainha e subiu no elevador, até ao 11º andar. Estava tenso e ao mesmo tempo eufórico, porque estava próximo de “comer” a franguinha, como ele dizia.

Foi recebido por Micas Galhuda, mas não se reconheceram, pois há um bom par de anos que não se viam. Entrou e a alcoviteira informou ter três quartos ocupados, cada um com sua moça.

- Eu quero a moça do anúncio e mostrou o recorte do jornal.

- Escolheu bem. É a Dalila. Vai gostar.

A alcoviteira, bateu ligeiramente à porta do quarto da moça seleccionada para anunciar cliente e para dar tempo para ela se preparar para a visita. Já totalmente despida, a porta abre-se lentamente, Teodoro entrou, olhou, era Matilde.