ÔNIBUS LINHA 456.
Maísa passou o crachá no relógio de ponto.
Doze horas de trabalho intenso. Suportando clientes chatos, chefes mais chatos ainda e colegas folgados. Culpa da mega sena da virada que não saiu pra ela.
O uniforme amarrotado. O desodorante vencido numa tarde quente de verão. Não era adepta de cerveja mas, naquele dia, ela bem que merecia uma. O céu escureceu.
-" Se traz sombrinha, não chove!!! A gente não traz, cai um dilúvio!!! Ohhhh, vidinha medíocre!!!!!!" Atravessou a avenida.
A chuva caiu. Ela quase foi ao chão, deslizando na faixa branca de pedestres.
Aquilo vira um quiabo, um sabão, quando molhado!!! Vomitou os palavrões e xingamentos que sabia.
As pessoas no ponto de ônibus da praça. Ansiosas em chegar em casa, assim como ela. Maísa limpou os óculos.
Precisava trocar as lentes. Adiara essa idéia há meses, assim como adiara a resolução de se matricular na academia e ficar fitness. A vista embaçou. Apertou os olhos.
Ela olhava os itinerários dos ônibus e não conseguia ler direito. Um ônibus. Outro. Um mais lotado que o outro. A noite caiu. As pessoas entrando nos ônibus. O tempo passando.
-" A senhora sabe que ônibus é aquele, dona??? Veja, por favor, se é o 456!!!!!" A mulher, com um bebê no colo, sorriu. -" Eu não sei ler, moça!!! Minha filha foi alí na farmácia!! Foi comprar um remédio Genésio, é mais barato!!!!" Maísa segurou o riso.
Só quando os ônibus chegavam perto ela conseguia ler os letreiros luminosos mas era tarde demais.
Passavam reto. Assim, perdeu dois deles. O jeito era parar todos eles e perguntar ao motorista.
Por sorte, o próximo ônibus tinha um motorista conhecido dela. Celso fazia a linha do bairro dela há anos.
O ônibus parou.
-" É esse, o Celso está dirigindo!!!! Esse é o meu! Obrigado, senhor Jesus!!!!!" A chuva aumentou de intensidade.
-" Boa noite, senhor Celso!!!!!"
O motorista sorriu.
-"Boa noite. Chuva abençoada!!!"
Ela estranhou que o busão estivesse quase vazio. Ela e mais três pessoas. Deve ser por causa da chuva. Também perdi outros que passaram antes, é isso!!!!"
Pensou.
Sentada na poltrona confortável.
Os fones de ouvido. A rádio do celular na estação favorita. Antena Um FM. Sucessos internacionais.
Maísa amava a rádio. Era a rádio preferida do pai. Embora jovem, se acostumara a ouvir músicas dos anos 70, 80 e 90.
O pai tinha dezenas de CDs antigos e Maísa escutara todos.
A água da chuva escorria pela janela do ônibus. Meia hora até chegar no seu bairro, na periferia, na divisa de Americana com Santa Bárbara D'Oeste.
O motorista ligou o ar condicionado. Um luxo.
-"Com a passagem nas alturas, ao menos fica fresquinho aqui dentro!!!!" Pensou.
Roxette tocando. Bee Gees. Guns n'Roses, Aerosmith, Cindy Lauper, Tina Turner a seguir.
Maísa curtia a viagem.
A viagem de ônibus e a musical. Deu até uma cochilada ao som de Got to love, de Double You.
-" Puxa!! Há quanto tempo não ouvia USA for África!!!!"
Vibrou.
A chuva deu uma trégua. Decidiu passar a mão no vidro. Forçou a vista.
-"Supermercado São Vicente!!!! Há??? Como assim?!?? Meu busão não passa no São Vicente!!!"
Deu um salto.
Trombou na roleta.
-" Seu Celso!!!!! Já passamos do supermercado Pague Menos??? Vou descer lá!"
O motorista sorriu.
-" Colega, esse é o 477, da avenida São Paulo!!!! Fui transferido!!!! Você me viu e pensou que era seu ônibus, só que não!!!!!!!"
O motorista parou o ônibus.
Maísa sorriu amarelo. Desceu do coletivo.
Por sorte não chovia. Estava longe de seu bairro.
Uma brisa amena. A moça teria uma hora de caminhada até sua casa.
-" Vamos lá caminhar. Fazer o quê?!?? Não tenho grana nem aplicativo pra chamar o Uber!!!"
Ela riu de si mesma, enquanto andava pela extensa avenida.
Decidiu mudar de estação.
Sertanejo.
Marília Mendonça e a música de sofrência,
mais apropriada para a ocasião!!!!! FIM