CONFUSÃO PÓS-MODERNA

Eles haviam acabado de sair de um café da tarde da casa da mãe deles, discutindo assuntos relacionados ao lar, colocação de cama, medidas de tamanho de colchão e etc, da casa da mãe deles.

-Então, Luiz – Disse Maycon antes do irmão entrar dentro de casa, após saírem do elevador - Tô querendo escrever um conto, não sei como, mas, estou curioso sobre uma situação que vejo nos dias de hoje: um desinteresse de algumas pessoas pelas chamadas ideias que formam os pensamentos e atitudes de hoje.

-Ok, tudo bem – disse Luiz segurando o cachorro pela coleira para não fugir para o corredor -Mas eu não sei muito sobre isso.

-Não, então é exatamente isso. Você seria esse personagem.

Luiz sorriu, sem graça.

-Ah, certo...

-Veja bem, mano. Não é te denegrindo, mas, não tenho nada contra essa sua opinião de não se importar muito com estudos e tal, mas é que você representa esse tipo de pessoa que não se importa em estudar.

O cachorro tinha se soltado. Maycon procurava respirar mais ritmicamente. Percebeu que algo nesse tipo de conversa afetava profundamente o irmão. O rapaz, caçula, era três anos mais novo que ele e sempre fora considerado na família (entre os três irmãos) o mais inteligente, porém, mais para frente Maycon percebeu que havia mais inteligências a serem consideradas. E uma delas era a emocional que Luiz parecia não ter desenvolvido.

-Não, então, entendi...mas eu estudo. Só não me importo em estudar coisas assim. Estudo coisas objetivas, mais práticas.

-Entendo. – Maycon procurava entender o porquê dessa narrativa do irmão, mas não conseguia identificar muito bem a origem delas. Algo como dúvidas, frustração. Não podia saber.

Então disse algo mais provocativo:

- Mas não acha que, por exemplo, saber como o Hitler dominou uma nação de pessoas inteligentes, com ideias patrióticas, nacionalistas e até de genocídio, seja importante para identificar pessoas assim no dia-a-dia, ou na política, no trabalho? Tipo líderes totalitários, mandões, dominadores?

Luiz correu atrás do cachorro que havia se aproveitado de um descuido dele para fugir pelo corredor.

Depois voltou dizendo:

-Então, até acho, mas prefiro algo mais palpável, algo mais sintetizado. Alguém falar para mim sobre isso, de forma mais resumida.

-Entendo.

Ele pegou o cachorro no colo.

-Quero tipo viver mais a vida. Não que eu não me importe com a história.

-Quer entrar, Maycon?

-Sim.

Lá dentro, de pé, Maycon disse:

-Não acha que vivendo dessa forma não estará aqui nessa Terra só de passagem, porque não poderá ajudar muito outras pessoas; será que não somos meio egoístas pensando assim? Sem saber as origens das ideias, o que elas significam e outras coisas como cinismo, totalitarismos, ideologias de massa, nacionalismos de esquerda e...

-Olha, até entendo que nossa família tenha esse problema de egoísmo e tal.

Maycon, ainda engasgado pela súbita interrupção, não entendeu muito bem também a rápida mudança de raciocínio do irmão. Essa inclusão da família dele na conversa. Na verdade, família para Luiz sempre significava mais o avô e a avó deles. Até hoje, Maycon não entendia porque havia um bloqueio de Luiz de tecer qualquer culpa à mãe ou o pai deles por responsabilidade alguma em eventual falha na educação deles.

Maycon respondeu:

-Sim. Fomos criados assim. Sempre para só conseguir o melhor emprego e tal. Mas acredito que tenhamos esse defeito de não nos importarmos com nosso lado humanista. Que acha?

-Pode ser. É bom conversar contigo sobre isso. Mas, talvez, seja a fase pela qual eu esteja passando. Quando eu me interessava, por exemplo, pelo existencialismo foi porque o utilizava para escrever letras de músicas.

-Sim. E hoje não mais precisa estudar?

-Sim. Não vejo hoje a necessidade.

-Entendo...pensa em você, então.

-Talvez seja isso. Não sei.

Maycon olhou o celular.

-Preciso ir. Estão me chamando lá em casa. Vamos estudar escrita criativa.

-A gente se fala – Disse Luiz.

Maycon caminhava pelo corredor perplexo. Nada fazia sentido. Nada mesmo. A impressão que tinha era a de que seu irmão não compreendera uma palavra do que tinha tentado falar a ele. Queria simplesmente ter lhe perguntado algo. Saber o porquê dele não se importar por ideias que formavam as atitudes dessa vida pós-moderna. Do próprio irmão. Mas o assunto descambou para algo tipo a culpa é de alguém. E Maycon não pode compreender de quem era a culpa por toda essa situação do irmão. Talvez um dia descobrisse isso com o passar dos anos.

Quando chegou ao apartamento seu amigo o ligava.

-Estou aqui embaixo, Maycon.

-Pode subir.

A vida era feita de escolhas. O amigo de Maycon tinha feito a dele. Viera da cidade vizinha, embaixo de chuva para estudar escrita criativa com ele. As coisas pareciam, enfim, fazer algum sentido. Para eles, sim. Para o irmão, não. Que confusão.

Alexandre Scarpa
Enviado por Alexandre Scarpa em 17/02/2020
Reeditado em 17/02/2020
Código do texto: T6868215
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