Cãs

Fiquei velha. Pensei quando vi o primeiro fio branco e desconjuntado no eixo central das sobrancelhas. Fiquei velha. Quando aparece um fio de cabelo pálido, translúcido, na sobrancelha é porque ficamos velhos. Era isso. Eu já tinha alguns fios brancos na cabeça, mas na sobrancelha era sinal que fiquei velha mesmo! Ladeira a baixo. Sem desculpa. Corri no banheiro para pegar uma pinça e fiquei cutucando o fiapo até enganchar e puxar com raiva. Não sou velha ainda, caramba! Cabelo branco na sobrancelha não dá. Até o seu Pedro da padaria, que tem duzentos e trinta e sete anos, tem a cabeça branca como chumaço de algodão emplastrado, mas a sobrancelha está pretinha intacta. Na sobrancelha ainda resta um rescaldo de juventude. A Neusinha toda serelepe dos bancos da praça ainda tem a sobrancelha pinçadinha e composta de fios escuros, tal como devem ser os de baixo. Eu ainda sou jovem, cabelo branco na sobrancelha tem que ser na hora dos pés juntos. Fiquei com essa obsessão. Todo dia olhava com apuro se surgia outro na testa. Aparecia e eu arrancava. Pela manhã dois desconjuntados fios de prata se juntaram em xis no viés da interrogação que fiz por pura indignação. Zás e trás: lá se foram os novos intrusos e os irmãos pretos também. União de cores contra a decrepitude. A minha amiga Das Dores ria dessa mania que adquiri. Deixa de bobagem! Quanto mais arranca mais nasce igual. Parecia minha avó falando para minha mãe quando a cabeça dela começou a platinar. Minha mãe, que era fã da platinada Marilyn e do Walmor Chagas, deixou estar. Cabelo branco é inevitável, dizia meu tio que ria de quem pintava cabelo. Eu nunca vou pintar cabelo, coisa de metido e viado! Vomitava ele. Todo velho tem cabelo branco, não adianta esconder. No caso do meu tio ficou careca também. Mas comigo não, meu problema era o cabelo branco que surgia no palco do teatro emoldurado das sobrancelhas. Arcos da boca de pano da vida. Sem essa de testa macilenta da sina! Arrancava sem dó. Era todo dia uma nova pesquisa, uma nova garimpa de cãs. No que despontava no emaranhado da trama de minha testa, que já se enrugava, era imediatamente vilipendiado. Ritual constante de anos e mais anos. Quase um vício igual a cafeína e falar mal de político.

Muito tempo depois me dei conta que, de tanto arrancar os fiapos de sobrancelhas brancas, sobraram apenas alguns tufos de fios retintos nos dois lados dos arcos. Não deu pra contar direito porque já não enxergava nada de perto. A tal da vista cansada. Mas ainda eram fios da cor de quando eu era jovem. Venci a velhice! Consegui, enfim.

Pensei em arriscar aquelas tatuagens visagistas horrorosas que as mulheres fazem para corrigir as sobrancelhas prejudicadas... Mas aí já seria trapaça demais.