Entre ruínas

Definitivamente, Rosângela demonstrou estar menos do que entusiasmada com a perspectiva de encerrarmos nosso tour italiano por Pompeia.

- Esse lugar me dá arrepios - declarou, sem rodeios.

- Mas você nem esteve lá, para saber - redargui.

- A simples ideia de andar por aquelas ruelas me assusta. Penso logo em toda aquela gente morta...

- Andar pela Europa é andar sobre campos de batalha - repliquei. - Campos de batalha empilhados, século após século, centenas, milhares de mortos... a Itália não é exceção.

- Que seja. Mas nenhum desses lugares lembra tanto um cemitério a céu aberto quanto Pompeia; soube que eles têm corpos de vítimas em exibição, para os turistas. Isso é mórbido! - Protestou ela, indignada.

- Bom... não são bem corpos - expliquei pacientemente. - São moldes de corpos, feitos com gesso, alguns ainda no século XIX. Os corpos mesmo, salvo alguns ossos, se desfizeram há centenas de anos, ficou apenas um oco na cinza vulcânica petrificada. Alguém teve a ideia de despejar gesso nos buracos e assim reproduzir a forma humana que havia ali dentro.

- Ainda assim... acho uma falta de respeito para com os mortos - resmungou Rosângela.

- Pense nessas reproduções como modelos - insisti. - As pessoas, pelas quais você poderia lamentar o triste fim, desapareceram quase dois mil anos atrás.

Acabamos indo à Pompeia, mais por insistência minha do que por ter convencido Rosângela de que a ideia era boa. De qualquer forma, ela meio que mudou de opinião ao chegar.

- Nossa! Como isso aqui é grande!

- É uma cidade inteira, não é? A cinza vulcânica a preservou como era no momento da erupção do Vesúvio... quer dizer, quase isso. Muito do que você vê hoje, inclusive os telhados nas casas, foi reconstruído durante o século XX - ou então, não teria apelo para os turistas.

- Ficou algo entre um museu e um parque temático - avaliou ela, com uma careta.

Era verão, e por causa do calor e para evitar aglomerações, havíamos chegado cedo. Entramos numa casa e ela parou diante do mosaico gravado na entrada: mostrava um cão deitado em frente à porta, corrente no pescoço.

- Cuidado com o cão! - Exclamou, esboçando um sorriso.

- Exatamente. Como ainda fazemos nas nossas casas - assenti.

Ela olhou ao redor, para as paredes descascadas, pensativa.

- Vamos embora - disse finalmente. - Estou com medo de sair na rua e descobrir que voltamos no tempo e o Vesúvio está prestes a entrar em erupção.

Saímos, de mãos dadas, subitamente cônscios da nossa própria mortalidade. E também, de como era bom termos chegado à esta conclusão juntos.

- [20-01-2020]